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REVOLTA DE BECKMAN (1684)

 

 

Prof.ª Joyce Oliveira Pereira

Licenciada em História - UFMA

 

A História do Maranhão no início da colonização é marcada pela dificuldade de acesso aos territórios do litoral pelas correntes marítimas e, no interior, a resistência dos ameríndios impediam esta entrada nos sertões. É de conhecimento geral as diversas tentativas de invasão pelos franceses e holandeses. Isto demonstra a importância desses territórios para os povos europeus que entravam em conflito por estes domínios.

Mas, independente desses fatores, após a consolidação do domínio português, o Maranhão era considerado um local de extrema penúria. Aqui, por volta no século XVII se cultivava algodão, mas este era remetido ao Pará onde alcançava maior valor. O clima e o baixo valordos fretes também impediam o crescimento da capitania do Maranhão. Em 1655, Padre Antônio Vieira voltou ao Maranhão com o “Diretório dos índios”, documento no qual os jesuítas eram responsáveis pela tutela dos ameríndios. Não devemos esquecer da influência que Vieira tinha na corte portuguesa – ele era o confessor do rei D. João IV.

Mas, isso representava deter o direito sobre o gentio? Nesta época, os ameríndios eram a principal força de trabalho da região (eles extraíam as drogas do sertão) e os jesuítas, detendo a posse sobre eles, também conseguiriam dominar os colonos e todas as suas ações. Os jesuítas também possuíam inúmeras fazendas acumulando grande número de riquezas, o que deixavam cada vez mais descontentes os colonos da região.

Haviam denúncias de exploração do trabalho dos ameríndios por parte dos jesuítas: eles não pagavam pelo serviço e também não permitiam  que os colonos o fizessem; impediam o contato dos gentios com os moradores; castigavam os índios que desejavam trabalhar sob remuneração para os portugueses; não ‘repartiam’ os índios de maneira igualitária entre os membros da sociedade; também  mandaram prender o líder da aldeia do Maracanã, o que levou à revolta dos seus. Com essa conjuntura, em 15 de maio de 1661, os moradores do Maranhão decidiram expulsar os jesuítas.

 

 

Com a ida de Jorge Sampaio (era o procurador dos revoltosos do Maranhão) à corte portuguesa, os jesuítas passaram a ter jurisdição espiritual sobre os gentios e Padre Antônio Vieira foi dispensado e proibido de voltar aqui. Apesar dessas decisões, o rei português admoestou os colonos pela atitude de expulsar os jesuítas.

  

MERCANTILISMO, COMPANHIAS E O MARANHÃO

Como estratégia de retomar seu lugar de prestígio na Europa, Portugal, aceitou a criação de Companhias de Comércio privadas à exemplo das que tinham sido criadas em Holanda e Inglaterra.

A primeira companhia criada em território que viria a ser o Brasil foi a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649-1720). Em 1682, iniciaram-se as atividades da Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, que tinha objetivos de incentivar o desenvolvimento do norte do Brasil (Maranhão, Amazonas), introduzir a mão de obra escrava africana, diminuir os conflitos entre a coroa e os colonos (ligado aos problemas com os jesuítas sobre a escravidão ameríndia). Além dessas tarefas, a Companhia deveria trazer anualmente 500 escravos africanos para que os colonos pudessem realizar suas plantações, e ela também seria responsável pelo monopólio de compra dos gêneros produzidos no Maranhão.

Logo, os colonos constataram que as mercadorias trazidas para o Maranhão pela Companhia eram de má qualidade; os preços dos gêneros produzidos na terra eram comprados por um valor mais baixo que o normal; as mercadorias importadas eram vendidas mais caras; o número de escravos estipulados por ano não tinham sido entregues; os navios não chegavam regularmente; os interesses particulares se sobrepunham às necessidades dos colonos. Será nessa conjuntura de conflitos e interesses que o movimento conhecido como Revolta de Beckman irá se formar.

 

Monopólio e estanco são palavras sinônimas quando se fala de Companhias de Comércio.

 

BECKMAN E O CONFLITO

Manuel Beckman escreveu uma carta ao rei D. Pedro II (DE PORTUGAL!) em 1679 contando a situação de abandono do norte do Brasil, que a população não tinha autoridades nas quais pudessem confiar e que os escravos africanos quase não existiam nessa região além da ‘divisão’ dos ameríndios entre as autoridades locais.

As interpretações mais recentes dos historiadores têm apontado o conflito como uma maneira de resolver as injustiças sociais, mas que não apontava para um rompimento com a Coroa Portuguesa. Muito pelo contrário, procurava a conciliação.

 

Manuel Beckman

Em 24 de fevereiro de 1684 o movimento irrompeu em São Luís formando a “Junta dos Três Estados”, com representantes da nobreza, clero e povo. Segundo os revoltosos, as razões do levante eram:

 

·         A opressão a qual o povo era submetido pela falta de assistência do governador;

·         Por serem indefesos dos ataques dos inimigos;

·         Eram oprimidos pelo estanco, por isso foi proibido;

·         Os jesuítas tinham causado muitos prejuízos ao Maranhão e, por isso deveriam ser retirar o mais breve possível do território.

 

Para que o movimento tivesse êxito, era necessário que o Pará aderisse à causa, mas a Câmara do Pará negou adesão, apoiando o então governador Francisco Sá e Meneses que tinha sido desconsiderado do cargo que exercia no Maranhão. Para resolver o problema, o Senado da Câmara sugeriu o envio de alguém quisto pelo povo para negociação. Os revoltosos também buscaram apoio das capitanias de Tapuitapera/ Santo Antônio de Alcântara que era muito importante à época, mas sem sucesso.

 

Os principais nomes do levante foram Manuel e Thomaz Beckman, Eugênio Ribeiro Maranhão, Jorge de Sampaio, Belchior Gonçalves e Francisco Dias Deiró.

 

Em 15 de maio de 1685, Gomes Freire de Andrade chegou à região como novo governadore com a missão de acalmar os ânimos. Mandou logo prender os revoltosos, e Beckman sendo avisado pela população escondeu-se; também mandou os jesuítas que estavam no Pará que retornassem ao Maranhão, bem como libertou as pessoas que tinham sido presas pelo governo rebelde. O governador percebeu o temor da população e prometeu perdoar os rebeldes, menos os principais líderes.

Thomaz Beckman, que tinha ido à Portugal negociar com a Corte logo foi preso ao aportar no Maranhão. Manuel Beckman em vão tentou salvar seu irmão e, o governador ofereceu recompensa a quem o prendesse ou entregasse. Com medo, o revoltoso fugiu para seu engenho na região do vale do Rio Mearim. Foi traído por seu afilhado, Lázaro de Melo.

Preso em São Luís, o povo ainda tentou salvá-lo lixando as grades da prisão. Foi enforcado juntamente com Jorge Sampaio e o negro Francisco Dias Deiró, que conseguira fugir e foi enforcado simbolicamente em estátua.

 

BECKMAN, JUDAÍSMO E INQUISIÇÃO

 

 

Segundo a historiadora Maria Liberman, a família de Beckman estava passando por uma investigação inquisitorial por volta de 1678. Eles estavam sendo investigados por práticas consideradas heréticas aos olhos católicos:

“Num domingo de Páscoa, vestido em traje clerical, ele ‘celebra’ na ermida de sua fazenda uma missa, levantando a hóstia e o cálice. Depois saiu todo o grupo, acompanhado pelo cunhado de Thomaz, Ignácio Pereira, saiu festivamente numa procissão, para qual Thomaz armara um pálio que seus escravos carregavam, todos vestidos a caráter, simbolizando anjos. Ignácio acompanhava a procissão com um livro nas mãos, cantando ladainhas”.

Este tipo de prática visava profanar símbolos, os gestos significativos do catolicismo romano. Outras falas apontam que os irmãos Beckman haviam levantando duas cruzes para serem pisoteadas pelos moradores e gado de suas fazendas.

 

Na Capitania do Maranhão, não houve visitações oficiais do Santo Ofício semelhantes às que ocorreram no Estado do Brasil. Aqui, comissários, familiares do Santo ofício e os jesuítas exerciam este poder.

 

As pessoas ouvidas pelos agentes do Santo Ofício afirmavam que eles eram de origem cristã nova, ou que não se importavam em ser chamados de judeus. O estudo desta historiadora aponta que a origem judaica dos irmãos Beckman era conhecida pelos habitantes e pelas autoridades que inclusive o chamaram de “judeu cabeça do motim”.

Nunca poderemos afirmar com certeza, mas, com o surgimento desta informação é possível que a pena capital recebida por Manuel Beckman tenha sido baseada também pela religião que ele seguia – o judaísmo -, pois não podemos esquecer que, à esta época, o Estado Português e a Igreja Católica andavam unidos na colonização, moralização e punição dos colonos.

 

Eram considerados cristãos velhos aqueles sujeitos que, nas suas história familiares, eram todos reconhecidos como cristãos católicos. Em contraposição, os cristãos novos eram geralmente judeus que foram obrigados a se converter ao cristianismo/ ou fingirem serem cristãos católicos, mas que continuavam praticando o judaísmo em segredo. No mundo colonial, a presença dos cristãos novos era constante devido às perseguições religiosas que sofriam na Europa.

 

Saiba mais!

Indicamos a leitura do texto do Prof. Rafael Chamboleyron da RHBN, que dá outra visão do evento: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/padres-fora