La Barque de Dante ou Dante et Virgile aux enfers (A barca de Dante ou Dante e Virgílio no inferno, 1822), pintura a óleo sobre lona, de Eugène Delacroix.
A concepção do inferno ao longo da história sofreu influências culturais e uma evolução teológica que moldaram a visão sobre o pós-vida.
Da redação Com informações da BBC
“Por mim se vai das dores à morada,
Por mim se vai ao padecer eterno,
Por mim se vai à gente condenada. […]
No existir, ser nenhum a mim se avança,
Não sendo eterno, e eu eternal perduro:
Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”
Essa inscrição encontra-se no topo da porta que conduz ao inferno, de acordo com a narrativa imaginária do renomado escritor e poeta florentino Dante Alighieri (1265-1321) em sua obra-prima, A Divina Comédia (os versos mencionados fazem parte da tradução de José Pedro Xavier Pinheiro).
O relato do ilustre escritor italiano é uma representação simbólica da crença cristã de que o inferno é um lugar terrível onde os pecadores enfrentam punições severas.
Curiosamente, na Bíblia, quase não se encontra menção ao inferno como um local de castigo e tormento. Em vez disso, a concepção do inferno, tal como a conhecemos, resulta de uma fusão de diversas tradições e mitos, que vão desde a noção egípcia da vida após a morte até o Hades dos gregos e os mitos fundamentais dos babilônios.
Juan David Tobón Cano, historiador e teólogo da Universidade San Buenaventura, na Colômbia, explicou em entrevista a BBC News Mundo que a ideia do inferno surge à medida que os seres humanos tentam explicar o caos. Fenômenos compreensíveis, como tempestades e terremotos, observados no universo, foram vinculados ao submundo.
Essas ideias, provenientes de diversas culturas, culminaram nas crenças sobre a vida após a morte nas civilizações egípcia e mesopotâmica, que foram posteriormente adotadas pelos primeiros hebreus.
A evolução da concepção de Sheol, originalmente um lugar para onde iam os mortos sem eventos adicionais, para um local temporário e, finalmente, para um lugar de recompensa ou punição, é crucial para compreender as divergências nas percepções sobre a vida após a morte.
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Inferno, uma palavra simbólica
A palavra latina “infernum” gradualmente substitui termos como Sheol e Hades nas primeiras traduções do hebraico e grego para o latim. Os primeiros cristãos incorporaram elementos do pensamento grego, como o conceito platônico de dualidade corpo-alma, contribuindo para a ideia de que as almas devem ir para algum lugar após a morte.
Uma discussão teológica ao longo dos séculos consolidou a ideia de que o inferno é um local onde as almas impenitentes sofrem castigo eterno, e essa noção foi amplamente difundida com a obra de Dante Alighieri no século 14.
Com o tempo, e influenciada por diferentes correntes teológicas, a definição de inferno foi se transformando. O Catecismo da Igreja Católica, por exemplo, afirma a existência do inferno e sua eternidade, mas os especialistas ressaltam que o castigo principal é a ausência da presença de Deus, enquanto o fogo e a tortura são considerados simbólicos.
Outras religiões e culturas apresentam versões do submundo mais associadas ao descanso das almas do que à punição. Por exemplo, no budismo, existe o Naraka, um lugar transitório de tormento. No Islã, o Alcorão menciona um “lugar de fogo,” e as almas infiéis podem ir para Jahannam, uma versão do inferno.
Exemplos de submundos em outras culturas, como Xibalbá dos maias ou o submundo descrito pelos muíscas (ou chibchas) na Colômbia, revelam uma diversidade de concepções, desde lugares de tormento até ambientes belos e tranquilos após a morte.