01/10/2012
Os animes
japoneses e a História
Era Meiji,
Samurais e o fim do Xogunato no anime Samurai X.
Prof.
Pablo Michel Magalhães
Há não muito tempo atrás (idos anos de minha infância e
adolescência), como qualquer outro garoto ou garota de
minha idade, costumava assistir desenhos animados na TV.
Em sua maioria, prevaleciam os animes japoneses, com
seus heróis fantásticos e poderes descomunais, singrando
os ares, destruindo os vilões impiedosos pra, no final
do dia, comer bolinhos de arroz. Seiya de Pegasus, Goku,
Shurato, Ash Ketchum e seus pokemons: todos esses
animavam a tela da Tv e invadiam minha imaginação.
Bem, um desses heróis será o tema desse texto: Rurouni
Kenshin, o Samurai X (nome brasileiro da
série). Entre o café da manhã e os gritos da minha avó
(pra que desligasse a televisão e fosse estudar), eu
acompanhava a história de Kenshin Himura, um andarilho
que vagava pelo Japão, arrependido de todos os
assassinatos que havia cometido durante a guerra contra
o xogunato. Hitokiri Battousai (O assassino retalhador)
era a alcunha que Kenshin levava, por ter sido um dos
melhores e mais violentos espadachins que o exército
monarquista possuiu. Porém, amargurado com as mortes que
causou, resolveu tornar-se um rurouni (andarilho) e
nunca mais tirar vidas com sua espada.
Em tóquio, ele encontra Kaoru Kamiya, herdeira de um
dojô de artes marciais no centro da cidade, e que
procurava por um certo "Battousai", que estava
utilizando seu estilo de luta (kamiya-kashin) para
praticar assaltos, assim causando má fama para a moça e
seus alunos. Ao ajudá-la a desarticular a gangue e
derrotar o falso "Battousai", Kaoru descobre a verdade
sobre Kenshin, e este se dispõe a ajudá-la em seu dojô.
Ao longo da trama, novos personagens são incorporados: o
lutador de aluguel Sanosuke, o pequeno batedor de
carteiras Yahiko, órfão de uma família de samurais morta
durante as guerras entre pró-xogunato e
pró-monarquistas, a médica Megumi, que era obrigada a
produzir ópio por uma gangue na cidade, uma jovem e
elétrica ninja, Misao Makimachi, um ex-vilão, inimigo no
início da série, Aoshi Shinomori, e um antigo rival dos
tempos em que ainda era Battousai, baseado em um
personagem histórico de mesmo nome, Hajime Saitou.
Entre lutas alucinantes, técnicas de luta e golpes de
espadas, Kenshin vai de Tóquio a Kyoto, desafiando
gangues que impunham o medo e a violência à população,
sempre ajudado pelos amigos, que estavam sempre por
perto, qualquer que fosse a situação.
Bom, mas o que Samurai X está fazendo aqui
n'O Historiante?
Vamos por partes, então.
O
JAPÃO FEUDAL E OS CLÃS
Entre
os séculos VI e XI d.C., o Japão possuía um regime
monárquico centralizado, em torno da figura do
imperador. A partir do ano 538, o processo de
centralização do poder tem início, em detrimento dos
senhores de terras e seu poderio, e atinge seu auge no
século VIII d.C., quando o imperador Kammu transfere a
capital para a cidade de Heian-Kyo (a Kyoto de
hoje), dando início a Era Heian.
Apesar de representar a autoridade suprema no país, o
Imperador sempre teve próximo o perigo dos grandes clãs,
que dominavam várias regiões do país. Seus chefes, os
daimiô (patriarcas de cada família que personificava
os clãs), atuavam como administradores e fiscais do
imperador, coletando taxas e exercendo controle de
forças policiais, organização de cultos e festas
religiosas. Como eram tratados verdadeiramente como
soberanos em seus territórios, o prestígio que possuíam
fazia com que os membros da família, além das famílias
(conhecidas como bunke) que se alojavam no
entorno das possessões senhoriais (Han),
reconhecessem a supremacia do daimiô, como num
regime feudal europeu.
É no século IX que esses poderes regionais passam a
exercer resistência ao poder central, lutando pelo
controle de cada território. Em 939 d.C., o clã Taira
desafiou o imperador, dando início a uma série de
batalhas pelo controle do território de Kanto (onde
localiza-se Tóquio, atualmente). Mais adiante, em 1051,
eclodiu uma revolta no nordeste do país, liderada por um
general local, que se recusava a aceitar a soberania do
poder do imperador. Nesses dois eventos, a corte de
Kyoto buscou ajuda em outro clã poderosíssimo de Kanto,
os Minamoto, que suprimiram as revoltas e
adquiriram prestígio e poder inigualáveis.
As batalhas entre clãs também eram muito comuns, e
muitas delas adquiriam traços violentíssimos. Os
Minamoto, por exemplo, venceram os guerreiros do clã
Taíra na Guerra de Gempei. Poucos anos depois, em
1192, o imperador designou o líder dos Minamoto, o
guerreiro Yorimoto, como Xogum
(generalíssimo dominador dos bárbaros).
Yorimoto
Minamoto, primeiro Xogun.
Esse fato dá origem a um sistema monárquico próprio do
Japão, o xogunato, onde o governo de fato era
exercido por um líder militar, enquanto o imperador nada
mais era do que uma simples figura decorativa, sem
poderes de fato.
Os
samurais, guerreiros de elite.
Durante esses conflitos, destacavam-se guerreiros que
utilizavam com maestria as espadas conhecidas como
katana, armas letais de lâmina afiada. Esses
guerreiros, indispensáveis nos exércitos dos
daimiô, aos poucos passaram a representar uma elite de
combate. Forjados nas batalhas sangrentas entre clãs,
esses lutadores compartilhavam virtudes comuns, como o
orgulho, a solidariedade, heroísmo e lealdade, bem como
coragem desmedida e fidelidade ao seu daimiô. Essas
qualidades são origem do código de conduta que, no
século XVI, seria sistematizado no bushidô,
o "Caminho do guerreiro".
O nome dessa classe de guerreiros, os samurais, vem do
verbo saburafu ("estar a serviço de", em
japonês), nome dado para aqueles que lutavam ao lado
dos nobres. Outros nomes, como musha ou bushi
("homem de armas") também eram utilizados.
Samurais do século XIX, vestindo
armadura e portando as temíveis
naginata
A princípio, poderiam ser introduzidos na arte samurai
nobres e plebeus, iniciados por um damiô para comporem
seu exército particular. No entanto, com as batalhas
sangrentas que se seguiram até o século XVI, quando o
chefe guerreiro Oda Nobunaga unificou o país após uma
grande e extensa guerra civil entre clãs pelo poder
supremo, o ofício de homens de armas foi regulamentado
por Hideyoshi Toyotomi, sucessor de Nobunaga. A condição
de samurai, nesse caso, passou a ser hereditária, e o
porte de espada foi proibido para a população em geral,
restringindo seu uso apenas aos detentores do título.
Aos poucos, a estabilidade política e o período de paz,
a partir do século XVI, fez com que esses guerreiros
passassem a exercer funções burocráticas nas cidades.
Além de senhores da guerra, se tornaram grandes
gestores.
E o
nosso Samurai X?
Aqui encontramos novamente o Kenshin do anime. Apesar
de, no Brasil, o desenho ser conhecido como Samurai X,
nosso herói é apenas um ronin
(literalmente, "levado pela onda"), um guerreiro que não
tinha nem senhor nem terras e atua de forma
independente. Após ter seus pais assassinados, Kenshin
ainda criança é adotado por um samurai, que o treina no
estilo battoujutsu, antiga técnica
japonesa de empunhar a espada.
Anime e história se encontram novamente: entre 1853 e
1867, o Japão passou por profundas modificações. Esse
período marca o fim da Era Edo (que vigorava desde
1603), durante o xogunato de Tokugawa, e a restauração
do poder imperial centralizado, dando início a Era Meiji.
Nos 14 anos que compreendem esses eventos, diversos
acontecimentos se desenrolaram: os EUA enviaram uma
esquadra, liderada pelo comodoro Matthew C. Perry, com o
intuito de forçar o Japão a sair do isolamento em que
vivia (até então, a saída de japoneses ou a entrada de
estrangeiros eram proibidas; o comércio também era
fechado, não permitindo que outras nações pudessem
manter relações econômicas com o país); o cenário
político estava bastante instável, e dois grupos se
destacavam: os pró-imperialistas (monarquistas que
pregavam a centralização do poder em torno do imperador)
e os partidários do xogunato.
Ao assinar vários tratados com as nações ocidentais,
vistos como humilhação pelos daimiôs, o clã Tokugawa
provocou uma onda anti-ocidental entre a população,
culminando com uma guerra civil que opôs os clãs e
senhores de terras, partidários do imperador, aos
exércitos do xogum Yoshinobu Tokugawa. Vale ressaltar
que, apesar de numericamente superior, as ordas do xogum,
compostas por samurais bem equipados, não foram páreo
para as forças imperiais, totalmente ocidentalizadas e
modernizadas, graças a ação dos britânicos.
Aqui, voltamos ao Kenshin: nosso ronin, na
onda xenófoba que tomou conta dos japoneses, engrossa as
fileiras dos exércitos imperiais, atuando como assassino
a serviço dos monarquistas. Durante a batalha, conhecida
como Guerra Boshin, Battousai foi responsável por
diversas mortes, e derramou muito sangue pelas ruas de
Kyoto.
Ao final dos conflitos, o xogum Yoshinobu Tokugawa
entregou-se em seu quartel general, a cidade de Edo
(atualmente, Tóquio), e o imperador Meiji, Mutsuhito,
deu início à Era Meiji e à restauração do poder
imperial, que perduraria até 1913.
No anime, Kenshin se arrepende de todas as mortes que
causou, e vai viver uma vida de peregrinação e amargura,
até conhecer Kaoru em Tóquio e recomeçar sua vida.
Então...
O anime Samurai X é interessante não só
pela ação e pelas grandes batalhas, mas torna-se uma
ótima adaptação da história japonesa no século XIX,
retratando o fim da era dos xoguns e o início do período
conhecido como Era Meiji.
Durante os episódios, são introduzidas algumas falas de
personagens que se relacionam ao momento político do
Japão, bem como à cultura nipônica. Kenshin, por
exemplo, continua usando sua espada em público, apesar
da proibição do uso de armas pela população, inclusive
antigos samurais, postos na ilegalidade pelo império.
Pra quem ficou curioso sobre o anime Samurai X,
basta
clicar aqui
e baixar o primeiro episódio da série. Acompanhe Kenshin e seus amigos em lutas eletrizantes
no Japão imperial da Era Meiji.
VALE A
PENA CONFERIR TAMBÉM:
Coleção
em 3 volumes da História Viva, lançada em 2008. Japão
- 500 anos de história, 100 anos de imigração.
Filme
O Último Samurai, com Tom Cruise. É uma
adaptação da história real do tenente francês Jules
Brunet.
(Texto do
Prof. Pablo Magalhães, da redação d'O Historiante)
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