Yasuke, o samurai negro

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Pablo Michel Magalhães
Mestre em História - UEFS
Especialista em Filosofia - UCAM

Conhecido como Yasuke, o homem era um guerreiro que alcançou o posto de samurai sob o domínio de Oda Nobunaga

Matsudaira Ietada, um samurai de Quioto, descreveria Yasuke em seu diário, em 1579, da seguinte forma:

“Sua altura era de 6 shaku 2 sol (aproximadamente 1,88m). Ele era negro e sua pele era como carvão”. 

Na cultura japonesa, ele seria conhecido como Yasuke, mas seu verdadeiro nome é uma incógnita. Chegado no Japão no século XVI, o homem chamava a atenção por seu porte e por sua cor, tão diferentes dos da população local. A altura média de um homem japonês em 1900 era de 1,57 m, então Yasuke teria se destacado sobre a maioria dos japoneses no século 16, quando as pessoas eram geralmente mais baixas devido a uma nutrição pior.

Seu local de nascimento também é incerto. Há relatos que o associam à Moçambique, Etiópia e Nigéria. O certo é que Yasuke chegou ao Japão com um jesuíta italiano chamado Alessandro Valignano em uma excursão de inspeção, e aparece na história escrita apenas entre 1579 e 1582.

Em pouco tempo, o africano conheceria Oda Nobunaga, chefe do clã Oda e um dos samurais mais poderosos do Japão naquele momento. Patrono das artes, o samurai admirava e praticava valores ocidentais, algo criticado pelos setores conservadores da época. Ao mesmo tempo, Nobunaga era apreciador de Noh Drama, um estilo clássico de música e teatro japonês.

Nobunaga gostava de Yasuke e o tratava como família – o africano estava entre um grupo muito seleto de pessoas autorizadas a jantar com ele. O samurai treinou e habilitou o jovem africano, que passou a também ser um samurai, o primeiro não-japonês a conseguir tal façanha.

Ágil, inteligente e fiel ao daimiô, Yusuke lutou em diversos momentos ao lado de Nobunaga, inclusive no evento fatal para a história dos dois.

Incidente de Honnō-ji

Arte de Nobukazu Yosai, era Meiji, de propriedade da cidade de Nagoya.

Era o dia 21 de junho de 1582. Uma noite tranquila pairava sob o céu de Quioto. A calmaria que antecederia ao caos, um prenúncio do que aconteceria logo mais.

No Japão feudal ainda sob o regime do imperador Ogimachi, um período de sangue, fogo e mortes teria neste dia um capítulo fundamental nos rumos políticos nipônicos.

Após uma série de vitórias militares, o daimiô Oda Nobunaga, repleto de êxtase por seus triunfos, porém cansado dos dias de campanha, seguiu seu rumo ao templo Honno-Ji, em Quioto. Com alguns guardas pessoais (dentr eles, Yusuke) e funcionários do templo, o senhor da guerra japonês buscava um refúgio tranquilo.

Nobunaga estava no ápice de sua expansão militar. Havia derrotado o clã Takeda na Batalha de Temmokuzan, no começo do ano de 1582 e possuía o controle da região central da ilha de Honshū. As únicas forças contrárias restantes eram os clãs Mōri, Uesugi e Hōjō, todos enfraquecidos por conflitos internos.

Seu objetivo era claro: unificar o Japão sob seu domínio. E ele estava perto disso naquele momento.

Contudo, seu caminho até aí passou pela unificação de Owari, sua província natal, além da tomada de liderança dentro de seu próprio clã Oda, marcado até então por disputas internas entre facções familiares.

O passo seguinte foi defender o território dos ataques do clã Matsudaira, que pretendia conquistar territórios até a capital Quioto. Com um efetivo militar muito inferior diante das ordas de guerreiros matsudairas, Nobunaga mostrou ser um gênio militar, com uma vitória expressiva na batalha Okehazama. Os dois clãs, então, estabeleceram uma aliança.

Nobunaga passou a ter planos mais ambiciosos.

O Japão Feudal

Arte de Utagawa Hiroshige (1797-1858)

Para entender esses conflitos, é preciso ter uma noção sobre o contexto histórico japonês. No século XVI, apesar de um Imperador existir e ser o chefe de Estado, o país era dividido em senhorios. O poder de fato era exercido pelo Shogun, chefe militar escolhido pelo imperador num regime chamado de shogunato.

Este sistema, que perdurou até à Idade Moderna, era baseado na propriedade rural. O shogum, também senhor de terras, devia obediência ao imperador. Contudo, os demais senhores deviam obediência somente ao xogum.

O nome japonês para esse domínio é Bakufu (幕府), o “governo da tenda” (originalmente, a tenda era a morada de um shogum, mas acabou por ser usado em japonês para descrever o sistema feudal de ditadura militar, exercido por estes chefes militares).

O termo para os demais senhores de terra era daimiô, que se refere a um governante de partes do país a partir de suas imensas propriedades de terra hereditárias.

Ao longo de séculos, o título para estes indivíduos variou: shugo, no período Muromachi (1336–1573 EC) e Sengoku (1467–1573 EC); daimiô, do período Edo (1603–1868 EC). Com uma ou outra peculiaridade, os conceitos se referem a um senhor regional.

A ascensão de Oda Nobunaga se situa justamente num período de profunda instabilidade política (período Sengoku), quando o shogunato Ashikaga entra em declínio, e diversos clãs buscam um golpe de estado.

O fim de Nobunaga e o sumiço de Yasuke

Mal Nobunaga chegara no templo em Quioto, um cerco foi montado. Akechi Mitsuhide, um dos homens de confiança do senhor da guerra, havia se rebelado e organizado um ataque com soldados bem equipados. Acuado, Nobunaga tentou resistir, mas a diferença numérica era avassaladora.

Ao seu lado, Yasuke lutava para proteger a vida do senhor. Nobunaga, contudo, decidiu encerrar ali mesmo sua existência. Para não dar ao inimigo o prazer de o assassinar, o daimiô praticou o seppuku (o suicídio ritual da classe guerreira japonesa). Antes, ele pediu a Yasuke para decapitá-lo e levar sua cabeça e a espada ao filho, segundo o historiador Thomas Lockley.

A partir daí, o destino de Yasuke se esvai na escassa documentação da época. É possível que tenha retornado à missão jesuítica, ou mesmo retornado ao seu país de origem. Com a morte do senhor da guerra Oda Nobunaga, seu exílio seria obrigatório, num contexto social em que ele representava alguém tão diferente dos locais.

O samurai negro passou a ser uma lenda na cultura japonesa. O livro infantil Kuro-suke, do escritor Kurusu Yoshio, permeou o imaginário das crianças no país na década de 1960. Mais recentemente, o personagem ganhou uma série animada na Netflix.

Capa do livro infantil Kuro-suke, do escritor Kurusu Yoshio
Dicas de leitura

"História do Japão: uma introdução", de Emiliano Unzer (CLIQUE AQUI)

"História do Japão", de Kenneth Henshall (CLIQUE AQUI)

"Shogun and samurai: tales of Nobunaga, Hideyoshi and Ieyasu", de Okanoya Shigezane (traduzido do japonês para o inglês por

Como citar este artigo:
MAGALHÃES, Pablo M. C. A. Yasuke: o samurai negro (Artigo). IN: O Historiante. Publicado em 07 de Maio de 2021. Disponível em: https://ohistoriante.com.br/2021/05/26/yasuke-o-samurai-negro. ISSN: 2317-9929.