Nietzsche e a questão da moral

Prof. Pablo Michel Magalhães
Licenciado em História - UPE
Especialista em Docência da Filosofia - UCAM
Mestre em História - UEFS

A moral é, sem dúvidas, conceito chave para a compreensão da conduta humana na sociedade e peça fundamental para a formulação do conceito ética.

Talvez um dos conceitos mais caros à Filosofia, e que em si traz uma série de perspectivas.

É possível encontrarmos definições que vão desde uma visão extremamente subjetiva, sendo a moral um conjunto de valores construídos por determinado grupo (quais valores? A variabilidade destes é enorme, nesta ótica), passando por uma análise baseada na formação do homem enquanto ser social (e aí enveredamos pelos autores do Contrato Social, que buscavam explicar no processo civilizatório uma modificação do homem natural, do selvagem, em cidadão e, nesse bojo, a formatação dos ideais morais do bom conviver), até os filósofos do existencialismo, onde a liberdade escraviza o indivíduo a ponto de este sofrer o desespero de ser livre para escolher.

Ora, como a moralidade exerce em nós influência a ponto de, possivelmente, conduzir nossas ações? Como nossa conduta ética, em convivência com outros no tecido social, encontra nos valores morais um guia, um norte? Mas, talvez, a pergunta mais premente seja como nossa noção de moral, bom e mau, bem e mal, foram elaboradas e fomentadas?

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Uma vez que é nessa raiz que nossa moralidade é fincada, seria preciso compreender como ela foi gestada, e como chegamos ao ponto em que estamos. Uma proposta para a árvore genealógica da moralidade já foi feita e é já clássica nos estudos filosóficos. Nietzsche, no século XIX, em seu livro “A Genealogia da Moral”, empreendeu uma reflexão sobre a construção dos conceitos bom e mau, observando como o processo histórico foi condicionante para a criação do significado que possuímos hoje.

Seria muita pretensão resenhar um livro tão denso em poucas linhas. Por isso, neste texto, vou me ater a formulação da construção conceitual bom/mau/ruim que Nietzsche propôs.

O termo “bom” está ligado à nobreza, como o filósofo consegue identificar nos vários idiomas que analisa no livro. “Bom” e “nobre” frequentemente são sinônimos. Assim, o ideal de bom, correto, está associado à nobreza, e seus valores (coragem, força, inteligência) são associados ao que é bom. Em contraposição, o baixo, o ruim, está associado, nos idiomas, ao plebeu, ao não-nobre. O ruim é o fraco, inútil. Assim, temos uma relação, segundo Nietzsche, do binômio bom/ruim. Aquilo que não é bom não significa que represente algo mau, apenas algo ruim, que não presta aos desejos daquele que é bom.

Pathos de distância vai estabelecer a distância necessária que o nobre busca dos valores entendidos por ele como baixos, ruins. Deste modo, na sociedade contemporânea, ao longo da construção histórica, nobre tornou-se bom e comum (plebeu) tornou-se ruim.

Mas, e se essa moral se subvertesse, e ao invés do ideal de força e coragem tivéssemos a fraqueza e a covardia como modelos de bom em contraposição ao ruim? O filósofo vai identificar que esse fenômeno acontece nas sociedades em que castas sacerdotais são dominantes, como a sociedade judaico-cristã, por exemplo. Foi isso que aconteceu com a transvaloração judaica. Por causa de sua impotência, sua fraqueza, a estratégia para sua proteção diante de indivíduos que cultivavam a coragem e a força foi subverter a moralidade, estabelecendo como “bom” a caridade, a benevolência, a humildade. Ser inofensivo e manso, nessa subversão, é o modelo do que é bom e que todos deveriam seguir.

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Isso, para Nietzsche, seria um reflexo do ódio do fraco que, não tendo força alguma para combater o forte, inventou a ideia de mansidão, para domar os impulsos do forte. A promessa de um paraíso que recompensaria os mansos, humildes e benevolentes seria o motivo principal dessa nova moralidade subvertida. Nessa construção, a oposição a “bom” torna-se “mau”, a violência, a guerra, a força usada para destuir os mais fracos. O mau possui em si uma perspectiva religiosa que o estabelece como inimigo dos humildes.

Assim, a vontade de potência, aquilo que movimenta o ser humano a buscar o que quer, seria amansada e domada por um ideal subvertido.

Para o filósofo, o cansaço do homem vem dessa domesticação do forte em proteção ao mais fraco. Nietzsche defende, então, o oposto: a defesa do mais forte, mais apto, mais disposto à lutar pelo que quer, em detrimento do mais fraco, aquele que não possui força nem desejo de ser, e que se defende através de uma falsa moralidade baseada na mansidão e humildade.

A saída, então, seria transvalorar os valores, criando novos valores, baseados na vontade de potência.