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22/01/2013
Tiradentes, o herói,
vilão ou um mito criado.
Entre os
personagens mais citados no período republicano,
Tiradentes é uma espécie de símbolo libertário. Mas,
quanto disso pode ser realmente factível?
Prof.ª Josi Brandão
No ano de 1789, um movimento importante acontecia na
região das Minas Gerais, composto por uma pequena elite
de Vila Rica, atual Ouro Preto, contra o domínio
português. As reuniões aconteciam sempre em lugares
secretos, na calada da noite, e a cada dia, contavam com
um número maior de integrantes. A maioria era
pertencente às classes mais ricas de lá, mas havia
também quem viesse das camadas populares e,
principalmente, militares de baixa patente. Os
inconfidentes confeccionaram uma bandeira e um lema, que
hoje em dia pode ser visto na bandeira que representa o
estado de Minas Gerais.
A
revolta estava programada para o dia em que fosse
anunciada a Derrama, um novo imposto cobrado para
complementar os débitos que os mineradores acumulavam
junto à Coroa Portuguesa. Planejavam, inclusive,
executar o governador de Minas em praça pública, tomando
o controle das tropas sediadas na cidade e na província.
A
real intenção dos revoltosos inclusive gera, até hoje,
discussões sobre a faceta do movimento. Muitos o definem
como um movimento que buscava a liberdade de nosso país.
Outros já falam em contornos mais regionais, atribuindo
sua "quase" eclosão ao descontentamento da população de
Vila Rica com o governo português. Há ainda
pesquisadores que irão buscar caminhos que indicam
interesses particulares como desencadeadores do
movimento. Mas, todos concordam em um ponto: o movimento
eclodiu diante do quadro de escassez de ouro, na região
de Minas, a partir da metade final do século XVIII.
Considerada abusiva, a taxa da Derrama tinha muita
rejeição por parte dos mineradores. Era uma prática
opressora e injusta, onde em uma data específica
divulgada pela Corte Portuguesa, soldados enviados pelas
autoridades prendiam quem era contra, quem protestava ou
se negava a colaboras. Sendo assim, a elite intelectual
e econômica da época juntou forças para se opor à
Portugal. Todos os líderes da conjuração estavam
endividados com a Coroa, fato motivador para que se
envolvessem numa revolta contra a Metrópole.
Simbolicamente falando, a data escolhida para
desencadear a revolta foi justamente a mesma em que se
esperava que o governador da Capitania de Minas Gerais,
o visconde de Barbacena, ordenasse a cobrança da
Derrama. Talvez esperassem apoio da população à sua luta
anticolonial.
No
campo das ideologias, as principais influências foram as
mesmas que motivaram a revolução francesa, no ano de
1789, fundamentada pelo Iluminismo, com os princípios de
igualdade, fraternidade e liberdade, além dos interesses
particulares, que foram muito fortes. As leis seriam
reformuladas, mas a escravidão mantida, numa espécie de
Iluminismo filtrado, prevalecendo elementos de interesse
da elite.
Eram
vários os líderes do movimento. Cláudio Manuel da Costa,
Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, além da figura
de Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes. Mas, em
relação a este último, seu papel na revolta é ainda
muito discutido, talvez devido ao martírio a que foi
submetido. Sua figura é lembrada como a do principal
líder do movimento, algo muito questionado por diversos
autores.
Mas
será que Tiradentes não foi um herói inventado? A
historiografia recente mostra que este homem não foi
nada do que dizem ser. O nosso Tiradentes, herói
nacional após a proclamação da República, era
considerado um vilão até 15 de Novembro de 1889.
Tiradentes provavelmente foi apenas um bode expiatório
de uma revolução que estava mais preocupada com o quinto
do ouro das Minas Gerais que era envias a Portugal. A
clássica imagem de Tiradentes (de barba e cabelo
comprido) é ilusória. Ele nunca possuiu cabelos
compridos, nem barba. Seja em sua época de militar
(posto que os membros do do exército devem moderar a
quantidade de pelugem pelo rosto), seja em seu período
na prisão (os pelos eram cortados a fim de evitar
piolhos), ou mesmo no momento de sua execução (todos os
condenados à forca deveriam ter a cabeça e a barba
raspadas, para expor bem o rosto).
A
lembrança de Tiradentes e de seu movimento se tornou
importante, a ponto de receber interesse nacional, a
partir da Proclamação da República. Para o historiador
José Murilo de Carvalho, autor de A Formação das
Almas (Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 1ª
edição, 1990), "para consolidar-se como governo, a
República precisava eliminar as arestas, conciliar-se
com o passado monarquista, incorporar distintas
vertentes do republicanismo. Tiradentes não deveria ser
visto como herói republicano radical, mas sim como herói
cívico religioso, como mártir, integrador, portador da
imagem do povo inteiro", alguém que fosse um líder mas
de características também submissas, como exemplo ao
povo. A imagem cabeluda foi construída para que ele se
assemelhasse à figura de Jesus, aumentando seu tom de
mártir, vítima e herói. Assim como Cristo morreu pela
humanidade, ele teria morrido para salvar o Brasil.
Queriam os republicanos substituir todas as figuras
nacionais de relevo, obviamente monárquicas (sistema de
governo utilizado pelo Brasil até 1889), por criaturas
inventadas, revolucionários anarquistas, homens
fictícios, verdadeiros heróis inexistentes.
Só
nos últimos anos, a ideia do mito vem sendo
desconstruída por alguns autores , algo que representa,
de fato, um retorno aos documentos, à valorização de uma
pesquisa empírica mais apurada, à busca de uma nova
leitura, de aspectos ainda não tratados em fontes
anteriores que, apesar de já muito utilizadas, ainda têm
muito a revelar. Diz ainda José Murilo de Carvalho:
"ficam claros alguns aspectos importantes na construção
do perfil heróico de Tiradentes, que acaba por utilizar
suas fraquezas, sua situação social inferior, e até
mesmo seus supostos erros, como elementos de valorização
de sua pessoa e de sua atuação".
Embora a historiografia oficial considere a Conjuração
Mineira como uma grande luta pela libertação do Brasil,
o historiador inglês Kenneth Maxwell, autor de A
devassa da devassa (Rio de Janeiro: Terra e Paz,
2ª ed., 1978) fala que "a conspiração dos mineiros era,
basicamente, um movimento de oligarquias, no interesse
da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como
justificativa, e que objetivava, não a independência do
Brasil, mas a de Minas Gerais. Colocando também o
Tiradentes bem diferente do que a história passou, um
homem sem barba, sem glórias e sem liderança".
Existe um Tiradentes sob várias faces: o mártir símbolo
dos republicanos, o sacrificado como Jesus Cristo, o
bode expiatório, o líder da Conjuração Mineira, o
ignorante. Qual dessas seria a face verdadeira?
Especulações à parte, o que importa na história da
Inconfidência Mineira é que a imagem de Tiradentes
enquanto herói resiste ao tempo. Mas, como a História do
Brasil continua sendo escrita, qual a história que será
contada, no futuro, sobre o que está ocorrendo no
presente?
Afinal, o poder republicano construiu um mito fortemente
solidificado, ainda nos dias atuais, sendo reproduzido
em diversas circunstâncias, comparando o herói
construído à imagem de Cristo, muito sustentado ainda na
ignorância das massas.
Como
se pode perceber, desde o enforcamento de Tiradentes, a
sua imagem e a sua história foram sendo recontadas por
diversos grupos. Os republicanos foram aqueles que mais
se apropriaram e incorporaram em seu discurso a
importância de Tiradentes na história brasileira,
apontando-o como o principal responsável pela "salvação"
do povo, para que nem ele e nem a república fossem
esquecidos. Muito ainda há para ser abordado e
discutido, e a historiografia brasileira vem se
enriquecendo a cada dia com novos trabalhos e novas
pesquisas, um processo ainda árduo e demorado. A
constatação de elementos que têm se mantido desde o
século XIX indica, por um lado, a vitalidade do mito e,
por outro, o poder persuasivo das associações
estabelecidas, entre o sacrifício heróico de Tiradentes
e as condutas dos que se colocam como seus herdeiros:
Tiradentes ficou eternizado na História.
(Texto da Prof.ª Josi
Brandão, da redação d'O Historiante). |
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