A lei Áurea, 134 anos depois

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, então regente do Império do Brasil, assinava a lei que abolia a escravidão no país. Mas, de fato, o que mudaria nas décadas seguintes?

Pablo Michel Magalhães
Mestre em História - UEFS
Especialista em Filosofia - UCAM

De fato, a assinatura da lei de número 3.353 do Império do Brasil representou um importante marco legal para os súditos da coroa de Pedro II.

Após séculos de exploração, violência e genocídio dos povos pretos, sequestrados do continente africano para trabalharem compulsioriamente nas propriedades escravocratas brasileiras, enfim a liberdade dos negros cativos foi reconhecida.

Contudo, longe de simbolizar o fim da segregação e dos maus tratos, a lei Áurea então assinada por Isabel, que passaria a ser chamada de “redentora” após o ato administrativo, foi um ponto de início de uma outra forma de violência, presente até hoje em nosso país.

Do abolicionismo à lei Áurea

O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravatura como sistema de trabalho no território nacional, e isso tem alguns pontos que devemos destacar.

O primeiro deles tem a ver com a classe política do período. Senadores, deputados e ministros, em grande maioria, eram ou representavam os senhores escravocratas brasileiros. Década após década, estes indivíduos eleitos para cargos públicos de decisão retardaram o quanto puderam qualquer andamento de uma lei que extinguisse de fato a escravidão.

Outro ponto está relacionado com a própria monarquia. Por mais que o imperador Pedro II professasse um posicionamento contrário ao sistema escravocrata, inclusive de maneira pública, o monarca buscou não entrar em choque com os ricos proprietários brasileiros.

Sentado na máquina burocrática, conviveu com a escravidão, que abominava, sem efetivamente ter contrariado os escravocratas, dos quais a própria coroa dependia economicamente.

Porém, ainda assim, seria errado dizer que Pedro não tinha feito movimentos políticos para fragilizar a escravatura. Por exemplo, ele solicitou em 1865 a José Antônio Pimenta Bueno, um de seus conselheiros, um estudo que propusesse soluções para a abolição do trabalho escravo no Brasil.

Prontos em 1866, os estudos propunham libertar os filhos de mães escravas. Essa seria a base, em 1871, para a Lei do Ventre Livre.

Claro que, na imensidão de práticas violentas de cativeiro, a lei foi um grão de areia.

De todo modo, o movimento abolicionista, que ganhou força redobrada após a Guerra do Paraguai (1864 – 1870), reivindicava atitudes mais duras contra a escravatura. Jornais como A Abolição, Oitenta e Nove, A Liberdade, O Amigo do Escravo e A Gazeta da Tarde publicavam editoriais em defesa dos escravizados, pregando o fim do cativeiro.

A assinatura da lei Áurea

Até a caneta de Isabel assinar o documento, os abolicionistas já haviam travado uma luta intensa nas ruas e nos tribunais. Luiz Gama, por exemplo, era um dos mais ativos advogados em defesa dos escravizados.

É preciso ressaltar, também, as movimentações políticas em torno do andamento da lei. Em sua terceira regência, iniciada a 3 de junho de 1887, Isabel enfrentou o ministério conservador do Barão de Cotejipe, inclusive forçando-o a pedir demissão.

Em seu lugar, a princera nomearia João Alfredo Correia de Oliveira para primeiro-ministro.

Essa troca se mostraria fundamental. Com João Alfredo, a proposta de abolição passou adiante e pôde ser aprovada em votação do Legislativo. Inclusive, conseguiram uma importante vitória: os escravagistas não seriam indenizados pelo fim da escravidão.

Posteriormente, para evitar que estes ex-escravocratas conseguissem pleitear qualquer valor indenizatório, Rui Barbosa, Ministro da Fazenda já no período republicano, deu ordem para destruição de todos os livros de matrícula, documentos e papeis referentes à escravidão existentes no Ministério, de modo a impedir qualquer pesquisa naquele momento e posterior a ele que visasse a indenização de ex-proprietários de escravos.

Contudo, o principal não foi feito na lei Áurea: os ex-escravizados não foram indenizados, não lhes foi oferecido qualquer projeto de redistribuição de terras e acesso ao trabalho digno. Esse fator seria fundamental nas décadas seguintes, marcadas pela forte desigualdade social, na qual os negros ocupavam o posto mais desfavorável.

A isso, devemos somar a formação cultural brasileira, entranhada no racismo e no ódio de classe e raça, que reforçou as estruturas de uma sociedade excludente.

O que devemos comemorar, então, no aniversário da lei? Talvez, possamos utilizar esse dia como reflexão: sobre o que a abolição significou e sobre como mantemos uma cultura racista que escraviza, ainda hoje, a população negra do Brasil.

Referências

 CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.