O tempo não para? História e historicidade

Joyce Oliveira Pereira
Mestre em História - UEMA

Como citar este artigo:
PEREIRA, Joyce Oliveira. O tempo não para? História e historicidade (Artigo). IN: O Historiante. Publicado em 01 de Fevereiro de 2022. Disponível em: https://ohistoriante.com.br/2022/02/historia-tempo/. ISSN: 2317-9929.

O tempo é uma categoria essencial para a História. Seja para perceber as mudanças e permanências (BLOCH, 2001), os estratos do tempo (KOSELLECK, 2014) os regimes de historicidade (HARTOG, 1996). Sem ele, a História seria outra ciência, mas não é sobre isso exatamente que vim falar hoje.

Na experiência humana, a colonização européia introduziu uma noção de tempo, que estava na teologia cristã, em que tudo se concentrava na vontade divina. “Surbubana, sulamericana e suja de batom (BELCHIOR, 1984)” como sou, localizo a nossa experiência com essa noção de tempo a partir dos séculos XV e XVI. Nessa perspectiva de tempo, os acontecimentos do presente eram ‘repetições’ de eventos bíblicos. A exemplo: as invasões dos holandeses na Bahia era a invasão dos filisteus na Palestina, tal como apregoou Padre Antonio Vieira no Sermão de Santo Antônio (1938) (PEREIRA, 2012).

A experiência planetária de dominação europeia ao longo dos séculos acabou incluindo a África, Ásia e América nas mudanças de memórias coletivas e, nisso nas concepções de tempo. As revoluções, com esse papel de mudança, muitas vezes abriram horizontes de expectativas ao que conhecemos como futuro. O renascimento, o Iluminismo e a Modernidade foram processos essenciais para a alteração de uma noção de tempo regido pela natureza, para um tempo urbano, fabril. Decolonialmente é possível observar essa mudança ao longo dos séculos XIX, XX nos territórios não europeus e os embates que existem até hoje em relação à essa colonização do tempo cartesiano e capitalista em relação aos outros.  

Entretanto, grandes eventos como as Grandes Guerras Mundiais e a Guerra  Fria trouxeram uma comunhão desses tempos: de angústia e de incerteza e, sobretudo talvez do maior trunfo do século XIX: a noção de progresso, que o futuro seria ‘evoluído’, ‘melhor’. A maioria de nós, filhos desses tempos, mas não testemunhas deles, nunca tinha experienciado eventos e processos que nos levasse a duvidar que o tempo passa. Porém, desde final de 2019, a Covid-19, mergulhou globalmente o mundo em uma sucessão infinita de repetições do tempo: cepa desconhecida- alerta -contaminação comunitária-negacionismo – restrições – reabertura- alerta – cepa desconhecida – contaminação comunitária – negacionismo – restrição…

E dois anos estamos aqui, em 27/01/2022 sem saber o que o horizonte de expectativas irá nos trazer além de cepa desconhecida- alerta -contaminação comunitária-negacionismo – restrições – reabertura- alerta – cepa desconhecida – contaminação comunitária – negacionismo – restrição…

Não à toa, os transtornos psicológicos deram um ‘boom’ nesse período. O que fazer quando não temos horizontes de expectativas? Quando não sabemos quais os futuros disponíveis a serem concretizados pela ação coletiva dos sujeitos históricos? O que fazer quando um vírus e suas cepas botaram em cheque o conhecimento acumulado do progresso humano? E se você ainda morar no Brasil para piorar ainda mais a situação?

Será que o tempo não para? Se o tempo também é uma experiência humana, só nós podemos responder isso e, talvez a alguns anos, os historiadores. 

Quadro de Salvador Dali, “moça à janela” (1925)

Bibliografia

BELCHIOR, Antônio Carlos.  Beijo Molhado. Cenas do próximo Capítulo, Continental, 1984. LP. 

BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BRANDÃO, Arnaldo; Cazuza. O tempo não para. O tempo não para.  PolyGram

Universal Music, 1988. LP. 

HARTOG, Fraçois. Regime de Historicidade [Time, History and the writing of History – KVHAA Konferenser 37: 95-113 Stockholm 1996]. Disponível em:
26 <<https://pos.historia.ufg.br/up/113/o/Fran%C3%A7ois_Hartog_-
_Regime_de_Historicidade_(1).pdf>> Acesso em 10/10/2020.

KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre História. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014

PEREIRA, Joyce Oliveira. Em nome do Deus dos exércitos: a teologia política de Padre Antonio Vieira nas invasões neerlandesas na Bahia )1624-1641). Monografia (Graduação em História Licenciatura. Universidade Federal do Mraanhão, São Luís, 2012.