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15/12/2012
Os maias, o medo do
fim e o fim do medo.
Nem só de
maias vivem as teorias apocalípticas. Esperar o fim faz
parte da cultura de civilizações em toda a história.
Prof. Pablo Michel
Magalhães
Não, este
não é um texto esotérico. Você não vai encontrar algo do
tipo "Os maias previram o fim do mundo", ou "a
civilização maia fez contato com seres espaciais", ou
até mesmo "seriam os deuses astronautas?". Não. Você
está n'O Historiante. Aqui, refletimos sobre algo a
partir do conhecimento histórico.
Assim, seja bem vindo, historiante.
Há um
bom tempo vejo crescer o número de sites, blogs, vlogs,
microblogs (e demais "ogs" mundo virtual afora) sobre um
mesmo assunto: o fim do mundo, o armagedon, o
apocalipse, o último capítulo da humanidade, etc, etc.
Explicar novamente aquilo que virou um viral é chover no
molhado, mas aqui vamos nós: os maias, civilização
ameríndia que povoou uma região que hoje corresponde a
boa parte da América Central (países como Honduras,
Guatemala, El Salvador, sul do México, Belize compõem a
região aqui delimitada) teriam fixado, através da
observação dos astros e aparente "previsão do futuro",
uma data para o fim dos tempos, onde o ciclo da
humanidade haveria de se fechar! O provável dia seria,
assim, 21 de dezembro de 2012.
Bastou isso para que dezenas de pessoas começassem a
especular se realmente o fim chegaria, quem seriam esses
famigerados maias e como eles poderiam ter previsto tal
fato catastrófico.
Bom, de minha parte, fico feliz em participar de outro
"fim do mundo". Já estive em 1999, quando astrólogos,
místicos e esotéricos previram o fim dos tempos,
baseados nas teorias de Nostradamus (médico, alquimista
e ocultista, que ingeria uma planta alucinógena,
pilosela, antes de entrar em transe e escrever suas
profecias), de que um grande eclipse, no dia 11 de
agosto, seria o sinal revelador do armagedon. E agora
outro! Penso, quem sabe, em fazer uma camisa "Eu fui ao
Rock in Rio", porém, escrito "Eu fui ao fim do mundo",
pra comemorar mais esse evento.
Entretanto, leitor(a) amigo(a), vamos além. Ao longo da
história, a humanidade conviveu com outras datas
marcadas para o apocalipse, que, no entanto, não se
concretizaram.
O
ano 1000 e a vinda do Anticristo
"Quando, porém, se completarem os mil anos, Satanás
sairá de sua prisão e sairá a seduzir as nações"
(APOCALIPSE, capítulo 20, versículos 7 e 8).
Medo, horror, fome, seca e mortes. Os anos que
precederam o ano 1000 trouxeram para a humanidade uma
série de flagelos, sinais da vinda do anticristo.
Temendo as piores desgraças, a população passou a buscar
abrigo nas catedrais e demais igrejas, sob a batuta dos
clérigos, e lá oravam sem parar, para que não fossem
destruídos. O próprio papa Silvestre II (950-1003) e o
sacro imperador romano-germânico Oto III (980-1002)
teriam se unido às multidões, tecendo inúmeras orações
todas as noites, desejosos de ver o sol raiar após a
virada para o ano fatídico. Angustiados, aguardavam o
soar das sete trombetas dos sete anjos do Juízo Final.
Consegue sentir todo esse medo? Pois é. Mas isso não
passa de uma fábula.
Historiadores do século XIX, como Jules Michelet e Henri
Martin, teceram descrições primorosas sobre a catástrofe
em torno do ano 1000, baseados em escritos de cronistas
que viveram quase 100 anos depois dos acontecimentos e
em menções isoladas e entrecortadas de alguns documentos
da época, que registravam secas, guerras e fome na
Europa.
O historiador, Georges Duby, em seu livro O ano
1000, de 1967, retoma a discussão sobre se teria
sido realmente este um ano de frenesi por conta de um
provável apocalipse. Para Duby, o ano 1000 (e o período
anterior e posterior a ele) teria sido um momento de
profundas modificações políticas e econômicas, entre
elas a solidificação do sistema feudal e a constante
insatisfação popular, a seca de 1004 e a fome
generalizada em todo o ocidente cristão.
Outros historiadores levantam outras questões: para ter
medo de um ano 1000 aterrorizador, a população medieval
tinha que saber que estava no ano 1000! Em uma sociedade
de grande maioria rural, a contagem do tempo se dava de
acordo com o regime de colheitas, as estações e festas
religiosas, ignorando qual ano seria (clérigos tinham
noção de anos por seguir o calendário gregoriano, algo
muito distante do povo analfabeto dos feudos). A
imprecisão em marcar os anos, inclusive dos próprios
clérigos, seria um dos argumentos contrários.
Porém, teria sido a profecia do ano 1000 divulgada em
grande escala? E houve quem acreditasse nela?
Historiadores positivistas (sim, esses famigerados e
discriminados, odiados e amados) foram os primeiros a
questionar a veracidade daquilo que os historiadores do
século XIX haviam escrito. O questionamento deles era o
de que não havia documentos (fontes escritas) que
mencionassem um temor catastrófico no ano 1000.
Seguindo essa ideia, podemos tomar dois textos da época
como exemplo: a Apologética, de Abbon de Fleury,
e as Histórias, do monge Raul Glaber. No primeiro
livro, o monge Abbon contestava dois erros teológicos,
muito difundidos em sua época: o primeiro, de que o
anticristo viria ao mundo tão logo se completassem mil
anos, e depois chegaria o Juízo Final; o segundo, de que
o fim dos tempos chegaria quando a festa da Anunciação,
de 25 de março, caísse em uma sexta-feira santa. Contra
a primeira profecia, Abbon utilizou-se de uma reflexão
Agostiniana: só Deus sabe o dia do fim, e os 1000 anos
contados na Bíblia não correspondiam a uma contagem dos
homens e seus calendários, mas sim a de Deus. À segunda
teoria, o monge provou que a tal coincidência era mais
comum do que se imaginava. Abbon não relata qualquer
reação dos fiéis a essa interpretação, considerando ser
este problema apenas de ordem técnica.
O segundo livro é que vai falar sobre o caos e as
catástrofes em torno do ano 1000 até 1033. Raul Glaber,
em uma série de 5 livros, utiliza-se de uma narrativa
terrificante e desesperançada, onde vendavais destruíram
colheitas inteiras, e carne humana passou a ser
consumida em mercados; valas comuns estavam repletas de
corpos pútridos; e, numa noite, o próprio Glaber
deparou-se, num canto escuro de seu quarto, com um
pequeno homem, com barbicha e lábios secos, o próprio
diabo, em pessoa! Solto, o anjo caído estaria
aterrorizando as pessoas, encaminhando boa parte para o
caminho do inferno.
Bem, o texto de Glaber, cheio de temores e certezas do
fim, foi finalizado pouco antes de sua morte, em 1043
(ou seja, nem o próprio autor viu o fim do mundo que
tanto alardeava). Além disso, tomar apenas o texto dele
isoladamente, e acreditar que o que está
escrito é verdade pode ser um grande risco,
principalmente pelo fato de Glaber falar sem ter
paralelos (ou seja, ninguém que escreveu na mesma época
do monge relata tais eventos, como indícios de um fim
dos tempos).
Nostradamus e as plantas alucinógenas
Alquimista, médico, ocultista, Michel de Nostredame
(1503-1566), ou simplesmente Nostradamus, foi um dos
personagens mais controversos da França no século XVI.
Ligado ao ocultismo e às previsões esotéricas,
Nostradamus fez fama na Europa como vidente, lançando
almanaques anuais com suas previsões. Como era
boticário, pesquisador de plantas e suas funções
curativas e alucinógenas, não pôde complementar seus
estudos em medicina (aqueles que prescrevem jamais
poderiam fazer os próprios remédios).
Muito requisitado em toda a Europa, Nostradamus esteve
na corte de Henrique II da França e, de acordo com
interpretações feitas sobre suas profecias, acredita-se
que o boticário tenha previsto a morte do rei. A quadra
em questão é a seguinte:
O
leão jovem vencerá o mais velho
No
campo de batalha, em um duelo singular
Seus olhos lhe perfurará dentro da gaiola de ouro
Em
um dos dois combates, depois morrerá de morte cruel
(Centúria I, quadra 35)
É provável que esses versos se refiram ao combate
entre o capitão Montgomery, chefe da guarda pessoal do
rei, e o próprio Henrique II, em uma justa de lanças. Ao
se chocarem, a lança do capitão acertou o olho direito
do rei, transpassando até a orelha do mesmo lado. A
"gaiola de ouro" poderia ser o elmo dourado do rei da
França. Poucos dias depois, Henrique II veio a falecer.
Ao todo, Nostradamus escreveu 12 centúrias com supostas
previsões de eventos sem datação precisa. Algumas
interpretações feitas apontam para fatos desde o século
XVI, passando pelo XXI, até tempos futuros, distantes
vários anos a frente de nossa época. Uma das quadras
supostamente se refere ao fim do mundo, e foi utilizada
pela imprensa internacional em 1999:
Quando a
falta do sol então será
Sobre o
pleno dia o monstro será visto,
Tudo de
outro modo se interpretará
Carestia
não esperada, ninguém terá se provido
(Centúria
III, quadra 34)
Segundo a pretensa interpretação, Nostradamus se referia
ao último eclipse total do sol do século XX, ocorrido no
dia 11 de Agosto. Neste dia, o tal "monstro" surgiria,
figura de linguagem para a catástrofe final, e o mundo
chegaria ao fim. Não preciso dizer que o alarde geral e
as teorias de conspiração em 1999 sobre a profecia de
Nostradamus tomaram conta da tv, jornais e internet.
Como vocês devem ter percebido, o mundo também não
acabou em 11 de agosto de 1999 (piada sem graça, mas
necessária).
Os maias
e 2012
Por fim, os maias.
Essa civilização pré-colombiana, que teve seu período
áureo entre os séculos II e IX da nossa era, possuía um
sistema de contagem do tempo muito bem definido.
Basicamente, os maias possuíam 3 ciclos temporais: um de
260 dias (Tzolkin), que corresponde aos 20 signos maia,
outro de 365 dias (Haab), que acoplados formavam a
roda calendárica, e um de 5.125 anos, chamado de
Conta Longa. De acordo com a cosmologia maia, a cada
5.125 anos, o planeta passava por uma renovação após o
fim de uma era; a atual teria começado no ano de 3114
a.C. Assim, pelas contas, o ano final desta seria 2012
e, mais precisamente, a data ritual seria 21 de dezembro
(levando em consideração os ciclos Tzolkin e Haab).
Pesquisadores ao longo dos séculos XIX e XX foram
responsáveis por decifrar os códices dos maias e
apresentá-los para a comunidade mundial. O livro do
arqueólogo americano Michael Coe, Os maias, de
1966, congregou estudos e pesquisas desenvolvidas em
mais de 100 anos por americanos, franceses, mexicanos e
ingleses, e apontava a provável data do fim da Conta
Longa: 24 de dezembro de 2011. Uma revisão metodológica
na observação do calendário maia fez com que, nas
edições seguintes, Coe modificasse a data para a que
hoje conhecemos: 21 de dezembro de 2012.
No entanto, a partir da década de 1970, várias teorias
conspiratórias surgiram, buscando interpretar o
calendário maia a partir da ótica esotérica e indicando
que a civilização pré-colombiana podia prever eventos
futuros. Autores como Tony Shearer, Frank Waters e José
Argüeles buscaram significados místicos e espirituais na
contagem do tempo maia. Para estes escritores, os ciclos
de 5.125 anos representavam renovações espirituais,
mudanças harmônicas e reorganizações espaciais de
estrelas e planetas, criando energias diferenciadas.
A partir de 1990, eis que surge o tal fim do mundo:
Maurice Cotterell e Adrian Gilbert, por meio do livro
As profecias maia, introduzem a ideia, sem base
qualquer na cultura maia, de que os ciclos de
Conta Longa representariam renovações energéticas
solares. Um aumento das explosões solares enviaria um
número mais alto de radiação em direção à terra, capaz
de aquecer o planeta e reverter os pólos magnéticos. O
sucesso comercial desse livro influenciou outro
escritor, Lawrence Joseph, que foi além em seu livro
Apocalipse 2012: para ele, a inversão dos pólos
magnéticos e o aumento da radiação solar causariam
explosões vulcânicas e o torpedeamento da terra por
raios solares que, em pouco tempo, dizimariam a raça
humana.
Como naquele ditado popular, quem conta um conto... cria
um fim do mundo!
(Texto do Prof. Pablo
Michel Magalhães, da redação d'O Historiante). |
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