Prof. Carl Lima
Licenciado e Mestre em História - UEFS
Ao abordarmos a história da prática da capoeira no Brasil devemos, antes de tudo, resgatar a história da escravidão no país: quatrocentos anos de horrores e serviços forçados, para alimentar uma elite rica e gananciosa que vivia para o acúmulo de capitais e manutenção de seus privilégios.
O escravo negro não conhecia a terra brasilis e nem a língua falada aqui, a região, o clima, animais, plantas, nada disso ele conhecia. Separado da família e dos amigos, o negro tinha um só direito: trabalhar, trabalhar e apanhar… Nesse ambiente, nasce o espírito de camaradagem entre os escravos de várias etnias diferentes (Bantos, Sudaneses, Angolas, etc.) e é dessa forma, nessa mistura de culturas africanas que nasce à capoeira, que nasceu brinquedo, dança, jogo. Ajudava aos escravos matar a saudade da terra e de seus ancestrais, através da música, do batuque e das histórias contadas nas rodas. Era um momento de alegria, um dos poucos…
O desenvolvimento da capoeira nas cidades
Com o desenvolvimento dos ambientes citadinos – entre o final do século XVIII e o século XIX – nasce uma nova cultura que agora sai das senzalas e chega as ruas, praças e largos das principais urbes brasileira.
A intensidade das trocas comerciais e a conseqüente atração de pessoas nessas cidades, contribuíram para o desenvolvimento da diversidade cultural e também para a expansão desta cultura. Nesse contexto aprendia-se a capoeira jogando e observando as rodas, com destaque para as festas religiosas, não vista ainda como prática criminosa. Porém, era tida como jogo de negros, o que a tornava marginalizada pela sociedade branca das cidades.
Ao longo do século XIX a capoeira crescia, evoluía, tornava-se arma das pessoas que viviam nas ruas: não era só o negro praticante da capoeira. Ela era jogada também por mulatos, mamelucos, brancos. O contato e a interação desses grupos contribuíram para moldar a capoeira moderna.
A partir da segunda metade do sec. XIX o berimbau passa a figurar nas rodas. Até então, as rodas eram marcadas pelo ritmo do atabaque, pandeiro e outros instrumentos de percussão. Com essa incorporação, inicia-se o processo de desenvolvimento da capoeira moderna, consolidada no século XX, pelos Mestres Pastinha e Bimba. As Cidades do Rio de Janeiro, Salvador e São Luís sempre se destacaram por serem os maiores focos da prática urbana. Assim, onde havia concentração de pessoas, lá estava a capoeira.
Em 1892, a capoeira passa a fazer parte do código penal, inclusa no artigo 402. De indesejável agora se torna proibida e com status de crime. O individuo que fosse surpreendido jogando a capoeira seria preso e, se condenado, poderia ser punido a trabalhos forçados na Ilha de Fernando de Noronha, com uma pena que variava entre 4 e 6 meses.
Só no primeiro ano de vigência da lei o Chefe de Polícia do Rio de Janeiro, Sampaio Ferraz mandou para Fernando Noronha cerca de 400 capoeiristas, sendo que desses, 65% foram considerados brancos, 20% estrangeiros e apenas 15% de negros. Como se vê, ela já não era apenas restrita a população afro-brasileira. O que aproximava esses “capoeiras” era muito mais a situação econômica e o seu posicionamento social, marcadamente pobres e marginais perante a sociedade brasileira.
A capoeira na década de 1920
Na década 1920, então com o surgimento de um sentimento nacionalista nas artes e na cultura do Brasil, aglutinado e potencializado na Semana da Arte Moderna de 1922, que se destacou por um possível resgate da cultura genuinamente Nacional, a capoeira recebe o status de um símbolo de brasilidade, sendo tomada agora como Ginástica Nacional Brasileira.
Como parte dessa nova fase, Mestre Zuma idealizou, em 1928, o primeiro manual da capoeira sem mestre, método didático, onde o leitor através do livro tinha conhecimento da capoeira como jogo e luta.
Nesse momento Bimba e Pastinha já são famosos como Mestres. Em 1923, mestre Bimba, cria a capoeira Regional da Bahia, uma ramificação da capoeira de Angola, que até então era chamada apenas de capoeira e só. Uma curiosidade: quando mestre Bimba alcunhou a sua ginga como Regional, Pastinha então chamou a dele de Angola, para diferenciar-se. Dentre algumas diferenças, nota-se a preocupação de Mestre Bimba, tentando dinamizar, acrescentando à Capoeira vários movimentos/golpes de artes marciais.
Em 1933, após uma apresentação de mestre Bimba e seus alunos para o então interventor da Bahia, Juraci Magalhães, houve um movimento para descriminalização da capoeira, iniciando assim, uma nova era para a capoeira no Brasil.
A partir de Bimba e Pastinha a capoeira passa a ser ensinada nas academias, com metodologia própria e possibilitando a qualquer pessoa a prática desta arte.
Confira também:
Documentário “Mestre Bimba – A Capoeira Iluminada”, dirigido por Luiz Fernando Goulart. Clique aqui para assistir.
Filme “Besouro”, dirigido por João Daniel Tikhomiroff.