Escravizada no século XVIII, em Oeiras, município no Sul do Piauí, Esperança Garcia foi reconhecida como a primeira mulher advogada do estado.
Da redação Com informações de G1 e Aventuras na História
Esperança Garcia foi uma mulher negra escravizada no século XVIII.
Ela trabalhava em uma fazenda no Piauí chamada Algodões, localizada na região de Oeiras, primeira capital do estado. Essa era uma área que ficou nas mãos do governo, pertencendo à Inspeção de Nazaré após a retirada dos jesuítas do local, que foi ordenada por Marquês de Pombal.
Quando tinha apenas 9 anos de idade, Esperança foi levada como escravizada para a casa do capitão Antônio Vieira de Couto, onde começou a sofrer sérias violações. Fugiu pouco depois, reaparecendo numa relação de trabalhadores da fazenda, datada de 1778.
Em 6 de setembro de 1770, ela escreveu uma carta ao governador da Capitania do Maranhão, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, denunciando os maus-tratos que sofria. Pedia ainda para retornar à Fazenda Algodões e para ter sua filha batizada.
Acredita-se que ela aprendeu a escrever e a ler português com os jesuítas catequizadores. “Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, pelo marquês de Pombal e a passagem da fazenda para outros senhores de escravo, ela foi transferida para terras do capitão Antônio Vieira de Couto”, conta o Instituto Esperança Garcia, que mantém a memória da advogada no estado piauiense.
Não se sabe muito mais sobre a vida dessa moça, contudo, sua carta revelou as informações atuais. García relatou que era casada e engravidou do primeiro filho quando tinha somente 16 anos, tendo casado com o angolano Ignácio. Ao todo, ela teve 7 filhos.
A carta
A carta de Esperança Garcia é considerada a primeira petição escrita por uma mulher na história do Piauí, o que a torna uma precursora da advocacia no estado. Também é um documento importante nas origens da literatura afro-brasileira. Na data de envio, 6 de setembro, é comemorado o Dia Estadual da Consciência Negra em seu Estado de origem.
“O texto, em uma única página, escrito à mão, trata-se do documento mais antigo de reivindicação de uma pessoa escravizada a uma autoridade”, diz o texto do Instituto Esperança Garcia.
Localizada no arquivo público do Piauí, em 1979, pelo historiador Luiz Mott, a carta carregava os seguintes dizeres:
“Eu sou uma escrava de V.S.a administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões, aonde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não poço explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.S. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda a onde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha. De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia”
De acordo com juristas e historiadores brasileiros, o documento pode ser considerado uma petição, pois apresenta elementos jurídicos importantes, como endereçamento, identificação, narrativa dos fatos, fundamento no Direito e um pedido. Não se sabe, contudo, se o pedido de Esperança chegou a ser atendido e se reencontrou sua família.
Em 2017, a Comissão da Verdade da Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil no Piauí (OAB-PI) publicou uma pesquisa intitulada “Dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito”.
No mesmo ano, dois séculos após a escritura da carta, a OAB-PI reconheceu Esperança Garcia como a primeira mulher advogada piauiense.
Segundo juristas e advogadas negras, a carta de Esperança, datada em 1770, pode ser considerado o primeiro documento do tipo no Brasil.
Contudo, oficialmente, o posto hoje é ocupado por Myrthes Gomes, que ingressou na advocacia em 1899. Há reivindicações de juristas e advogadas negras para um reconhecimento também da OAB Nacional.
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