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07/01/2013
Brasil, brasileiro...
Prof. Lucas Adriel S.
de Almeida
Exibida no tradicional horário das 18 horas, escrita por
João Ximenes e Cláudia
Lage, com a direção de Denis Carvalho, a novela Lado a
Lado, da Rede Globo de Televisão, impulsionou a temática
do Brasil República na mídia e na sociedade brasileira.
A trama global é ambientada no começo da era
republicana, e se utiliza de características
transversais do cotidiano da sociedade brasileira do
início do século XX para estruturar seu enredo. A
intenção deste texto não é fazer uma crítica de arte
sobre a novela; a nossa busca será pautada no intuito de
analisar algumas questões levantadas pela obra, no que
tange ao campo do conhecimento historiográfico. Assim, a
proposta deste texto tem por objetivo instrumentalizar o
leitor, para que este possa compreender com mais
profundidade algumas situações retratadas na trama.
Neste sentido, a compreensão de alguns elementos,
característicos da sociedade brasileira, do início da
era republicana são de fundamental importância para que
possamos ter uma visão diferenciada sobre algumas
experiências retratas na novela. Com este fim,
buscaremos problematizar algumas questões que
caracterizavam parte da sociedade brasileira deste
período, e que, corriqueiramente, apoiam o desenrolar da
trama global. A ficção faz uso do pós-abolição no
Brasil, como pano de fundo, para desenvolver o cotidiano
das suas personagens. O primeiro cuidado que devemos ter
aqui é o de não tomar as questões levantadas como
gerais, pois, apesar de algumas se aplicarem a cidades
diferentes do Brasil, como Salvador e Rio de Janeiro,
por exemplo, em outros lugares do país estas questões
podem ter abarcado peculiaridades que não devem ser
menosprezadas. Não devemos perder de vista, também, que
a novela é uma ficção, e como ficção não precisa ser
exatamente fiel à realidade. Bom, então vamos lá!
Assinada pela princesa Isabel no final do século XIX, a
Lei Áurea determinou o fim da escravidão no Brasil.
Entretanto, o fim da escravidão, enquanto instituição
oficial no país, não teve o poder de determinar também o
fim da segregação, do preconceito e discriminação em
função da cor da pele. Assim, as pessoas que outrora
foram escravizadas passaram a desfrutar de uma liberdade
apenas parcial, por todas as questões já mencionadas,
mas, principalmente, porque não lhes foram oferecidas
(através do Estado brasileiro) as condições necessárias
para que pudessem se inserir de forma livre e
igualitária na sociedade brasileira. Sem instrução, sem
oportunidades de trabalho e continuando presos pelas
correntes do preconceito racial, a maioria destas
pessoas acabou por encontrar sua sobrevivência em
subempregos, provocando a manutenção da desigualdade
social.
Outro aspecto levantado pela novela se refere ao que
viria ser a futura paixão nacional: o futebol.
Diferente de hoje, onde este esporte é o mais popular do
país, o futebol no início do século XX constitui-se num
esporte extremamente elitizado, basicamente praticado
por pessoas de pele branca e das elites do país. Este
esporte – o futebol - funcionava como elemento de
diferenciação social e tinha a afeição das elites
brasileiras. Agradava, também, pela sua origem inglesa,
que atraia as classes mais abastadas do país. Estes
grupos viviam desejosos de se assemelhar aos hábitos e
costumes das sociedades europeias. As elites
brasileiras, com isto, buscavam se distanciar das
camadas mais populares da sociedade e também de sua
origem colonial, escravocrata e atrasada. A influência
cultural europeia era, portanto, supervalorizada entre
as elites brasileiras, enquanto os elementos culturais,
oriundos das populações de origem africana (a exemplo da
prática da capoeira), eram marginalizados, depreciados e
estigmatizados. O futebol, a partir desta ótica, era
visto como um elemento civilizador e, ao lado de outros
aspectos (como os higienistas, por exemplo), cortavam o
cotidiano de parte da sociedade brasileira do período
que estamos estudando.
Apesar do espanto que certas situações nos causam, pelas
diferenças ou semelhanças com as situações que
enfrentamos nos dias atuais, estas questões nos rementem
a uma importante reflexão: alguns problemas, que ainda
afligem nossa sociedade, são seculares, e o estudo da
disciplina História nos instrumentaliza para que
possamos perceber o que muitas vezes nos passa
despercebido. A instrumentalização histórica nos retira
do estado de alienação social e nos faz refletir sobre a
nossa própria vivência, nos dando a oportunidade de
buscar saídas para estes problemas. Por fim, é
conveniente salientar que o fim da escravidão não veio
acompanhado de nenhum tipo de projeto educacional. Tão
pouco houve um projeto de oferta de empregos que
incorporasse os cidadãos brasileiros egressos da
escravidão. No sentido contrário, o abandono destas
pessoas, e de seus descendentes, criou outros problemas
que ainda estão presentes e que a nossa sociedade ainda
carece resolver.
(Texto do Prof. Lucas
Adriel S. de Almeida, da redação d'O Historiante). |
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