Louise de Bettignies
: A
maior de todas as espiãs
22/06/2013
![](louise.jpg)
Para os ingleses, Alice Dubois. Para os franceses,
Pauline. Seu nome verdadeiro, Louise de Bettignies.
Independente, viajada, fluente em sete idiomas (francês,
alemão, italiano, espanhol, russo e tcheco), era uma
mulher avançada para sua época e, por sua atuação como
espiã na Primeira Guerra, é considerada a precursora da
luta na clandestinidade e das heroínas da Resistência
Francesa na Segunda Guerra. Chegou a ganhar o apelido de
Joana d’Arc do Norte.
Sétima criança de uma família de nove filhos, nasceu em
15 de julho de 1880, em Saint-Amand-les--Eaux, norte da
França, na fronteira com a Bélgica. Fez excelentes
estudos, apesar dos reveses de fortuna que obrigaram seu
pai, em 1877, a vender a fábrica de porcelana da
família. Aos 26 anos, caso raríssimo para uma francesa,
ela conseguiu ser admitida no Girton College, o
departamento feminino da Universidade de Cambridge.
Ganhando a vida como professora particular, mais tarde
ela pôde ser vista na Itália, na Alemanha, na
Tchecoslováquia ou na Áustria, onde esteve furtivamente
com o imperador Francisco José e venceu uma partida de
xadrez contra o filho do kaiser Guilherme II, o príncipe
herdeiro Rupprecht da Baviera.
O arquiduque Francisco Ferdinando, que viria a ser
vítima, em Sarajevo, do atentado que desencadearia a
Primeira Guerra Mundial, chegou a propor a ela que se
tornasse preceptora dos filhos dele. Em vão: para isso,
Louise seria obrigada a abrir mão de sua nacionalidade
francesa.
Como enfermeira, por vezes ela cuidava dos feridos do
exército do kaiser Guilherme II, na área ocupada pelos
alemães na região norte da França, desde o início da
Primeira Guerra. Isso porque Louise visitava com
frequência o irmão, vigário de Orsinval, próximo a
Quesnoy. Numa dessas ocasiões ela acabou sendo alvo de
um controle infeliz, feito por Rupprecht da Baviera, em
visita àquele setor. Infeliz porque , afinal de contas,
toda a fase do pré-guerra – o castelo de Holeschau, a
partida de xadrez, as conversas com Elvira da Baviera –
tinha supostamente criado laços.
Essa capacidade de se imiscuir entre os alemães chamou a
atenção dos serviços secretos, tanto da França quanto da
Inglaterra. Em fevereiro de 1915, um oficial francês se
encontrou com ela discretamente, em sua residência de
Saint-Omer, localidade que abrigava membros do
quartel-general do corpo expedicionário britânico
comandado pelo general John French. O motivo do encontro
era descobrir se Louise de Bettignies aceitaria se
tornar agente secreto. A jovem Louise não aceitou nem
descartou a possibilidade, deixando no ar um “talvez”.
Pouco depois os britânicos fizeram a ela um convite
semelhante. O major Walter Kirke, comandante do serviço
de informações militar inglês (Military Intelligence) na
França gostaria de poder contar com o talento
extraordinário da moça para falar tantos idiomas, e com
tamanha fluência.
A
inteligência francesa ficou incomodada com o convite
feito pelos ingleses, mas não havia o que fazer. Os
franceses cederam e Louise caiu nos braços do MI 6. Mas
havia etapas intermediárias a cumprir antes de entrar em
ação. Ela precisou passar por um estágio de formação no
escritório interaliado de Folkestone. Lá aprendeu sobre
códigos secretos, tintas invisíveis, combinação sobre
como indicar um ponto sensível em um mapa, como
identificar as unidades alemãs, as peças de artilharia.
Nesse período, conheceu o coordenador britânico do
serviço de informações, o major Cameron, vulgo “Tio
Eduardo”. Para o MI 6, Louise passou a ser “Alice Dubois”,
e a rede de contatos que ela tinha a missão de
estabelecer na região norte da França e na Bélgica,
seria chamada “o serviço Alice”.
De Folkestone, QG dos
serviços secretos aliados, ela foi para a Holanda, que
se manteve neutra no conflito. Pouco antes de atravessar
a fronteira belga, o oficial inglês que a acompanhava
declarou bruscamente: “Se for apanhada, não poderemos
fazer nada por você, mas, se isso acontecer, terá sido
certamente por sua culpa. Boa sorte”. Impossível ser
mais claro...
Uma empresa comercial
holandesa de fachada, a Companhia Cerealista de
Flessingue, serviu de disfarce e estrutura logística em
Bruxelas. Outro comando militar clandestino estava
instalado em Lille, no norte da França, perto de Béthune.
Os centros ferroviários mereciam atenção especial, como,
por exemplo, os de Tourcoing ou Lille, por onde
transitavam as tropas e material alemães, rumo ao fronte
de batalha.
O braço direito de
Louise era uma enfermeira do norte chamada Marie-Léonie
Vanhoutte, de 27 anos, conhecida como “Charlotte ” no
serviço Alice. Os demais colaboradores da rede eram de
profissões e regiões das mais variadas: Lenfant,
ex-comissário especial (informações gerais), era de
Tourcoing; Willot, professor da Faculdade Católica de
Medicina de Lille; Marsille, chefe eletricista; o velho
Pinte, professor do Instituto Técnico de Roubaix;
Verstappen, cônsul da Bélgica em Haia; a senhorita
L’Hermitte e o abade Chavatte, em Haubourdin; Horst,
responsável pela infiltração de seus compatriotas
militares belgas. Essa era a rede mínima para poder
comandar um conjunto de cerca de 100 agentes
profissionais.
Ao todo, “Alice Dubois” faria algumas dezenas de idas e
vindas entre Folkestone e o continente. Em meados de
1915, “Tio Eduardo” a apresentou ao general George
Macdonogh, diretor do serviço militar de informações,
assim como ao próprio general French. “A atividade do
serviço Alice é extremamente importante, você consegue
intensificar seus esforços?”, perguntou o general French.
“Sejam lá quais forem os riscos, a resposta é sim!”,
respondeu a jovem. “Cuide-se ”, aconselhou o militar.
Antes de voltar à luta
clandestina, Louise viu pela última vez a mãe, Julienne,
em Touquet: “Tenho o pressentimento de que em breve
serei capturada”, admitiu. “E então, o que pode
acontecer com você?”, perguntou a mãe. “Eles vão me
fuzilar, eu imagino.”
No início de setembro,
as mensagens do major Cameron a informavam sobre boatos
que corriam, a respeito da infiltração de sua rede de
contatos. Não sem razão: os alemães levavam o serviço
Alice muito a sério. Léonie foi presa em 15 de setembro
de 1915. Em 20 de outubro foi a vez de Louise.
As duas mulheres foram
condenadas à morte em março de 1916, por espionagem. A
pena foi comutada em prisão perpétua por conta da
indignação que havia sido provocada pela execução de
duas mulheres, a enfermeira inglesa Edith Cavell, em 12
de outubro de 1915, e a jovem patriota belga Gabrielle
Petit, em 1º de abril de 1916.
Nas prisões belgas e, em
seguida alemãs, um destino diferente aguardava as duas
francesas. Apesar dos cuidados da companheira de
infortúnio, Louise morreria em 27 de setembro de 1918,
em um hospital em Colônia, Alemanha, em decorrência de
uma cirurgia feita sem os cuidados mínimos de higiene,
em um cárcere de Sieburg. Léonie foi libertada após o
armistício e viveu por mais meio século, falecendo em 4
de maio de 1967.
Fonte:
História Viva
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