Texto 3 – Série Primeira Guerra Mundial
Disputando cada milímetro de espaço como se fosse o último, os soldados pereciam nas covas que chamavam de trincheiras, enquanto a glória que desejavam se desmanchava com o suor das batalhas.
Prof. Pablo Michel Magalhães Licenciado em História - UPE Especialista em Docência da Filosofia - UCAM Mestre em História - UEFS
DAS CARTAS QUE ESCREVI…
É triste ficar longe de quem gostamos. Saudade, tristeza, medo de que o pior aconteça. Sonhamos à noite com o regresso de quem se foi, e contamos os dias para que possamos rever nossos entes queridos. Todos esses sentimentos estiveram presentes nas várias cartas que famílias e soldados trocavam, enquanto bombas, tiros e gases venenosos destruíam a saúde e a vida de muitos no campo de batalha.
Quando a glória e as esperanças heróicas de uma guerra curta se foram, sobraram soldados cansados e abatidos, que ainda tinham a ordem de destruir o inimigo, homens que sequer conheciam. Quando a guerra atingiu sua fase de entrincheiramento, o tempo parecia ser o que menos importava: dias, meses, anos… O importante era ganhar terreno, ocupar os espaços do inimigo, vencê-lo pelo cansaço.
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Em geral, dividimos a primeira Grande Guerra em duas partes:
– 1ª fase – Guerra de Movimento (1914);
– 2ª fase – Guerra de Posição e Batalhas Finais (1915 – 1918).
Na primeira fase, a Guerra de Movimento, muitos historiadores lembram-se apenas do lado francês da batalha. Porém, aqui, vamos falar sobre as duas Frentes (ocidental e oriental), para explicar como essa primeira parte se desenrolou, até fins de 1914, com a corrida para o mar.
Quem inaugura a movimentação é a Alemanha, utilizando-se da ideia de ataque rápido, massivo e efetivo sobre a França. Através do Plano Schlieffen, os alemães atacariam e ocupariam o país dos franceses em até seis semanas, deixando, do lado oriental, forças em formação defensiva. A ideia era neutralizar os exércitos franceses, para que, isoladas, Inglaterra e Rússia não conseguissem opor resistência aos alemães.
O plano ainda previa que o ataque à França começaria pelo combate rápido contra as tropas da Bélgica, Holanda e Luxemburgo (países menores e com uma força militar relativamente menor).
Porém, essa estratégia mostrou-se inútil, uma vez que, ao ocupar a Bélgica, os alemães tiveram muito mais trabalho do que imaginavam, pois o exército do rei Alberto I, sob sua liderança, superou às expectativas e resistiu bravamente às investidas. Vendo seus planos serem retardados, o comandante Moltke ordenou bombardeamentos nas cidades com artilharia pesada e fuzilamento de reféns (numerosos civis foram mortos). Com isso, os alemães tomaram o controle do país dos belgas e marcharam pelo norte até Paris.
Ao sul, o segundo exército alemão foi recepcionado por tropas francesas, que haviam marchado em direção à Sarresburgo, atravessando a fronteira com a Alemanha, travando a Batalha das Fronteiras, péssima para a França. Ao norte, o general Von Kluck marchava sobre solo francês com soldados já exaustos, tendo como objetivo principal tomar Paris. Com o perigo girando em torno, o presidente Poincaré e sua cúpula administrativa fugiram para Bordéus.
Talvez por achar que já estavam ganhos e que Paris não representaria qualquer empecilho, e acreditando, também, que as forças britânicas, que vieram em socorro aos franceses, não apresentariam maior resistência, Von Kluck resolveu mudar seu curso, e dirigiu-se para o Rio Marne. Avisados por um piloto de avião, que fazia um voo de reconhecimento da área, franceses e ingleses partiram para o ataque, surpreendendo o general Von Kluck e o comandante Moltke. Desbaratados, tiveram de abandonar o plano e buscar refúgio no corte do rio Aisne. O “milagre do Marne” pôs fim ao plano Schlieffen, acabou com as possibilidades de uma guerra curta, e promoveu o primeiro recuo alemão no conflito.
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Na Frente Oriental, os generais Von Rennekampf e Samsonov, do exército Czarista, fizeram frente ao alemão Prittwitz e seu VIII Exército. Com uma rápida mobilização, os russos surpreenderam as divisões alemãs, que se viram obrigadas a recuar. Nesse contexto, o general Prittwitz foi substituído por Ludendorff e Hindenburg, generais que mostraram maior astúcia e dinamismo, assessorados pelo coronel Hoffmann, outro militar hábil.
A reunião destes líderes determinou, ao lado de uma tropa mais preparada, o triunfo alemão frente os russos. Além disso, os alemães demonstraram astúcia ao interceptar as mensagens transmitidas pelos soldados da Rússia czarista, que enviavam suas comunicações sem codificá-las, facilitando o trabalho.
Nas batalhas de Tannenberg e Lagos Masurianos, os russos foram massacrados, com perdas que superaram 300 mil homens em campanha.
Em 1915, após a ofensiva franco-britânica em Artois, que se revelou fracassada, teve início a fase da Guerra de Posição, que se estenderá até a vitória dos aliados, em 1918, na Batalha de Amiens.
A partir desse momento, com a chegada do Inverno, trincheiras são escavadas para servir de proteção no período de frio. A ideia inicial era de que, tão logo passasse a estação, com suas nevascas e péssimas condições de batalha, as ações táticas de guerra fossem retomadas. Ledo engano: as trincheiras seriam, daí em diante, o local principal dos combates.
Com o tempo, os soldados foram aumentando a proteção em torno das suas trincheiras. Arames farpados, sacos de areia, proteções contra bombardeios: tudo o que fosse possível para potencializar o abrigo e a sobrevida. Fora destas “covas”, o terreno que separava os inimigos e suas trincheiras passou a ser chamado “terra de ninguém”, a zona de morte, onde os tiros de canhão e as balas dos fuzis rasgavam o ar. Era através dela que corriam os soldados, no momento do ataque, para ocupar a trincheira dos adversários, escapando dos perigos com faca nos dentes e muita coragem (ou medo, por que não?), carregando suas baionetas e o que mais houvesse que pudesse ferir ou matar o inimigo. Também na “terra de ninguém” faziam-se incursões de observação e de resgate de soldados feridos.
É nessa fase da guerra que batalhas importantes (e fracassadas), como a de Galipoli, pela posse do Estreito de Dardanelos iniciada pelos Aliados contra o Império Otomano, e a de Verdun, onde os alemães procuraram massacrar os franceses, acontecem. Na primeira, os turcos triunfaram, apesar das pesadas baixas, de ambos os lados, decorrentes de uma campanha militar das mais sanguinárias e violentas da Grande Guerra; na segunda, o general Pétain liderou os franceses na vitória sobre os alemães, com uma cifra assustadora de granadas lançadas: 43 milhões, mais de 200 mil por dia de batalha.
Em novembro de 1917, a Revolução Russa triunfa nas terras do Czar, e Lênin assina um acordo de paz com a Alemanha e as Potências Centrais. Esse fator alivia e muito a situação alemã, que se volta completamente para a Frente Ocidental, para enfrentar franceses e britânicos.
Com um Império Otomano totalmente enfraquecido (a Revolta Árabe, de 1916, havia transformado o território imperial em um campo de guerra mais perigoso que a própria Grande Guerra, contra britânicos e russos), e uma Áustria que mostrava-se efetiva no campo de combate (suas ações táticas contra os italianos foram tão vitoriosas que os exércitos inimigos sequer conseguiram atravessar os Alpes e adentrar no país, e ainda capturaram 300 mil soldados italianos!), mas que dependia, e muito, dos estrategistas alemães, a Alemanha via cada vez mais urgente a necessidade de derrotar rapidamente franceses e britânicos.
Outro perigo para os alemães era a chegada dos americanos. Com tropas novas, material novo, recursos até então considerados infinitos e armas prontas para o combate, os Estados Unidos figuravam no palco da Primeira Guerra Mundial como um reforço poderoso para os Aliados, e um inimigo feroz para a Alemanha e as Potências Centrais.
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MOMENTOS FINAIS DE UMA GUERRA EXAUSTIVA
Em 1917, a Terceira Batalha de Ypres e a Batalha de Amiens praticamente definiram os rumos da Grande Guerra. Em sequências exaustivas de combates, as cifras das mortes eram gigantescas.
Em Ypres, apesar da vontade dos generais Foch e Haig em dar um ponto final com uma contra-ofensiva, após perder espaço para os Aliados (que contavam com 1.200 aviões e 500 tanques de guerra), nenhuma tática consegue findar os combates, que continuam sem esperanças de acabar.
Em Amiens, os Aliados conseguem romper a frente alemã, deixando os exércitos alemães vulneráveis. Esse êxito, ocorrido no dia 8 de agosto de 1918, ficou conhecido como o “dia negro” para os alemães, porque estes foram massacrados em batalha pelas tropas Aliadas.
Logo, uma sucessão de acontecimentos vão, pouco a pouco, desestabilizando a continuidade da Grande Guerra: em setembro e outubro de 1918, Bulgária e o Império Turco-Otomano capitulam, exaustos; a Áustria, mal das pernas, havia tentado a paz com a França em 1917, sem sucesso, e no ano seguinte, através de um telegrama, anunciou ao imperador Guilherme II sua retirada da aliança (pouco tempo depois, o Império Austro-Húngaro seria totalmente dissolvido, através dos tratados de Saint-Germain e Trianon).
À Alemanha restou a rendição através do armistício de Compiègne, assinado em 11 de novembro de 1918, que infligia ao país: 1) Reduzir suas tropas pela metade; 2) Pagar indenizações e multas vultosas aos vitoriosos; 3) Ceder suas colônias na África e restituir a Alsácia-Lorena à França. Em 1919, o Tratado de paz de Versalhes firmaria definitivamente o fim da Primeira Guerra Mundial, impondo uma série de medidas que colocavam a Alemanha em uma situação crítica e insustentável, com o claro interesse de impor a este país a miséria de sua população, contribuindo para um clima de instabilidade social e política que culminaria com a ascensão de Hitler e do Nazismo em 1933.
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REVISANDO… (JUNTAR OS CACOS, EUROPA! JUNTAR OS CACOS…)
Muito além do armistício e da entrega alemã nos 45 do segundo tempo, a Grande Guerra de 1914-1918 deixou para trás nações destruídas, cidades fantasmas, pessoas desiludidas, fome, miséria, pobreza. O fim da guerra representou mais a exaustão dos países envolvidos do que, propriamente, a vitória dos Aliados sobre as Potências Centrais. Para alguns historiadores, em especial o saudoso Eric J. Hobsbawm, o que houve foi uma pausa, para que o conflito se concluísse entre 1939 e 1945, na Segunda Guerra Mundial. Ou seja, desde 1914, passando por um período de reorganização entre 1919 e 1938, até 1945, o mundo viveu uma longa, mortal, exaustiva e angustiante Grande Guerra.
Não acompanhou a nossa série desde o início? Recomece a leitura clicando abaixo:
Texto 1 – A glória esperada de uma guerra rápida e a ponta do iceberg em Sarajevo.