Parte 2 - Nunca houve um
jogador como Heleno de Freitas.
Prof. Pablo Michel
Magalhães
Marrento, boêmio, boa pinta, mulherengo, auto
suficiente. Nunca houve um jogador como Heleno de
Freitas, a estrela solitária (assim o pensava) do clube
da estrela solitária, o Botafogo de Futebol e Regatas.
Neste segundo texto da série Historiante Futebol
Clube, vamos conhecer os dribles, a ginga e a
soberba de um jogador emblemático e problemático da
década de 1940, Heleno de Freitas, por muitos de seus
contemporâneos considerado o melhor jogador da América
latina.
Curiosamente, em seu período áureo (1940 a 1947),
Heleno, jogando por seu clube de coração, o Botafogo,
não conseguiu nenhum título. Entretanto, é nessa
passagem pelo clube de General Severiano que o
centroavante marcou a maior parte dos gols de sua
carreira futebolística. Foram 249 gols em 304 jogos como
profissional, boa parte (209 gols) usando a camisa
alvinegra do Glorioso.
Natural de São João Nepomuceno, em Minas Gerais,
mudou-se para o Rio com a família após a morte do pai,
comerciante de café. É nesse período (fins da década de
1930) que Heleno descobre o futebol nas praias da Cidade
Maravilhosa. Por influência de amigos de peladas, como
Neném Prancha e João Saldanha (ambos botafoguenses),
passa a defender as cores do Glorioso de General
Severiano.
Heleno de Freitas iniciou sua carreira em um momento
bastante conturbado da história do futebol. Na década de
1930, os debates sobre a profissionalização ou não dos
jogadores de futebol inflamavam os certames e os
campeonatos. No Rio, um racha entre os clubes cariocas
acabou gerando duas ligas rivais: A Liga Metropolitana
dos Desportos Terrestres - LMDT e a Associação
Metropolitana dos Esportes Athleticos - AMEA. Com a
ascensão do Vasco da Gama, clube que tinha jogadores
negros e brancos analfabetos, em sua maioria
trabalhadores assalariados, campeão carioca em 1924, os
clubes ditos de elite (América, Botafogo, Flamengo e
Fluminense) passaram a questionar a legitimidade do
clube dirigido por comerciantes portugueses. Para estes
times, a atividade futebolística deveria respeitar o
princípio de Ethos Amador (a prática do futebol
pelo divertimento, pela descontração).
Agachado, ao centro, Heleno de Freitas e o Botafogo de
1945
Num
exemplo claro de exclusão, o estatuto da AMEA deixava
claro que trabalhadores braçais e desempregados não
estariam aptos à prática desportiva. Junte-se a isso o
preconceito de cor (não regulamentado em estatutos, mas
latente na prática) que expurgava a possibilidade de
negros terem acesso ao futebol.
Contudo, Heleno de Freitas, por ser advogado e branco, não teve
qualquer problema em ingressar no Botafogo.
Jogando no meio de campo, o jovem mineiro possuía classe
e garbo no toque de bola. Mas, foi atuando no ataque,
dentro da área, farejando gols, que Heleno mais se
destacou. Com sua obsessão por ser o melhor sempre,
marcar gols sempre e ser ovacionado pela torcida em
todos os jogos, ele se comportava em campo como se sua
vida dependesse apenas da vitória, atuando quase de
maneira dramática nos 90 minutos.
Boêmio, costumava apreciar a noite; mulherengo, tinha
fama de galã e conquistador nos bares e bordéis de
Copacabana. Em suas incursões noturnas, Heleno acabou
contraindo Sífilis, doença que carregou consigo até sua
morte, em 1959, com 39 anos.
Caprichoso em campo, recebeu o apelido de Gilda
(personagem das telonas, complicada e bela ao mesmo
tempo, interpretada por Rita Hayworth), pois não admitia
receber os passes fora da medida. Preferia a bola mansa
rolando aos seus pés, e quando isso não acontecia, sua
ira comprometia sua atuação.
Vendido ao Boca Juniors (Carlito Rocha, presidente do
Botafogo à época, fez a negociação com o clube argentino
motivado pelo fato de o próprio Heleno não conseguir se
relacionar bem com os colegas de time), disputou 17
partidas pelo clube xeneize, marcando 7 gols, não
agradando aos argentinos, e muito menos agradando-se do
estilo aguerrido e movimentado deles.
Ao
voltar ao Brasil, Heleno vestiu a camisa do Vasco da
Gama (time com quem havia, há muito, paquerado, e onde
disputou algumas partidas no início da carreira), onde
foi, finalmente, campeão carioca pela primeira vez. Após
uma incursão pela Colômbia, jogando pelo Atlético Júnior
de Barranquilla, entre 1949 e 1950, pela Liga Pirata,
onde angariou boa quantia em dólares durante os seis
meses em que passou por lá, sua carreira declinou
profundamente, e entre 1951 e 1953, apesar de motivado,
passou sem brilho por Santos e América-RJ.
Apesar das memoráveis atuações com a camisa da Seleção
Brasileira (18 jogos, 19 gols, campeão da Copa Roca e da
Copa Rio Branco) não pôde atuar em uma Copa do Mundo.
Heleno foi contemporâneo dos combates que constituíram a
II Grande Guerra. Em face dos confrontos bélicos que
devastaram a Europa entre 1939 - 1945, a FIFA só veio a
organizar um novo mundial de seleções em 1950. Em baixa
no futebol e com sérios desentendimentos com o técnico
da seleção à época, Flávio Costa, Heleno não foi
convocado.
Até
1953, com sérios problemas decorrentes da Sífilis (a
doença já havia comprometido seriamente sua saúde),
somado à dependência em lança-perfume e éter e seu
costume em fumar vários cigarros por dia, Heleno não foi
nem sombra do centroavante habilidoso e tenaz, outrora
artilheiro do Botafogo. Passou os seis anos seguintes em
um sanatório, em Barbacena, acompanhando os jogos do
time local e devaneando casos de amor com Eva Peron. Ao
vir a falecer, deixou uma ex-esposa e um filho.
Heleno de Freitas foi o primeiro atleta problemático do
futebol brasileiro. Avesso a treinamentos, ignorando
avisos dos médicos dos clubes por onde passou,
humilhando os companheiros de time (chegou a comprar
briga com o time inteiro do Botafogo por considerá-los
medíocres!), viciado em drogas, o príncipe maldito podia
ir do inferno ao céu com a pelota nos pés.
Infelizmente, raríssimos são os registros em vídeo das
habilidades futebolísticas de Heleno de Freitas, mas
seguem abaixo alguns segundos em vídeo do craque
maldito.
(Texto do Prof. Pablo
Michel Magalhães, da redação d'O Historiante).
Heleno de Freitas, com a camisa da Seleção Brasileira.
CONFIRA TAMBÉM:
- NEVES, Marcos
Eduardo. Nunca houve um homem como Heleno. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2006.
- Filme Heleno - O
príncipe Maldito, estrelado por Rodrigo Santoro.