Representação em papiro de uma mulher dando à luz, ajudada por outras mulheres e pelos deuses (Reprodução: African Progressive / BBC)
Os egípcios na Antiguidade tinham uma compreensão diversa sobre a relação entre fé e ciência. Com frequência, seus mitos fundantes possuíam uma correlação fundamental com práticas científicas, filosóficas, médicas, etc. O inverso, claro, também é possível.
Da redação
A narrativa mitológica sobre Anúbis é um exemplo de correlação entre medicina e religião. Os egípcios antigos acreditavam que, para alcançar vida eterna, a alma de seus mortos precisava de um corpo. Por quê?
Segundo o Livro dos Mortos, após a morte, a alma seguia para um julgamento, conduzida pelo deus-chacal Anúbis, onde teria seu destino decidido.
Neste julgamento, uma balança mediria o peso entre o coração do defunto e a pena da justiça da deusa Maat. Se o coração pesasse menos do que a pena, a alma teria uma nova vida. E, por isso, precisaria do corpo.
Baseados nessa crença, os egípcios desenvolveram o que chamamos genericamente de mumificação.
A mumificação, na verdade, é um conjunto de procedimentos químicos e físicos que visava a preservação dos corpos. Esses processos exigiam a retirada cirúrgica de alguns órgãos internos, que eram separados uns dos outros. Em alguns casos, eles eram tratados e recolocados no lugar.
Com isso, os egípcios passaram a conhecer o interior do corpo humano de uma forma inédita até então.
Desta forma, localizaram cada órgão e estudaram a relação entre eles. Embora estivessem errados em algumas de suas conclusões – eles acreditavam que o coração comandava nossos pensamentos – eles descobriram várias coisas que podiam ser aplicadas aos vivos.
Os egípcios e o sistema circulatório
Um dos melhores exemplos disso é o conhecimento sobre o sistema circulatório. O corpo de Ramsés II (1279 a 1212 a.C.) teve suas veias e artérias retiradas, mumificadas e recolocadas.
O hábito de tomar o pulso do paciente como forma de avaliar sua saúde é descrito no papiro Ebers, datado de 1550 a.C. “O batimento cardíaco deve ser medido no pulso ou na garganta”, dizia o antigo documento, certamente um dos primeiros livros de medicina do mundo.
Todas as descobertas, inclusive, eram registradas nos papiros médicos que, hoje, compõem a fonte principal sobre a medicina egípcia.
Os papiros
O papiro Ebers (c. 1550 aC) do antigo Egito. (CC POR SA 3.0)
Os rolos de papiro tinham dois lados distintos: o rosto e o verso. No rosto, as fibras da planta corriam horizontalmente, enquanto no verso, corriam verticalmente. O rosto era geralmente o lado preferido para começar a redigir o texto. No entanto, quando ele estava completo, o verso era usado para informações adicionais ou até mesmo para um texto completamente diferente.
Um exemplo disso é o Papiro Edwin Smith, que contém procedimentos cirúrgicos no rosto e feitiços no verso. A interpretação desses dois lados como um texto completo varia entre acadêmicos. Alguns sugerem que os feitiços foram adicionados posteriormente, enquanto outros discordam. O papiro era um material caro e frequentemente reciclado para novos trabalhos, escritos em qualquer uma das suas faces.
Os papiros médicos eram armazenados em uma parte do templo conhecida como Per-Ankh, ou “Casa da Vida”. Esta era uma combinação de scriptorium (espaço de redação e aprendizado) com hospital ou escola médica. Embora haja incerteza se os médicos tratavam pacientes no edifício ou apenas estudavam lá, é possível que todas essas possibilidades estejam incluídas na expressão.
Os templos no Antigo Egito funcionavam como hospitais onde as pessoas buscavam apoio médico e também como centros de aprendizado. Cada texto médico tratava de um aspecto específico de doença ou ferimento e era associado ao nome de quem o descobriu, comprou ou doou a um museu. Infelizmente, os nomes originais desses textos foram perdidos para sempre.
Esses textos eram cruciais para a prática médica no Antigo Egito, semelhante às obras médicas contemporâneas. Prescrições e procedimentos eficazes eram registrados para preservar o conhecimento para outros profissionais.