Heleno de Freitas, a década de 1940 e a profissionalização do futebol no Brasil.

     

     

 

05/01/2013

 

Série Historiante Futebol Clube

 

Parte 2 - Nunca houve um jogador como Heleno de Freitas.

 

 

Prof. Pablo Michel Magalhães

 

 

Marrento, boêmio, boa pinta, mulherengo, auto suficiente. Nunca houve um jogador como Heleno de Freitas, a estrela solitária (assim o pensava) do clube da estrela solitária, o Botafogo de Futebol e Regatas. Neste segundo texto da série Historiante Futebol Clube, vamos conhecer os dribles, a ginga e a soberba de um jogador emblemático e problemático da década de 1940, Heleno de Freitas, por muitos de seus contemporâneos considerado o melhor jogador da América latina.

 

 

Curiosamente, em seu período áureo (1940 a 1947), Heleno, jogando por seu clube de coração, o Botafogo, não conseguiu nenhum título. Entretanto, é nessa passagem pelo clube de General Severiano que o centroavante marcou a maior parte dos gols de sua carreira futebolística. Foram 249 gols em 304 jogos como profissional, boa parte (209 gols) usando a camisa alvinegra do Glorioso.

 

Natural de São João Nepomuceno, em Minas Gerais, mudou-se para o Rio com a família após a morte do pai, comerciante de café. É nesse período (fins da década de 1930) que Heleno descobre o futebol nas praias da Cidade Maravilhosa. Por influência de amigos de peladas, como Neném Prancha e João Saldanha (ambos botafoguenses), passa a defender as cores do Glorioso de General Severiano.

 

Heleno de Freitas iniciou sua carreira em um momento bastante conturbado da história do futebol. Na década de 1930, os debates sobre a profissionalização ou não dos jogadores de futebol inflamavam os certames e os campeonatos. No Rio, um racha entre os clubes cariocas acabou gerando duas ligas rivais: A Liga Metropolitana dos Desportos Terrestres - LMDT e a Associação Metropolitana dos Esportes Athleticos - AMEA. Com a ascensão do Vasco da Gama, clube que tinha jogadores negros e brancos analfabetos, em sua maioria trabalhadores assalariados, campeão carioca em 1924, os clubes ditos de elite (América, Botafogo, Flamengo e Fluminense) passaram a questionar a legitimidade do clube dirigido por comerciantes portugueses. Para estes times, a atividade futebolística deveria respeitar o princípio de Ethos Amador (a prática do futebol pelo divertimento, pela descontração).

 

Agachado, ao centro, Heleno de Freitas e o Botafogo de 1945

 

Num exemplo claro de exclusão, o estatuto da AMEA deixava claro que trabalhadores braçais e desempregados não estariam aptos à prática desportiva. Junte-se a isso o preconceito de cor (não regulamentado em estatutos, mas latente na prática) que expurgava a possibilidade de negros terem acesso ao futebol.

 

Contudo, Heleno de Freitas, por ser advogado e branco, não teve qualquer problema em ingressar no Botafogo.

 

Jogando no meio de campo, o jovem mineiro possuía classe e garbo no toque de bola. Mas, foi atuando no ataque, dentro da área, farejando gols, que Heleno mais se destacou. Com sua obsessão por ser o melhor sempre, marcar gols sempre e ser ovacionado pela torcida em todos os jogos, ele se comportava em campo como se sua vida dependesse apenas da vitória, atuando quase de maneira dramática nos 90 minutos.

 

Boêmio, costumava apreciar a noite; mulherengo, tinha fama de galã e conquistador nos bares e bordéis de Copacabana. Em suas incursões noturnas, Heleno acabou contraindo Sífilis, doença que carregou consigo até sua morte, em 1959, com 39 anos.

 

Caprichoso em campo, recebeu o apelido de Gilda (personagem das telonas, complicada e bela ao mesmo tempo, interpretada por Rita Hayworth), pois não admitia receber os passes fora da medida. Preferia a bola mansa rolando aos seus pés, e quando isso não acontecia, sua ira comprometia sua atuação.

 

 

Vendido ao Boca Juniors (Carlito Rocha, presidente do Botafogo à época, fez a negociação com o clube argentino motivado pelo fato de o próprio Heleno não conseguir se relacionar bem com os colegas de time), disputou 17 partidas pelo clube xeneize, marcando 7 gols, não agradando aos argentinos, e muito menos agradando-se do estilo aguerrido e movimentado deles.

 

Ao voltar ao Brasil, Heleno vestiu a camisa do Vasco da Gama (time com quem havia, há muito, paquerado, e onde disputou algumas partidas no início da carreira), onde foi, finalmente, campeão carioca pela primeira vez. Após uma incursão pela Colômbia, jogando pelo Atlético Júnior de Barranquilla, entre 1949 e 1950, pela Liga Pirata, onde angariou boa quantia em dólares durante os seis meses em que passou por lá, sua carreira declinou profundamente, e entre 1951 e 1953, apesar de motivado, passou sem brilho por Santos e América-RJ.

 

Apesar das memoráveis atuações com a camisa da Seleção Brasileira (18 jogos, 19 gols, campeão da Copa Roca e da Copa Rio Branco) não pôde atuar em uma Copa do Mundo. Heleno foi contemporâneo dos combates que constituíram a II Grande Guerra. Em face dos confrontos bélicos que devastaram a Europa entre 1939 - 1945, a FIFA só veio a organizar um novo mundial de seleções em 1950. Em baixa no futebol e com sérios desentendimentos com o técnico da seleção à época, Flávio Costa, Heleno não foi convocado.

 

Até 1953, com sérios problemas decorrentes da Sífilis (a doença já havia comprometido seriamente sua saúde), somado à dependência em lança-perfume e éter e seu costume em fumar vários cigarros por dia, Heleno não foi nem sombra do centroavante habilidoso e tenaz, outrora artilheiro do Botafogo. Passou os seis anos seguintes em um sanatório, em Barbacena, acompanhando os jogos do time local e devaneando casos de amor com Eva Peron. Ao vir a falecer, deixou uma ex-esposa e um filho.

 

Heleno de Freitas foi o primeiro atleta problemático do futebol brasileiro. Avesso a treinamentos, ignorando avisos dos médicos dos clubes por onde passou, humilhando os companheiros de time (chegou a comprar briga com o time inteiro do Botafogo por considerá-los medíocres!), viciado em drogas, o príncipe maldito podia ir do inferno ao céu com a pelota nos pés.

 

Infelizmente, raríssimos são os registros em vídeo das habilidades futebolísticas de Heleno de Freitas, mas seguem abaixo alguns segundos em vídeo do craque maldito.

 

 

 

 

 

 

 

(Texto do Prof. Pablo Michel Magalhães, da redação d'O Historiante).

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Heleno de Freitas, com a camisa da Seleção Brasileira.

 

 

 

 

CONFIRA TAMBÉM:

- NEVES, Marcos Eduardo. Nunca houve um homem como Heleno. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

- Filme Heleno - O príncipe Maldito, estrelado por Rodrigo Santoro.

 

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