04/01/2013
Série Historiante Futebol Clube
Parte 1 - "Nascido para jogar
futebol"?
Prof. Carlos Alberto A. Lima
Lembro-me de uma frase que fora estampada em algumas
camisetas da Seleção Brasileira de futebol: “Nascido
para jogar futebol”. Esse aforismo de alguma forma
sintetiza o sentimento que nós brasileiros temos em
relação ao esporte bretão. Nos reconhecemos e também
somos reconhecidos como a “pátria de chuteiras”, “a
terra brasilis da bola”, os mestres do futebol arte. Em
nossa História ludopédica apresentamos ao mundo
futebolistas da qualidade de: Pelé, Garrincha, Didi,
Nilton Santos, Carlos Alberto Torres, Zico, Romário,
Ronaldo e tantos outros. Com certeza, pensando
brevemente, faríamos mais de 5 seleções com craques, que
representam a técnica, ginga e a malemolência da arte
tupiniquim.
No
entanto, quase sempre quando falamos da trajetória
futebolística brasileira, nos reportamos aos anos 1950
em diante. No imaginário nacional, após à tarde do
Maracanazo, findado com o gol do Uruguaio Ghiggia e a
falha do Goleiro Barbosa, o futebol brasileiro passou a
viver a chamada fase de ouro, da dor para alegria
generalizada, em apenas uma década. Sem contar, que
ajudando nesse processo de divulgação/consolidação do
futebol, seja como identidade ou preferência de lazer
nacional, tivemos os meios de comunicação de massa, com
destaque num primeiro momento para a Era do Rádio e
posteriormente a dominação da imagem com o sinal da
televisão e a invenção do VT. Dessa forma, os
futebolistas, já não são simples atletas, tornam-se
heróis, mitos, ícones, ídolos de uma geração.
E
anterior a década de 1950? Mais precisamente entre as
décadas de 1920 e 1940, quem jogava futebol no Brasil?
Tivemos ídolos? Pensando em responder a essas e outras
perguntas, O Historiante lança uma seqüência de
textos que trará, para o centro dos questionamentos,
figuras que marcaram a História do futebol anterior ao
período áureo e propulsor inesgotável de talentos, ou
seja, anterior ao momento da famosa frase estampada pela
Nike.
A
Confederação Brasileira de Futebol instaurou o dia 19 de
julho como sendo o Dia Nacional do Futebol; a data
seria uma alusão à fundação do Sport Club Rio Grande em
1900, o primeiro clube particularmente voltado para o
futebol no Brasil. No entanto, essa data poderia ter
sido o dia 18 de julho, justamente a data de nascimento
de Arthur Friedenreich, a primeira lenda do nosso
futebol, apelidado de “El Tigre” pela imprensa latina,
dado a qualidade e a raça com que jogara o Campeonato Sulamericano de 1919. Fora alcunhado também de o Rei do
Futebol – anterior a Pelé – pela imprensa francesa ao se
destacar numa excursão feita ao Velho Mundo, jogando
pelo Paulistano em 1925.
Fried –
como era chamado pelos companheiros – herdou
geneticamente características físicas da mestiçagem que
marcou o encontro entre um comerciante alemão e uma
negra lavadeira brasileira. Assim, o mulato alto, magro,
forte, olhos verdes e cabelos crespos, introduziu, de
acordo com cronistas que testemunharam suas façanhas,
dribles curtos e rápidos, agilidade nos deslocamentos
laterais e centrais, além de chutes fortes, colocados e
com efeito, naquele estilo de jogo que ainda estava inspirado na
mecânica e lentidão do Football inglês.
Em
relação às suas façanhas, destaca-se que até o final da
década de 1990, a FIFA, mesmo sem comprovação documental
alguma, apenas baseado em relatos, o reconhecia como o
maior artilheiro de todos os tempos. Os seus 1329 gols
superavam em muito a marca estabelecida posteriormente
por Pelé. No entanto, com a biografia intitulada “O
Tigre do Futebol” do jornalista Alexandre da Costa, os
números reais e comprovados através das súmulas
apareceram. O craque ao longo de 26 anos de carreira e
vestindo a camisa de vários clubes, dentre o quais:
Germânia, Mackenzie, Ypiranga, Paulistano, São Paulo da
Floresta, Santos e Flamengo, marcou 556 gols em 592
jogos, obtendo uma média de 0,93 gols por partida,
superior, essa sim, a marca de Pelé.
Artur
Friedenreich vivenciou grandes transformações no Brasil.
Da proclamação da Republica à sua consolidação, da
Republica dos coronéis e barões do café ao Estado Novo varguista; da formação dos primeiros clubes
à
profissionalização do esporte.
Acrescenta-se que não apenas vivenciou como também
participou diretamente de alguns desses acontecimentos.
Com destaque para as discussões em torno da
profissionalização do Futebol, se posicionava contra por
achar que isso poderia desvirtuar a ideia do esporte
coletivo e privilegiar alguns poucos futebolistas e
clubes. Seu maior temor era que o negócio/capital
superassem o jogo. Com essa postura, “El Tigre” comprou
briga com a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) –
antecessora da CBF – sofrendo retaliação quanto à sua
convocação para o selecionado brasileiro. Além dessa
querela com a instituição-mor, após a confirmação da
profissionalização encerrou sua passagem pelo Flamengo,
recusando uma oferta vantajosa de contrato, seguindo os
novos moldes.
No campo
da política governamental, utilizando-se de sua figura
conhecida nos campos de futebol, mesmo que ainda não
fossemos a “pátria de chuteiras”, colocou-se à
disposição para o alistamento do exército paulista na
Revolução Constitucionalista de 1932. Movimento armado
ocorrido no Estado de São Paulo entre julho e outubro de
1932, organizado como uma contra-resposta à Revolução de
1930 que levou Getúlio Vargas ao Poder. Os paulistas se
mostraram contra a política varguista dos primeiros
anos, criticando a imposição de interventores tenentes,
bem como a gestão sem constituição. Dessa forma, o povo
organizado e financiado pela oligarquia cafeicultora
fora às ruas e combatera bravamente o Exército
Nacional. Mesmo sendo rendidos em 04 de outubro de 1932,
e tendo baixa em torno de 2200 pessoas, esse movimento
cívico se colocara como vitorioso, pois a partir daquele
momento o Estado voltara a ser governado por políticos
paulistas, sem contar que, em questão de dias, o
presidente da República convocara os trabalhos de uma
Assembleia Constituinte. “Fried”, além de combater, doou
seus troféus, medalhas e prêmios para o financiamento da
luta.
Artur Friedenreich foi o primeiro rei, o primeiro craque, o
primeiro artilheiro, o primeiro ícone do futebol
brasileiro, para além de nossas fronteiras. Sem dúvida
alguma, o grande futebolista da era do amadorismo, quase
sem rádio, com poucas imagens e muita genialidade.
(Texto do prof. Carlos Alberto A. Lima, da redação d'O
Historiante)
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