Prof. Carl Lima
Licenciado e Mestre em História - UEFS
A história da humanidade pode ser contada por inúmeros paradigmas. O que será abordado neste texto perpassa pela história das técnicas e das invenções, e mostrará os passos seguidos pelo homem e o poder que ele tem como único ser racional do globo terrestre, capaz de inventar instrumentos que possam atuar sobre a natureza. Para isso, traremos à luz o período proto-histórico, pois o reconhecemos como importante para compreendermos tanto os estágios da humanidade, quanto os quadros sociais contemporâneos.
Indicamos que seguiremos uma ordem cronológica dos acontecimentos, mas não faremos isso de forma mecânica, mas com uma dinâmica e meandros que são inerentes e peculiares à História, ainda mais se tratando das técnicas, representantes máximas do olhar e do desenvolvimento psíquico do homem perante os desafios de sua trajetória de vida.
Para efeito didático/analítico, dividiremos o texto em três momentos. O primeiro reproduzirá a transição do pré-hominídeo para hominídeo através de um relato sucinto, mas cativante, que aborda desde a descida do “homem-macaco” da árvore, até suas primeiras organizações sociais propriamente ditas, no período Neolítico, ressaltando todas as suas indústrias primitivas e as suas respectivas invenções. Já o segundo trará para discussão as técnicas de Habitação – abarcaremos todos os tipos de moradia, das cavernas até as cidades mais organizadas, como as do Egito e da Mesopotâmia, e também o desenvolvimento da alimentação, destacando a coletagem e a caça e pesca, até a Revolução agrícola. E por fim, o terceiro momento abordará a Arte, que merece atenção especial, colocada, aqui, como um conceito amplo e plural.
1-O HOMEM NA IDADE DA PEDRA
A Idade da Pedra representa o início da humanidade, tendo como marco a transição de pré-hominídeo para hominídeo, no dado momento em que um grande primata “muito semelhante aos gorilas e gibões dos nossos dias que viviam nos ramos das árvores”, condicionado pela localização geográfica, teve que adquirir a posição vertical e caminhar sobre os membros posteriores para melhor adaptar-se ao ambiente desarborizado do altiplano do Tibet. Essa mudança foi um momento decisivo na evolução dos hominídeos, e até mesmo uma revolução de importância incalculável. Toda esta fase se deu na Era Quaternária, com uma duração que varia entre 500 mil e 1 milhão de anos.
Esse período denominado “Idade da Pedra”, foi dividido, para um melhor entendimento e compreensão, em Paleolítico (inferior, médio e superior), Mesolítico e Neolítico, respeitando as transformações e as invenções técnicas. Tal divisão se deu de acordo com os conceitos de duas ciências auxiliares que são de grande valia para nós historiadores: a paleontologia humana e a arqueologia pré-histórica. A primeira estuda as características anatômicas dos restos fósseis humanos; a segunda tem por objetos as obras e os sinais da atividade própria e exclusiva do ser humano.
1.1 Paleolítico
Este período é denominado “Idade da Pedra Lascada”, mas não se pode garantir que os objetos fabricados eram todos líticos, podendo existir um grande uso de outras matérias-primas. A madeira, o osso, o chifre, o marfim, a concha, as fibras constituíam matéria-prima utilizada com abundância. Os objetos assim fabricados não puderam, é evidente, conservar-se através do tempo.”
1.1.1 Paleolítico inferior
Esta fase representa o período mais remoto da existência humana, datado de mais de 500 mil anos e que tem como atividade técnica primordial o aperfeiçoamento do corte da pedra; o primeiro instrumento construído foi o coups-de-poig, um tipo de utensílio bifaces, com inúmeras funções: são peças, por vezes volumosas, podendo atingir 20 a 25 cm de comprimento, que foram obtidas a partir de um núcleo de sílex ou de um grande calhau de que se separavam por meio de percussão. Estes utensílios foram encontrados na Europa, Ásia, Índia, África do Sul e na Oceania, sendo neste último o espaço de origem, encontrado basicamente na região de Abeville, dado a isso o arqueólogo denominam de indústria abevillense.
1.1.2 Paleolítico médio
Este período foi dominado pelo Homem de Neanderthal, e em comparação com a indústria lítica da fase anterior, sofreu algumas modificações, especialmente no que se refere aoformato dos utensílios. Surgiram, então, os objetos de grandes lascas compridas, planas e pontiagudas em forma triangular, condizente com o modo de viver desses homens, exímios caçadores. “Eram homens autênticos, possuidores do fogo, de instrumentos e de uma técnica superior: a palavra”.
1.1.3 Paleolítico superior
É uma fase que, em comparação com as anteriores, durou pouco tempo, cerca de 40 mil anos. Ocorreram grandes transformações no quadro geográfico (clima, flora, fauna) e três raças dominaram esse período: Grimaldi, Chancelade e a de Cro-Magnom, “sendo esta ultima a mais importante, com mais de um metro e oitenta, bem constituído e com testa larga e alta. Todas eram da espécie homo sapiens, com uma capacidade psíquica que já se assemelha muito a dos homens atuais. As principais mudanças técnicas foram: a utilização de lâminas finas e leves e o crescimento do uso do osso e do chifre no fabrico de utensílios como raspadores, bigornas e anzóis.
1.2 Mesolítico
É o período denominado de transição entre o Paleolítico e o Neolítico, e tem como destaque a expansão e a duplicação da espécie humana no globo terrestre. Em relação aodesenvolvimento técnico não se expandiu de maneira homogênea, podendo ser ressaltada a fabricação de pequenos raspadores (curtos, redondos ou quadrados) e a utilização do chifre de veado para fabricar arpões, além do início incipiente da agricultura e da domesticação de animais.
1.3 Neolítico
Período denominado de “Pedra Polida”, mas não se pode afirmar que a lítica lascada não era mais utilizada. Compreendeu cerca de 10 mil anos e houve um avanço técnico significativo. “Estes cem séculos bastaram para que o progresso técnico se lançasse como um raio e que cinco avanços capitais fossem levados a cabo pelos homens: o polimento da pedra, a agricultura, a criação de animais, a cerâmica e a técnica de habitação”. Nessa época também ocorreu o apogeu do sílex, o fabrico do machado, da picareta e de outros utensílios de uso cotidiano, além do emprego da madeira como matéria-prima.
TÉCNICAS DE HABITAÇÃO
É comum ao relatar a Idade da Pedra (Paleolítico e Neolítico) se pensar em caverna e estereotipar como sendo a única forma de habitação desses períodos. É importante salientar que este trogloditismo foi uma necessidade imposta pela localização geográfica e, mais especificamente, pelo rigor do clima, do que uma preferência condicionada por seu primitivismo. “Os homens de Neanderthal” procuravam refúgio contra os rigores do inverno em cavernas profundas, que eram transformadas em lugares habitáveis: as entradas eram defendidas contra as feras com grandes pedras e plantas espinhosas.
Ao passar a última Idade Glacial, o gelo fundir e a temperatura aumentar, se fez necessária outra forma de vida. “Nesta altura, o Saara, que até então estivera coberto de lagos glaciais e abundantemente povoado de homens e animais, secou e tornou-se inabitável, e as criaturas que aí viviam retrocederam para o Norte e chegaram às margens do Nilo e do Mediterrâneo”, isso se deu no Neolítico, e fez com que os homens procurassem refúgio à beira de concentrados de água, podendo ser rios, lagos ou mar. Estas habitações ficaram conhecidas como lacustres ou palafitas, que consistiam em enormes estacas enterradas na água suportando uma cabana de madeira no formato de uma casa.
Estes tipos de construções nos faz pensar sobre qual estágio de vida tinha chegado o homem: fabricar estacas, que eram por vezes verdadeiros troncos, derrubar árvores, talhar prancha e tábua supõe já uma técnica avançada. Essa organização populacional denota a nova fase do homem, tendo a agricultura como sustento e as relações sociais mais íntimas e sensíveis.
TÉCNICAS DE ALIMENTAÇÃO
O homem dos períodos já relatados passou por várias fases que representavam seus avanços técnicos. No que se refere às técnicas de alimentação, não foi diferente.
No período mais remoto, esses homens eram coletores (folhas, raízes, frutos), no Paleolítico Médio transformaram-se em caçadores e pescadores; ao chegar à fase Neolítica e ao perceber que estavam ocorrendo problemas alimentares – dada a falta de caça e pesca proporcional ao crescimento da população – passaram a utilizar na sua dieta alimentar frutos (maçãs, peras, nozes e uvas) e algumas sementes (cevada e trigo) que eram colhidos em campos próximos às estradas. Neste momento, “notaram que seria mais prático, em vez de mulheres irem pelos campos para apanharem as sementes, que cada um as fizesse crescer sempre no mesmo sítio”. É aí que ocorre uma das maiores invenções da humanidade: a agricultura. Utilizavam um pau para o preparo da terra, e logo depois inventaram a enxada de chifre e uma picareta de pedra para um melhor aproveitamento da área.
É com a agricultura que se dará o começo das organizações sedentárias e da previdência, a obrigação de domesticar os homens de outras tribos para obrigá-los a fazer os trabalhos mais penosos, a organização racional da escravidão.
Outro alimento que podemos destacar como intimamente ligado à história da humanidade é o pão, que surgiu a partir do advento da agricultura e era feito de uma farinha conseguida depois de esmagar sementes, principalmente de trigo, e colocar sobre uma pedra lisa e quente.
TÉCNICAS ARTÍSTICAS
“A arte é bem um sinal do poder criador da inteligência humana”. É com esta definição que colocamos a arte como o apogeu da existência humana e do seu modo de pensar e representar o mundo. Neste texto, não ficaremos restritos ao conceito de arte pela arte, já que as manifestações artísticas propriamente ditas só apareceram no Paleolítico Superior. Vamos colocá-la de uma forma mais genérica: “A arte, em seu sentido mais amplo, nada mais é que habilidade técnica. Os homens não puderam fazer utensílios para si sem exercer uma arte”. Assim, as técnicas que trouxeram valor prático para a humanidade não deixam de ser uma arte. No Paleolítico Superior, dois tipos de artes destacaram-se: mobiliária, que consiste em objetos de pedras gravadas ou esculpidas; parietal, que são gravuras e pinturas encontradas nas paredes das cavernas.
4.1 Cerâmica
Muitos arqueólogos colocam a cerâmica como consequência do advento da agricultura na sociedade neolítica, mas ela pode ter surgido ainda num período precedente a esse. “A cerâmica pode mesmo ter sido descoberta antes do início da economia produtora de alimento (…). É possível que se tenha originado da queima acidental de um cesto revestido de barro.” Mas é consenso no meio científico que foi no Neolítico que ocorreu a disseminação desta arte, e que esse processo de fabrico teve grande significado no desenvolvimento da ciência, no momento em que o homem descobriu a utilização da modificação química. Os primeiros potes de cerâmica, feitos de argila, eram modelados à mão, mesmo assim o oleiro não se esquecia de decorá-los; estes simples potes significavam o ato supremo da criação do homem e a total liberdade, pois ele não estava mais à mercê da forma e tamanho das antigas matérias-primas (osso e pedra) e podia modelar a seu bel prazer.
4.2 Vestuário
No período paleolítico, a forma que alguns homens encontravam para se proteger do frio e do sol eram as peles de animais ou saias de folhas. Após a revolução do Neolítico, houve uma mudança sensível no vestuário: os homens aperceberam-se de que com a fibra de certas plantas que cresceram nos prados entrançando um fio e com esse fio fabricar um tecido. Neste momento, dá-se o cultivo do linho e do algodão – cuja fibra é utilizada na construção do vestuário – e a criação de um tear rústico (formado por uma peça colocada verticalmente no chão e por pequenos discos de pedra ou cerâmica), que funcionava como a aparelhagem técnica mais evoluída na arte de fabricar redes e tecidos. Outras técnicas foram desenvolvidas para dar suporte a esta arte, como “a criação de animais produtores de lã e o cultivo de outras plantas”.
Conclusão
Ao término deste artigo concluímos que a evolução, ou melhor, a transformação do homem no tempo, não pode ser mensurada sem levarmos em conta as técnicas e invenções e os seus respectivos rebatimentos no meio social. Reconhecemos que, a cada passo dado pelo homem na direção do progresso, do uso da pedra até a utilização do ferro, percebemos um grande desenvolvimento psíquico que gerava inquietações, só dada por satisfeita quando da invenção de um instrumento que lhe propiciasse melhorias na luta pela sobrevivência.
Acreditamos que a insatisfação e a busca constante por boas condições de vida são o motor propulsor que controla a existência humana, mesmo que seja na Idade da Pedra, do Ferro ou nos dias atuais.
Vale à pena conferir:
GIORDANI, Mário Curtis. História da Antiguidade Oriental. 3a ed. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1972.
ROSSEAU, Pierre. História das Técnicas e Invenções. Trad. Fernando Augusto da Silva Teixeira. Coleção Vida e Cultura. Lisboa: Ed. Livros do Brasil, 1968.