13/10/2012
Proclamação da
República.
Crise da
monarquia? Revolta popular? Golpe de Estado? Vamos
pensar um pouco.
Prof.
Pablo Michel Magalhães
Dos momentos mais relevantes para nossa história, a
Proclamação da República, no Brasil, é ainda tema
bastante controverso. O que mais se diz nas aulas de
História é que a monarquia estava em crise, agravada
ainda mais pela abolição da escravatura, fruto da Lei
Imperial n.º 3.353 (Lei Áurea) assinada pela princesa
Isabel. Sem ter onde se escorar economicamente (a
mão-de-obra escrava teria sido a única utilizada até
então) o país entrou em crise e, em 1889, no dia 15 de
novembro, o imponente Marechal Deodoro da Fonseca
proclamou a República!
Nota de vinte mil
réis, com imagem do Marechal Deodoro da Fonseca.
Muito bem, aqui vimos a boa e velha historinha, que, de
tanto ser repetida, passou a ser meio que um enredo de
um filme com final feliz. Heróis, mocinhos, bandidos,
etc., etc.
Porém, convido você, leitor(a) amigo(a), a refletir um
pouco mais sobre esse evento, que considero sim dos mais
importantes para "esta terra descoberta por Cabral"
(como diria Juca Chaves). Primeiro, porque alguém que
"proclama" algo deve representar alguém ou algo muito
poderoso, porque proclamar, segundo o Dicionário
Aurélio, é:
1. Anunciar em público e em voz alta. 2. Afirmar com
ênfase. Transobj. 3. Eleger, aclamar. P. 4. Fazer-se
aclamar.
Se você já ouviu sua mãe proclamar que você vai
lavar os pratos alguma vez, deve imaginar a dimensão
dessa palavra.
Pois bem, quem disse que o tal senhor Marechal Deodoro,
no dia 15 de novembro, dos idos 1889, tinha qualquer
autoridade para "anunciar em público e em voz alta" que
uma República estava nascendo? Quem apontou o dedo para
ele e disse: "Você é o escolhido"?
Vamos pensar um pouco.
Republicanos e grandes latifundiários no Brasil
O reinado de Pedro II (1840 - 1889) configurou-se como
um período de grandes conflitos, mas de clara
solidificação do poder monárquico. Homem de letras
(talvez muito mais amante das letras do que da própria
coroa), o culto imperador teve de lidar com a Revolução
Farroupilha, a Guerra do Paraguai, além da Questão
Christie (que provocou uma rusga bastante incômoda nas
relações com a Inglaterra). Além disso, a pressão
externa para o fim do uso de mão-de-obra escrava
complicava as relações comerciais.
Marechal Deodoro da
Fonseca
Optando por uma via de não-violência, o imperador e seus
ministros, por meio de leis gradativas, passaram a
limitar a escravidão no Brasil (foram três leis, até a
definitiva extinção do trabalho escravo: a Lei Eusébio
de Queiroz, de 1850, que acabou com o tráfico negreiro;
a Lei do Ventre Livre, de 1871, que dava liberdade aos
filhos de escravos nascidos a partir desse ano; e a Lei
dos Sexagenários, de 1885, que garantia a liberdade para
escravos a partir de 60 anos). Assim, vemos que o
governo imperial tinha preocupação em acabar com a
escravidão no país. Obviamente, não porque achava ruim,
ou tinha compaixão da população negra escravizada; mas
por interesses econômicos e pela pressão inglesa, que
buscava avidamente por mão-de-obra remunerada que
pudesse comprar seus produtos.
Em contraponto a esse panorama, é no período de governo de Pedro II
que o Brasil passa por um desenvolvimento econômico e
cultural de grande relevância. Jornais, museus e
bibliotecas foram alguns dos elementos que compuseram
esse avivamento intelectual (algo restrito, é claro, a
cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, centros urbanos
de maior destaque no país até este momento).
Dentro desse contexto, havia ainda a aprovação popular
do regime monárquico. As viagens da princesa Isabel e
seu marido, o Conde D'Eu, para cidades em todo o país
eram momentos de animação popular. A opinião pública
tinha em alta conta a Monarquia.
Porém, não podemos falar só de flores. O imperador e sua
família gozavam de um grande apoio popular, mas havia
grupos com opiniões diferentes, e que faziam oposição ao
regime monárquico. Os republicanos representavam um
grupo bastante atuante no cenário político, inclusive no
movimento abolicionista que tomou conta do país. O
Manifesto Republicano de 1870 representava a força
de clubes republicanos que se espalhavam pelas capitais
de províncias do Brasil. Além destes, os grandes
latifundiários, que dependiam da mão-de-obra escrava,
mostravam-se desagradados com as leis que impediam o
trabalho do negro cativo em suas terras, complicando os
resultados da produção. Soma-se a isso a emergência de
uma classe média que buscava mais espaço na política
brasileira.
Duas outras questões foram também importantes nesse
momento: os militares, descontentes com a proibição, por
parte do governo imperial, de se manifestarem na
imprensa, sem a autorização do Ministro da Guerra,
reclamavam da falta de prestígio político que
enfrentavam (os cargos administrativos do Estado eram
ocupados por civis, com uma remuneração superior à da
carreira militar); e a Igreja que, historicamente
antagônica à maçonaria, teve de se submeter ao governo
imperial, que se posicionou contra à Bula do Papa Pio IX
(que excluía os maçons da Igreja). Uma vez que eram
submetidos ao Estado, os sacerdotes católicos tiveram de
respeitar a ordem do imperador (que era também maçom).
Então, a proclamação...
Doente e acamado, com suspeita de dispneia (falta de ar,
onde o convalido tem a sensação de não respirar por
completo), o Marechal Deodoro da Fonseca (um
monarquista!) recebeu em sua casa um grupo de militares
(os golpistas que há muito tempo planejavam destituir o
Ministro da Guerra) que insistiram ser ele a pessoa
certa para conduzir as manobras militares necessárias à
tomada do Ministério da Guerra e ao golpe republicano.
Sendo um homem de convicções monarquistas, e que se
dizia amigo do imperador Pedro II (inclusive,
devendo-lhe grandes favores), o velho marechal só teve
seus brios chacoalhados após tomar ciência da notícia de
que o primeiro-ministro Visconde de Ouro Preto havia
expedido ordem de prisão para si. Porém, essa suposta
notícia era um boato, plantado pelos próprios golpistas,
com o intuito de demover Deodoro de suas convicções
monarquistas, fazendo com que este aceitasse
levantar-se.
Assim, meio cambaleante, meio sem ar, Deodoro liderou
tropas pelas ruas do Rio de Janeiro, em direção ao Campo
da Aclamação (atual praça da República) com o intuito de
decretar a demissão do ministro Ouro Preto. Ninguém
havia falado em decretar uma república. E mais: ao final
do episódio, Deodoro ainda voltou-se às suas tropas e
deu vivas ao imperador Pedro II. Os republicanos,
desapontados com a postura de Deodoro, precisavam de um
motivo que fizesse com que o marechal se revoltasse
contra o imperador. A vontade deles era realmente o
golpe e a queda da monarquia.
Ouro Preto havia telegrafado ao imperador, avisando de
sua demissão, momentos antes da chegada do marechal.
Pedro II, reunido com conselheiros e a princesa Isabel
no Paço Imperial, acreditava serem os rumores de golpe
republicano apenas fogo de palha, e cogitou o nome de
Silveira Martins para assumir o cargo de
primeiro-ministro.
Essa escolha foi crucial para aquele fatídico dia 15 de
novembro de 1889. Silveira Martins era um antigo inimigo
de Deodoro da Fonseca (os dois haviam disputado o amor
da Baronesa do Triunfo, no Rio Grande do Sul).
Rapidamente, os republicanos transmitiram a notícia ao
doente marechal que, diante disso, saltou da cama para
proclamar a República. O que o amor (ou a
rejeição, no caso) de uma mulher não faz...
Golpe militar? Proclamação da República? Amor não
correspondido?
Bem, esses eventos marcaram um agitado dia 15 de
novembro. No dia 17 desse mesmo mês,
Deodoro enviou carta, exigindo a partida imediata
do imperador e sua família para fora do país. Mais uma
estratégia dos republicanos por trás do golpe: quanto
mais rápido fossem embora os membros da família real,
menores as chances de manifestações populares contrárias
à República.
No dia 16 de novembro, um desfile militar foi promovido
pelos golpistas, com o intuito de celebrar a República e
anunciar à população o início de um novo regime
governamental. Entretanto, sem saber o que estava
acontecendo, grande parte da população assistiu àquele
belo desfile, ignorando o verdadeiro sentido. Todos
bestializados com a situação.
Vale a pena conferir também...
CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II - perfis
brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados - O
Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
Claro que essas obras e muitas outras sobre a
Proclamação da República você encontra na Livraria da
Folha. Confira abaixo!
(Texto do
Prof. Pablo Michel Magalhães, da redação d'O Historiante)
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