Saiba
porque é equivocado afirmar que, na Idade Média, as
pessoas não praticavam a higiene do corpo.
Pobre Idade Média. Depois dos iluministas e da Escola
Metódica (positivista) de história, nenhum período
sofreu tanto com o preconceito quanto o medievo. Além de
tolo, fanático e ignorante, o homem medieval passou a
ser chamado de sujo e acusado de não gostar de banhos.
Ora, tal fama interessaria bastante aos ditos
"iluminados" dos séculos XVII e XVIII, que viam a Idade
Média como atrasada e obscura.
No entanto, nós d'O Historiante fomos fundo nas
pesquisas históricas, e trazemos aos nossos leitores as
práticas de higiene comuns no medievo. Claro que, longe
de ser um ideal difundido tal qual em nossos dias (eles
não possuíam facebook ou twitter para tal), práticas e
tradições de limpeza eram muito comuns na Idade Média.
Acervos preciosos de arte e objetos do
período medieval incluem itens usados na toalete de
homens e mulheres, assim como iluminuras que representam
pessoas se lavando. Os tratados de medicina e educação
de Bartholomeus Anglicus, Vicente de Beauvais ou
Aldobrandino de Siena, monges que viveram no século
XIII, mostram uma preocupação real em valorizar a
limpeza, principalmente a infantil.
A água era um elemento terapêutico e
servia tanto para prevenir quanto para curar as doenças.
Desenvolveram-se as estâncias termais e era recomendado
e estimulado lavar-se regularmente. Como as casas não
tinham água corrente, os grandes locais de higiene eram
os banhos. Certamente herdados da Antiguidade, é
provável que tenham voltado à moda graças aos cruzados
retornados do Oriente, onde se havia conservado a
tradição.
Nas cidades, a maioria dos bairros tinha
banhos públicos, chamados de “estufas”, cuja abertura os
pregoeiros anunciavam de manhã. Em 1292, Paris, por
exemplo, contava com 27 estabelecimentos. Alguns deles
pertenciam ao clero. O preço da entrada era elevado, e
nem todos podiam visitá-los com assiduidade.
Na origem, os frequentadores se
contentavam com a imersão em grandes banheiras de água
quente. O procedimento se aperfeiçoou com o surgimento
de banhos saturados de vapor de água. Utilizava-se o
sabonete ou a saponária, planta que fazia a água
espumar, para um melhor resultado. Para branquear os
dentes, recorria-se a abrasivos à base de conchas e
corais.
Tal era o sucesso desses locais que a
corporação dos estufeiros foi regulamentada. Eles tinham
direito a preços predeterminados e o dever de manter
água própria e impedir a entrada de doentes e
prostitutas. A verdade, porém, é que as estufas foram se
transformando cada vez mais em lugar de encontros
galantes: os banhos em comum e os quartos colocados à
disposição dos clientes favoreciam a prostituição.
No século XIV, recorreu-se a éditos para
separar os homens das mulheres, mas foi durante o século
XV que se verificou uma mudança de mentalidade. A Igreja
endureceu suas regras morais, pois passou a ver com maus
olhos tudo quanto se relacionasse com o corpo. E os
médicos já não consideravam a água benéfica, mas sim
responsável e vetor de enfermidades e epidemias. Segundo
eles, os poros dilatados facilitavam a entrada de
miasmas e impurezas.
A grande peste de 1348 recrudesceu esse
entendimento. Desde então, passou-se a desconfiar da
água, que devia ser usada com moderação. Os banhos
declinaram e, pouco a pouco, desapareceram. Foi preciso
aguardar o século XIX e o movimento higienista para que
se produzisse uma nova mudança de mentalidade.
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
ARIÈS, Phillip; DUBY, Georges (org.) História da Vida
Privada: Da Europa Feudal à Renascença. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
LE GOFF,
Jacques. Uma História do Corpo da Idade Média.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
(Texto da redação d'O
Historiante, com informações de História Viva)
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