ESPECIAL GLADIADORES - TEXTO 3
11/06/2012
ARMAS, SUOR E SANGUE: COMO FUNCIONAVAM OS LUDI ROMANOS.
Prof.
Pablo Michel Magalhães
Quem eram esses lutadores anônimos? O que os movia a
lutar até a morte na arena, para o divertimento de
milhares de pessoas? Partimos desses questionamentos
para começar a desvendar os meios pelos quais os
gladiadores são formados e preparados para os combates
mortais.
A princípio, precisamos saber que, tais como as
academias de boxe ou lutas marciais em nosso tempo, os
romanos dispunham dos Ludi. Porém, não se
enganem: os romanos não praticavam musculação nesse
local, muito menos buscavam neles praticar exercícios
para manter a boa forma. Esses locais, que em latim
significam, literalmente, jogos, serviam como
verdadeiras academias de batalha para a formação dos
gladiadores. Esses locais gozavam de um péssimo conceito
em sua época, e as pessoas da alta sociedade romana não
frequentavam os ludi com medo de serem alvo de
fofocas e maldizeres.
O dono do local, o açougueiro (chamado assim
pejorativamente), em latim, lanista, era o
responsável por fornecer aos seus homens comida, abrigo
e treinamento, investindo em cada gladiador uma
considerável soma de dinheiro buscando seu próprio
enriquecimento. Para isso, ele não precisava que seus
lutadores fossem os mais vitoriosos: era necessário que
estes gladiadores fornecessem ao público um grande
divertimento, demonstrando garra e disposição na luta.
Viver ou morrer era apenas um detalhe, ou antes morrer
seria ainda mais rentável, pois o lanista
receberia um prêmio por fornecer tamanho espetáculo aos
presentes.
Em geral, os ludi podiam ser encontrados ao redor
das grandes arenas. Um exemplo clássico era o ludus
ao lado do Coliseu, que forneceu por séculos vários
gladiadores que perderam suas vidas em batalhas
sangrentas em suas areias. A localização facilitaria o
translado, mas essa característica não é uma regra.
Por
entre gládios, os treinamentos.
Vamos utilizar a trajetória de um gladiador qualquer.
Este pode ser um escravo com habilidades de combate, um
homem livre capturado em guerra, um bandido ou ladrão
que, em troca de redução de pena, poderia ser
direcionado à gladiatura, ou até mesmo um homem livre
que queria glória e fama nas areias de um anfiteatro
(interessante é notar que, apesar de livre, ao iniciar
sua carreira como gladiador, esse cidadão deve assinar
um contrato com o lanista, onde permita que este
possa castigá-lo e puni-lo quando ache necessário).
Para Paul Veyne, seria difícil imaginar um homem (ou
mulher) forçado a lutar contra a própria vontade, uma
vez que este (ou esta) não seria capaz de fornecer o tão
esperado espetáculo na luta.
Voltemos ao nosso gladiador qualquer. Digamos que ele
tenha sido capturado em campo de batalha e, por suas
habilidades em batalha, foi encaminhado a um lanista.
Nesse caso, a gladiatura é o meio mais promissor de
escravidão no Império Romano, porque permite ao escravo
acesso à fama e fortuna, capazes de lhe fornecer a
liberdade ao custo de alguns combates.
Uma vez que ele é comprado por um lanista, o
gladiador passa a viver em um regime em tudo parecido à
vida militar romana. Deve respeitar as horas de
treinamento no pátio, sob a supervisão do Doctore,
um ex-gladiador e ex-escravo, sobrevivente aos combates
e que havia conseguido alcançar sua liberdade, além da
confiança do seu ex-dono, culminando com sua promoção à
treinador de novos gladiadores.
A alimentação fornecida aos lutadores durante os
treinamentos é rica em gordura e proteínas: eles
precisam adquirir em pouco tempo a massa corporal
necessária para suportar as batalhas, de acordo com sua
modalidade de luta. Nesse sentido, eles vão sendo
direcionados pelo Doctore. Os treinamentos
incluem embates corpo a corpo, além de repetições de
movimentos de luta e levantamento de pesos (nada
parecido com o que temos hoje, os lutadores carregavam
objetos pesados, dando voltas no pátio).
A
gladiatura fornecia as seguintes categorias:
1)
Bestiário (em geral, um lutador sem treinamento
prévio, designado para se apresentar nas lutas matinais,
contra animais ferozes, como leões, tigres, panteras,
etc.).
2)
Secutor, o perseguidor (utilizava uma armadura
pesada, e em seu elmo havia apenas dois buracos negros
para a visão, o que dava ao seu aspecto ares bastante
sombrios; era treinado principalmente para lutar contra
Reciários).
3)
Reciário (lutador leve, com proteção para ombro e
uma manga revestida para um dos braços, suas armas eram
a rede e o tridente, embora também utilizasse um punhal)
4)
Equites, o cavaleiro (categoria predominantemente de
homens livres, dado a utilização de cavalos,
pressupõe-se que apenas nobres que buscavam fama na
gladiatura poderiam atuar nessa modalidade).
5)
Murmillo, o peso pesado (gladiador pesado, com
armadura completa, utilizava um elmo com desenho
inspirado em peixes; portava sempre um escudo grande e
um gládio característico de soldado romano).
6)
Hoplomachus, o heleno (gladiador pesado, utilizava
escudo redondo e armadura pesada de couro, com espada e
lança como armas, frequentemente simbolizando um
guerreiro grego).
7)
Trácio, o espadachim (apesar do nome, não era
realmente um habitante da Trácia; possuía armadura
pesada e escudo quadrado, tendo habilidades para lutar
com duas espadas, as chamadas sicas, e era protegido por
Nêmesis, a deusa da vingança).
Uma vez que é treinado e
direcionado para uma categoria, o lutador é encaminhado
para sua luta na arena, onde deve mostrar ferocidade e
animalidade. Lutar com todas as forças parece ser a
melhor saída, porque ou se vence e cai nas graças da
multidão, ou se perde com a mesma glória, podendo mesmo
ser poupado pelo editor, magistrado que está
organizando os jogos.
Sobreviver a dez combates era algo impensável na vida de
um gladiador, porém pouquíssimos, como Prisco e Vero,
conseguiram atingir uma tal fama, após vários combates
vencidos, que lhes rendeu a liberdade. O símbolo dessa
conquista era um gládio de madeira, o rudis, que
atestava, em escritos cravados nele mesmo, a história do
campeão e sua incondicional liberdade.
Apesar da efemeridade da gladiatura, não era raro
encontrar os chamados cemitérios de gladiadores, onde as
epígrafes, mais do que simplesmente identificar o morto,
serviam como testemunhas da vida de vitórias e glórias
desses lutadores, banhados à sangue e suor.
VALE A
PENA CONFERIR:
Documentário Gladiadores: De volta à vida, da
Discovery Channel.
GARRAFFONI, Renata S. Gladiadores na Roma Antiga: dos
combates às paixões cotidianas. São Paulo: Annablume/FAPESP,
2005.
ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1983.
VEYNE,
Paul. Sexo e poder em Roma. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
Texto do Profº Pablo Magalhães, da redação d'O
Historiante.
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Texto
1 - Sacramentum gladiatorum: os gladiadores dos circos
romanos.
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