Os
três mosqueteiros: das páginas dos livros para as
telonas.
O
que há de histórico por trás do romance de Alexandre
Dumas
O imenso sucesso de Os
três mosqueteiros conferiu
aos heróis criados por Alexandre Dumas uma verdadeira
autenticidade histórica. Ao mesclar fatos reais e
inventados, ele misturou história e ficção, mas não
hesitou em revelar suas fontes: indicou claramente quais
documentos consultou para escrever sua obra.
Foi assim que ele disse ter encontrado por acaso um
texto intitulado Mémoires
de Monsieur D'Artagnan(Memórias do senhor D'Artagnan)
na Biblioteca Real de Paris (na verdade, Dumas retirou o
livro da biblioteca de Marselha em 1843 e nunca o
devolveu). Escrito por um mosqueteiro do século XVII
chamado Gatien Courtilz de Sandras (1644-1712), o texto
que conta a vida do verdadeiro D'Artagnan foi publicado
originalmente em 1700, na cidade de Colônia, e reeditado
diversas vezes, apesar das acusações de que o livro
estaria recheado de invenções e mentiras.
Dumas se vangloriava também de ter descoberto um
manuscrito desconhecido intitulado Mémoires du comte
de La Fere (Memórias
do conde de La Fère), no qual achou os outros heróis que
lhe faltavam: “Encontramos na vigésima página o nome de
Athos; na 27a o de Porthos; e na 31a o de Aramis.”
O romancista se identificou com seu inspirador, Courtilz
de Sandras. Nascido em 1644, o antigo mosqueteiro se
tornou um especialista em memórias apócrifas depois de
mergulhar na pobreza. Além de registrar a vida do
verdadeiro D'Artagnan, ele escreveu as biografias do
fabulista Jean de la Fontaine (1621-1695); do cavaleiro
Louis de Rohan (1635-1674) e do duque de La Feuillade
(1631-1691).
Em 1622, o rei Luís XIII da França criou uma guarda
especialmente encarregada de zelar por sua segurança
pessoal: a companhia dos mosqueteiros da casa militar do
rei. No entanto, se não fosse pelo romance de Alexandre
Dumas, essa unidade provavelmente nunca teria chamado
mais a atenção do que os demais regimentos do exército
francês: era pouco numerosa, jamais contou com um
príncipe de sangue ou com um comandante de destaque
entre suas fileiras e não marcou a história. A companhia
foi basicamente uma tropa de elite criada pelo monarca
para reforçar sua segurança pessoal em uma época marcada
pela violência.
Apesar de seus membros serem automaticamente associados
aos duelos de capa e espada, eles devem seu nome a outro
equipamento: mosqueteiros eram aqueles que empunhavam os
mosquetes, armas de fogo de cano longo, precursoras das
espingardas modernas, que começaram a ser usadas pelas
unidades de infantaria do exército francês no início do
século XVI.
O corpo de mosqueteiros de Luís XIII, portanto, não foi
criado a partir do nada: a unidade surgiu como parte de
um processo de modernização do exército marcado pela
entrada em cena das armas de fogo. Os primeiros
equipamentos do gênero utilizados pelas tropas de
infantaria foram os arcabuzes, criados no século XV.
Mas, por serem pesados e de difícil manejo, eles logo
foram substituídos pelos mosquetes, que passaram a ser
usados por soldados da companhia de lanceiros a partir
das batalhas de Bicocca (27 de abril de 1522) e de Pavia
(24 de fevereiro de 1525), durante as Guerras da Itália
(1494-1559).
Os homens que manejavam esse tipo de arma começaram a
ser chamados de mosqueteiros, e seu número aumentou
consideravelmente ao longo dos 50 anos seguintes. Na
segunda metade do século XVI já havia soldados do gênero
em quase todos os regimentos, mesmo nos de cavalaria.
Eles portavam uma arma de fogo e eram protegidos por um
capacete sem viseira chamado morrião e uma pesada
armadura. Até então, porém, esses combatentes não
gozavam de nenhum prestígio especial em relação aos seus
colegas.
Quem foi D'Artagnan?
Por volta de 1630, um jovem chamado Charles de Batz
deixou a casa da família em Castelmore, na região da
Gasconha, sudoeste da França, para tentar a sorte em
Paris. Ele não tinha nem 20 anos e resolveu adotar o
sobrenome da mãe: Montesquieu D'Artagnan. Assim começou
a carreira do personagem real por trás do mais célebre
dos mosqueteiros de Alexandre Dumas.
Ao chegar à capital, D'Artagnan entrou para os exércitos
do rei, onde serviu por alguns anos como um soldado
qualquer. Depois de passar pela companhia de
mosqueteiros do senhor de Tréville, ele foi admitido
como “fidalgo ordinário” no serviço do cardeal Mazarino,
o principal ministro do reino durante a regência de Ana
da Áustria. Agente fiel, ele serviu Sua Eminência
durante os momentos sombrios da Fronda, acompanhou-o em
suas adversidades e no exílio, atuando como espião
responsável por levar à rainha as mensagens mais
secretas, arriscando a vida.
As promoções se sucederam: D'Artagnan virou tenente,
depois capitão dos guardas, capitão do real viveiro de
aves do Jardim das Tulherias e capitão dos cães de caça
ao cervo antes de ser nomeado, em 1658, subtenente dos
mosqueteiros da guarda montada do rei. Era a
consagração.
Três anos depois, Luís XIV, que o apreciava, confiou-lhe
uma delicada operação policial: prender o
superintendente das finanças do reino, Nicolas Fouquet.
O mosqueteiro desempenhou tão bem a tarefa que o monarca
só queria D'Artagnan como carcereiro: ele vigiou Fouquet
por quatro anos em Vincennes e na prisão da Bastilha,
antes de levá-lo ao cárcere de Pignerol, na região do
Piemonte, atual Itália.
O famoso trio de mosqueteiros
Athos, Porthos e Aramis realmente existiram. Os três
nasceram na Gasconha, região situada no sudoeste da
França, entre o rio Garona e os Pirineus, que
corresponde à parte francesa do País Basco. Estado
independente durante a Idade Média, só foi
definitivamente incorporada ao reino da França no fim do
século XVI, quando o rei Henrique IV, natural dessa
região, uniu suas possessões pessoais aos domínios da
Coroa de Paris, dando origem à província do Béarn.
Portanto, ao nascerem, no início do século XVII, Athos,
Porthos e Aramis já eram todos súditos do rei da França.
Os três pertenciam a uma pequena nobreza local sem muito
dinheiro, cuja herança, se houvesse, caberia ao filho
mais velho da família. Aos mais novos, os chamados
cadetes da Gasconha, restavam duas alternativas:
ingressar em uma ordem religiosa ou partir rumo a Paris
para mostrar seu valor lutando nos exércitos do rei. Os
três futuros mosqueteiros escolheram a segunda opção.
Athos, cujo nome completo era Armand de Sillègue D'Athos
D'Autevielle, nasceu em 1615, ao que tudo indica na
aldeia de Athos-Aspis, localizada às margens do rio
Oloron, a cerca de 50 km de Pau, então a principal
cidade da província do Béarn. Seu pai, Adrien de
Sillègue, era senhor de Athos e de Autevielle, um
pequeno povoado vizinho, situado na margem oposta do
rio. Essas terras não eram muito prósperas, e Armand de
Sillègue não podia ter pretensões em relação a elas,
pois seu irmão mais velho era o herdeiro.
De acordo com Alexandre Dumas, o truculento Porthos, por
sua vez, pertencia a uma família protestante originária
de Audaux, outra cidade às margens do Oloron. Os
documentos revelam que ele se chamava Isaac de Portau e
foi batizado em Pau no dia 2 de fevereiro de 1617. O
menino certamente havia nascido poucos dias antes, pois
a mortalidade infantil e as regras religiosas da época
impunham batismos quase imediatos.
Fonte:
História Viva |