20/12/2011
Martinho Lutero: o personagem por trás da História.
Antissemitismo e Reforma: algumas perspectivas.
Prof.
Pablo Michel Magalhães
De
acordo com a tradição perpetuada nas aulas de história
das escolas de ensino regular, Martinho Lutero lutou
bravamente contra a opressão e a tirania da Igreja
Católica, que extorquia dinheiro dos seus fiéis mediante
a oferta de sufrágios e indulgências, que
miraculosamente poderiam salvar os mortos de acabarem no
Inferno, ou reduzir os anos no Purgatório, permitindo um
caminho mais tranquilo até o Céu.
Para
muitos, a imagem desse personagem histórico ficou
atrelada ao ideal de heroísmo, e seu nome frequentemente
é assimilado à liberdade e luta por melhoria de
condições, bem como a um retorno à verdadeira
religiosidade cristã.
Ora,
muito disso é verdade: Lutero levantou-se
realmente contra a Igreja, defendendo suas ideias contra
a corrupção que assolava Roma. No entanto, ele também
foi uma das ferramentas no jogo de poder entre os
príncipes alemães contra o Imperador
Romano-Germânico, que representava uma força estrangeira
nos assuntos de uma Alemanha que ainda não era um país
como conhecemos atualmente.
O contexto
no qual Lutero está inserido apresenta uma transição
entre o período Medieval e a Idade Moderna, que os
historiadores comumente situam entre os séculos XIV e XVI, onde as ideias políticas, sociais e
religiosas sofreram grandes mudanças.
É
nesse período que o papel do dinheiro cresce
consideravelmente nas cidades, uma vez que as transações
comerciais se aperfeiçoavam cada vez mais para aquilo
que conhecemos como Mercantilismo, um pré-capitalismo
que começa a se desenvolver. A Itália desse período,
longe de estar unificada como um único país, é o centro
dessas trocas comerciais, principalmente por deter os
melhores portos do Ocidente, como Veneza e Gênova.
Os
papas (Alexandre VI Borgia, Júlio II, Leão X) foram
representantes cristãos preocupados principalmente com o
governo secular e o poderio econômico. Eram homens de
negócios, não homens de fé propriamente. Dessa forma,
grande parte do clero estava atacado pela corrupção.
Existia um consenso, mas não uma ordem, de que os padres
e monges deveriam satisfazer os desejos carnais com
prostitutas, fugindo assim do pecado de felação
(relações sexuais anais com homens) e de fugir aos votos
de celibato (não constituírem família, em hipótese
alguma).
Lutero
representa uma multidão de vozes que se mostravam
insatisfeitas com esse quadro geral, sugerindo uma
grande mudança das instituições religiosas.
No
entanto, longe de ser o herói que muitos pregam, Lutero
mostrou-se, em diversos momentos, avesso aos rumos que a
Reforma tomou. Quando camponeses começaram a tomar
atitudes violentas contra o clero, como assassinatos e
holocaustos, Lutero mostrou-se indisposto ao movimento e
sugeriu aos duques e príncipes que o apoiavam que fossem
presos os revoltosos.
Além
disso, Lutero foi um dos primeiros homens públicos a
demonstrar abertamente seu antissemitismo. Em seu livro
Sobre os Judeus e suas mentiras, ele mostra todo
seu ódio em relação aos judeus que habitavam os estados
alemães. Em uma das partes, Lutero afirma o seguinte:
“Queime suas sinagogas. Negue a eles o que disse
anteriormente. Force-os a trabalhar e trate-os com toda
sorte de severidade … são inúteis, devemos tratá-los
como cachorros loucos, para não sermos parceiros em suas
blasfêmias e vícios, e para que não recebamos a ira de
Deus sobre nós. Eu estou fazendo a minha parte.”
Ao
contrário do que muitos pensam, Lutero não foi o
primeiro a traduzir a Bíblia para a língua vulgar.
Segundo o formidável historiador André Corvisier, a
tradução feita por ele foi a 18° tradução alemã do livro
sagrado do cristianismo. Além disso, várias outras
traduções para línguas vulgares (italiano, francês,
inglês) já circulavam na mesma época, como o exemplar
que o moleiro Menocchio possuía, quando do seu processo
pela inquisição, no início do século XVI (Ver o livro
O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg).
Como devemos saber, os heróis que a sociedade costuma
cultivar, em se tratando do trabalho historiográfico,
devem ser desmistificados, passando por uma análise mais
acurada.
(Texto
do Prof. Pablo Magalhães, da Redação d'O Historiante)
|