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Você sabia que... O Irã já foi modelo de tolerância?

 

 Cercado por fronteiras naturais, o Irã é uma fortaleza situada a 700 metros de altitude, em média. Conhecida como Pérsia, a região foi berço de vários impérios, cuja história alterna idades de ouro e períodos obscuros. Durante toda a Antiguidade, porém, um traço marcou os soberanos persas: a tolerância.

Entre os séculos VII a.C. e VII d.C., reis como Ciro e Xerxes governaram imensos territórios, sempre respeitando as crenças e tradições das populações locais. Essa atitude fez da cultura persa um patrimônio tão importante para a história da humanidade quanto aquele deixado por gregos e romanos.

O próprio nome do país que hoje conhecemos como Irã é um exemplo das diferentes culturas que contribuíram para formar sua identidade. Na Antiguidade, os gregos chamavam a região de Pérsia. O idioma persa, porém, utilizava as palavras eran e aryan para designar o povo que habitava aquela zona. Essas expressões faziam referência à origem étnica de uma população considerada descendente dos arianos, povo indo-europeu que se estabeleceu na Ásia central por volta do fim do terceiro milênio a.C.

Devido ao apreço que os imperadores persas tinham pelo caráter ariano de sua língua, de sua escrita e de sua ascendência, o nome Irã foi definitivamente adotado no século III d.C. Com a conquista da região pelos muçulmanos em 650, o termo “Pérsia” venceu e prevaleceu até 1934, quando a dinastia dos Pahlevi mudou novamente o nome do país para Irã.

 

"Friso dos Arqueiros"

 

Até a conquista muçulmana, no século VII, o planalto iraniano foi dominado por quatro grandes impérios: o aquemênida (559 a.C.-330 a.C.), o selêucida (330 a.C.-170 a.C.), o parta (170 a.C.-226 d.C.) e o sassânida (226 d.C.-650 d.C.).

A história daquilo que conhecemos como Pérsia clássica começa com a fundação do Império Aquemênida, em 559 a.C., pelo rei Aquemenes. Ao longo de pouco mais de dois séculos, essa dinastia conquistaria o mais vasto conglomerado de reinos jamais federados sob uma única autoridade.

Vista em retrospecto, a formação desse primeiro império é surpreendente. Os aquemênidas expandiram seu território enfrentando impérios muito mais militarizados, como o medo e o assírio. Outro aspecto que desperta a admiração dos estudiosos é o grau de tolerância que reinava em seus domíniosApesar de ser um dos mais vastos da época, o Império Aquemênida era o menos repressivo.

Estendendo-se das margens orientais do mar Mediterrâneo e do rio Nilo, no Egito, até o rio Indo, na Índia, o imenso território sob controle aquemênida favorecia o desenvolvimento e a miscigenação das culturas, costumes e religiões, à margem de qualquer tipo de fanatismo. O império englobava quase todas as terras ao redor do mar Negro, o nordeste da Grécia, a Turquia, o Egito (até a primeira catarata do Nilo), a Líbia, todo o Oriente Médio, o norte da península Arábica, a Armênia, o Iraque, o Irã, o Afeganistão e uma parte do Paquistão. Quase 8 milhões de quilômetros quadrados eram administrados pelos reis persas, enquanto o Império Romano ocupou “apenas” 6 milhões de quilômetros quadrados.

As fontes históricas sobre a história antiga da Pérsia são raras, dispersas e fragmentadas. A maior parte das informações sobre o período provém, essencialmente, de autores gregos (Heródoto, Ctésias, Políbio e Estrabão); da Bíblia (livros de Esdras, de Isaías e de Ester); dos arquivos dos administradores de províncias sob domínio persa, os sátrapas; e de inscrições em estelas e monumentos.

A falta de documentação se explica, em parte, pelo fato de que Ciro, o Grande, soberano que comandou o início da expansão persa, se preocupou mais em defender seus ideais e combater seus adversários do que em fazer propaganda de seu governo. Como até hoje não se sabe ao certo se Aquemenes existiu de fato ou se foi uma figura criada para dar legitimidade à dinastia aquemênida, Ciro é considerado o primeiro grande rei persa.

A expansão desse povo se deu na esteira de um movimento mais amplo, que varreu a Ásia. Nômades vindos do leste dominaram civilizações mais avançadas a oeste. Em sua marcha, os invasores prevaleceram sobre os sedentários, a vida pastoral destronou a vida urbana, a força suprimiu a lei, o saque levou vantagem sobre o trabalho na terra, e a estepe venceu as lavouras. Nesse ambiente de devastação, a federação de tribos seminômades liderada por Ciro conseguiu se impor sobre os civilizados impérios assírio, babilônio e medo.

O rei persa dominou a Mesopotâmia sem causar muita destruição. Os povos da região, cansados da guerra, das pilhagens dos nômades eurasianos e do fanático militarismo assírio, pouco se opuseram ao que de início lhes pareceu a doce autoridade de um senhor pouco presente, pois governava de muito longe.

Diante desse panorama favorável, Ciro adotou uma inteligente estratégia em relação às elites locais. Ele compreendeu que aterrorizá- las por meio da crueldade e do medo o condenaria no plano político. Era preciso, portanto, federá-las, e não matá-las.

Ciro mostrou ao mundo que o que une importa mais do que o que divide. Seu talento foi criar um sentimento de pertencimento ao império que se disseminou entre o mosaico de povos cuja diversidade os fazia naturalmente propensos ao combate. Os textos mostram que o soberano não queria aniquilar as nações, mas sim associá-las ao destino do império.

Em um reino formado por múltiplas etnias, culturas, religiões e línguas, o governo de Ciro foi muito tolerante com as minorias culturais, religiosas e políticas. O soberano fazia questão degarantir a proteção das populações conquistadas: “Não autorizei ninguém a maltratar o povo nem a destruir a cidade. Ordenei que toda casa permanecesse intacta, que os bens de cada um não fossem pilhados. Ordenei que todos fossem livres para adorar seus deuses. Ordenei que cada um fosse livre em seu pensamento, seu local de residência, sua religião e seus deslocamentos, e ninguém deve perseguir o outro”.

As políticas de Ciro fizeram com que nenhum dos povos conquistados, com exceção dos egípcios, sentisse a autoridade aquemênida como um poder estrangeiro. A administração persa se adaptava às tradições regionais, promovia a descentralização do poder com a implantação de uma ampla autonomia local (os famosos sátrapas), era pautada por uma absoluta tolerância religiosa e se apoiava nas elites locais, privilegiando a pequena nobreza. Para aumentar a coesão do conjunto, o rei e sua corte se deslocavam regularmente pelas províncias do império, passando por Susa, Babilônia, Ecbátana, Arbeles e Persépolis, e fixando sua capital no local onde estivessem residindo provisoriamente.

 

(Monumento em homenagem a Xerxes)

 

Com o crescimento do império, o velho idioma persa foi progressivamente sendo substituído pelo aramaico, que já era falado na maior parte da região da Síria-Palestina. Mais fácil de aprender e de escrever, se tornou a língua administrativa do Império Aquemênida e serviu de cimento linguístico entre as províncias.

A miscigenação de populações acelerou muito a difusão dos conhecimentos no seio do império. Uma estrada real de mais de 10 mil quilômetros percorria o território dominado pelos persas, desde a cidade de Éfeso, nas margens do Mediterrâneo, até Cabul, no atual Afeganistão. Muitas ramificações davam acesso às cidades de Susa, Pasárgada (ambas no atual Irã) e Kandahar (no atual Afeganistão).

A tolerância religiosa dos persas foi fundamental para a história do judaísmo. Segundo a Bíblia, ao conquistar a Babilônia, em 537 a.C., Ciro promulgou um édito que libertou os judeus do cativeiro na Mesopotâmia e ofereceu uma ajuda financeira muito substancial para que eles reconstruíssem o Templo de Jerusalém. Ainda hoje, 2.500 mil anos depois, a festa de Purim continua a celebrar, todos os anos, o evento. Desde esse momento, o imperador passou a ser homenageado no mundo judaico como um profeta.

Os judeus não foram os únicos a se beneficiar da liberalidade de Ciro. Ele abriu o pensamento persa aos filósofos gregos, à mística masdeísta, ao ascetismo árabe, à medicina indiana e à liberdade de consciência em geral. Os médicos da corte eram majoritariamente estrangeiros. Segundo Heródoto, destacavam-se os egípcios e gregos, como Demócedes de Crotona e Ctésias de Cnido. Os autores do mundo helênico insistem no extraordinário rigor moral dos persas, cuja primeira das virtudes era a proibição da mentira, considerada o mal absoluto em uma perspectiva metafísica quase religiosa.

Essa tolerancia e abertura para o mundo exterior fizeram com que os gregos e sua cultura gozassem de grande prestígio entre os persas. O fascínio pelo helenismo abriu caminho para que Alexandre, o Grande, conquistasse o império construído por Ciro e pusesse fim ao poder da primeira grande dinastia persa em 330 a.C.

Por maior que tenha sido a bravura dos cavaleiros macedônios, por mais moderna que tenha sido a estratégia militar de Alexandre e mais favorável a sua situação, esses elementos não teriam sido tão eficazes se a cultura helênica já não estivesse fortemente impregnada no oriente persa. Alexandre apenas acelerou os efeitos de um processo de decadência que já afetava o Império Aquemênida havia algum tempo.

Após a morte de Alexandre, um de seus generais, o macedônio Seleuco, fundou uma nova dinastia, o Império Selêucida, que governou a Pérsia até 170 a.C. Neste ano, o último governante grego foi derrotado por Mitríades, que colocou a região novamente sob o domínio de um reino nativo: o Império Parta. Finalmente, em 226 a.C., Ardacher I conquistou as províncias sob controle dos partas e fundou o Império Sassânida, dinastia que reivindicou a herança cultural e política dos aquemênidas e governou a Pérsia até 650, quando a região foi conquistada pelos muçulmanos.

A tradição de tolerância da antiga Pérsia se perdeu nos séculos posteriores. Os crimes palacianos da dinastia dos Afsharidas, no século XVIII, o reino de terror instituído no Irã pela polícia secreta do xá Rehza Pahlevi na década de 1970 e as perseguições de oponentes políticos promovidas pelo atual presidente Mahmud Ahmadinejad, no entanto, não devem ocultar o legado da Pérsia eterna, com sua imensa tolerância e efervescência cultural. Esse patrimônio impregnou a cultura ocidental de forma mais profunda do que se imagina, o que faz de nós tão herdeiros da Pérsia quanto da Grécia antiga.

 

Fonte: História Viva