21/12/2012
Mulher Prostituta: da Ocupação a Profissão
Prof. Carlos Alberto A. Lima
“Ato ou
efeito de prostituir-se, vida de devassidão,
profanação”; “uma profissão com qualquer outra,
entretanto é discriminada devido os olhares impregnados
de valores morais”; “uma derivação – deturpação do
sentido – do ato sexual, legitimado pelos costumes e
pelo casamento, transformado-se em fonte de renda”; e
por fim “produto de uma sociedade de consumo, logo o
segmento portador deste papel, a mulher, passa a ser
assumida como uma mera mercadoria”
Essas
são algumas das múltiplas definições que poderíamos dar
para aquela que é considerada a “ocupação/profissão mais
antiga do mundo”. Porém, deve-se ressaltá-la e afirmá-la
como uma categoria prenhe de significados e de
conotações históricas, desfazendo, assim, uma visão
a-histórica e atemporal de algumas produções
científicas, que negam a sua dinâmica e qualificação,
enquanto construção social.
A
prostituição, aqui, será entendida como: “um contínuo de
relações possíveis entre homens e mulheres que combinam
sexo e dinheiro sem passar pelo casamento ou pela
procriação”. Portanto, por mais que reconheçamos que as
práticas meretrícias confundam-se com história da
humanidade, iremos admiti-la, enquanto uma instituição
social que está intimamente ligada à consolidação do
capitalismo e conseqüentemente a ordem burguesa. Assim,
teremos em todas as partes do mundo, a partir da segunda
metade do século XIX, a construção de um mercado dos
desejos e dos prazeres, tendo a figura da prostituta
como sua mestra de cerimônia. De acordo com o filósofo
Michel Foucault, esse século de consolidação capitalista
diferencia-se dos tempos anteriores de implantação do
mesmo. Se outrora o sexo, e todas as suas práticas,
sofriam uma forte repressão por parte dos discursos
moralistas, particularmente emanado pela igreja e pela
concepção capitalista pré-burguesa, que viam a
incompatibilidade entre sexo e o trabalho, nesse momento
o próprio sistema capitalista, com a sua lógica de
transformar tudo em mercadoria, passa a fomentar a
capacidade de consumo dos indivíduos, permitindo com
isso a inauguração de uma “Indústria do Sexo” e, por
conseguinte a “mercadorização” do prazer.
Nesse
projeto, onde a prostituição está plenamente enquadrada
nos desígnios do sistema capitalista, reconhecemos a
prostituta como representante da classe trabalhadora,
mas numa categoria marcada por peculiaridades,
significados e dúvidas, pois sua condição de
trabalhadora diferencia-se em muito de um modelo
explicativo clássico, no qual os trabalhadores estão
divididos em dois grandes grupos fundamentais: um que
detém o próprio meio de produção, a exemplo do camponês,
artesão, classificados como autônomos; e o outro, que é
totalmente destituído do meio de produção e que vive do
salário – venda de sua mão de obra. Dessa forma, mesmo
na prostituição de bordel, portadora de uma organização
e tendo suas relações previamente estabelecidas entre o
agenciador e a meretriz, não podemos afirmar a
ocorrência da diferenciação entre os detentores dos
meios de produção e os/as despossuídos dos mesmos. Na
nossa avaliação, isso é devido às características
peculiares da força de trabalho da mulher prostituta e
da possível mercadoria produzida por ela, na medida em
que comercializa fantasias, desejos e ilusões, buscando,
assim, satisfazer as luxúrias masculinas. Com efeito,
seria o prazer sexual, algo efêmero e que se
contrapõe a uma materialidade das mercadorias produzidas
pelo capitalismo, a mercadoria advinda da rameira.
No
entanto, esse momento de consolidação de um capitalismo
avançado é marcado por uma ambivalência/contradição:
em primeiro lugar, foi à época que as prostitutas
assumiram verdadeiramente o estigma de “delinqüentes e
de imorais”, sendo responsabilizadas pela sociedade como
transmissoras das doenças sexuais, com destaque para a
sífilis. Percebemos, assim, que além do forte controle
ainda exercido pela igreja – defensora da moral – a
prostituição passou a ressentir-se de um novo algoz, o
discurso médico - representante do conhecimento
científico – que a todo custo buscava normatizar o
espaço e o corpo dos indivíduos. Essa forte repressão
fez parte do projeto modernizador e de progresso, que
foi disseminado pelo mundo e que ganhou ressonância aqui
no Brasil, com a República.
A
partir dessa forma de controle, decorre uma tensão entre
duas perspectivas: uma regulamentarista, oriunda do
liberalismo francês, que tinha a preocupação em regular
o funcionamento da prostituição; uma proibicionista,
emanado por aqueles que viviam sob a égide da moral
vitoriana, que defendiam o fim daquela que representava
a violação do bem sagrado, o corpo.
Em
segundo lugar, a
prostituição é reconhecida, tanto pela sociedade, quanto
pelas próprias prostitutas, como sendo um meio de ganhar
o sustento, ou seja, a partir do século XIX,
desenvolve-se um comércio sexual, como nos esclarece o
sociólogo Nickie Robert : “Numa sociedade que é dominada
pelo mercado e em que a maioria das pessoas tem de
vender o seu trabalho para sobreviver é inevitável que
algumas pessoas continuem proporcionar serviços
sexuais.”
Podemos inferir que o final do século XIX é o marco de
construção da “Indústria do Sexo”, destaque para a
profissionalização dos bordéis, que são transformados em
verdadeiras organizações comerciais e passam a oferecer
não apenas serviços sexuais – puro e simples – mas
propiciam diversão e lazer para os clientes, sendo
responsáveis por animar as noites nas nascentes cidades.
Essa
dita profissionalização chega ao limite de estabelecer
uma diferenciação entre prostíbulos, destinados para as
classes mais abastadas, onde são encontradas mulheres
consideradas chiques e seguidoras de um moderno código
de convívio social, importados, principalmente da
França. Eram lugares reservados para bate-papo, consumir
champanhe, sempre acompanhados por mulheres belas e bem
vestidas e, claro, também para o deleite sexual.
Conforme a historiadora Margareth Rago, destaca-se em
São Paulo o Moulin-Rouge, Éden Theatre e o Sar Phará.
Coexistiam também os de baixo meretrício, zonas marcadas
pela devassidão, violência e pela decadência
físico/moral, que eram visitados por homens considerados
rústicos, recém-chegados do mundo rural ou ainda
imigrantes que se relacionavam com mulheres decaídas,
empobrecidas, que tinham a venda do sexo como a única
forma de sobrevivência.
Fica
estabelecida, a partir dessa dita profissionalização do
comércio sexual, uma diferenciação de classe, seja por
parte de quem exerce; seja também por parte do
consumidor dessa espécie de mercadoria. Foi exatamente
essa diferenciação que direcionou os olhares, as ações e
as medidas das autoridades ante a presença da
prostituição nas ruas urbanizadas e modernas, assim o
discurso, tanto de juristas, médicos, jornalistas e
intelectuais, variavam de acordo com o grupo e a área de
meretrício que estava reportando-se, se fosse
direcionado para um ambiente freqüentado pelas classes
dominantes, a parcimônia e a complacência seriam maiores
do que em relação à prostituição pública do baixo
meretrício.
Assim, fica explícito que a prostituição, com a
consolidação do capital, tornou-se mais uma atividade
comercial, onde a circulação da moeda era imanente ao
seu funcionamento. No entanto, torna-se imprescindível,
para discuti-la mais profundamente, levarmos em
consideração o conceito de gênero e a concepção de
identidade e alteridade. Mas aí será numa outra
oportunidade.
(Texto do prof. Carlos Alberto A. Lima, da redação d'O
Historiante)
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