As “crianças da vergonha” da Alemanha Nazista

Garota negra na Alemanha Nazista. Foto: BBC/Biblioteca do Congresso Americano.
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Centenas de crianças foram esterilizadas à força pelas forças hitleristas. O motivo dessa barbárie era a origem das vítimas: possuíam mães alemãs e pais africanos e asiáticos.

Da redação
Com informações de:
DW Brasil
Geledés

Com a ocupação aliada na Renânia imposta à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, após a derrota na Primeira Guerra Mundial, 100 mil soldados, enviados em janeiro de 1920 pela França para a região, reforçaram o controle francês. Cerca de um quinto destes homens, no entanto, provinha dos territórios coloniais, como os continentes africano e asiático.

No clima político inflamado da República de Weimar, sua presença logo gerou tensões. Os alemães da Renânia estavam descontentes: colocados sob o aparelho repressivo francês, que tinha colocado como agentes indivíduos advindos das colônias, como Madagascar e Indochina, espaços considerados pelos europeus como “inferiores”, sendo as pessoas originárias destes locais “raça inferior”. Assim, após a perda de suas próprias colônias, os alemães percebiam essa imposição como uma monstruosa humilhação.

Todo esse ideário, no entanto, está relacionado ao pensamento racista pseudocientífico que circulava entre os alemães, como também entre outras nações europeias do período, baseado na Eugenia.

O racismo pseudocientífico

O termo “eugenia”, criado por um certo Francis Galton, na década de 1880, teve uma forte influência na sociedade da época.. O eu vem do grego, e significa “bom”. Genia quer dizer “linhagem”.

Galton era geógrafo, membro da elite britânica e primo de Charles Darwin. Sua intenção não era exatamente criar uma “raça superior”, mas uma “sociedade perfeita”.

De acordo com a Teoria da Evolução, pequenas diferenças inatas em indivíduos de uma mesma espécie levam alguns a se adaptar melhor ao ambiente que os demais. Eles, daí, tendem a sobreviver por mais tempo, e a deixar mais filhos. Essas diferenças se propagam por hereditariedade, e se tornam mais comuns na população.

Galton acreditava que a miséria era uma dessas características inatas. E que a fórmula para eliminá-la era simples: bastava que os ricos deixassem mais descendentes que os pobres. Dessa maneira, nunca mais haveria gente pobre, doente, alcoólatra. A tal “sociedade perfeita” passou a ser sinônimo de uma sociedade menos semita, menos cigana, menos negra.

A eugenia de Galton logo se tornou “base científica” para toda sorte de racistas. A tal “sociedade perfeita”, assim, passou a ser sinônimo de uma sociedade menos semita, menos cigana, menos negra.

A “Vergonha negra”

Com entusiástica participação de organizações estatais e civis, iniciou-se uma campanha de propaganda racista, sob o título “A Vergonha Negra”. Em panfletos e artigos, os soldados coloniais eram apresentados como “feras selvagens”, que se lançavam sobre a população alemã, estuprando e assassinando.

Não só círculos nacionalistas ou conservadores avançavam essa campanha, uma vez que o racismo e eugenia estavam profundamente arraigados na sociedade alemã. Políticos social-democratas, como o presidente do Reich Friedrich Ebert ou o ministro do Exterior Adolf Köster, tachavam a mobilização de tropas francesas “da mais baixa camada cultural” como um “crime espiritual” contra o povo alemão.

A estratégia política contava que esse racismo também fosse comunicável no estrangeiro, para ao mesmo tempo desacreditar as estipulações do Tratado de Versalhes: com base em preconceitos comuns, pretendia-se restabelecer a solidariedade internacional com a Alemanha.

Respaldados pelo material de propaganda do Ministério do Exterior, publicaram-se por todo o mundo artigos difamadores sobre os soldados coloniais. Como o do deputado trabalhista britânico Edmund Dene Morel, acusando a França de soltar contra a população alemã “negros selvagens” e “bárbaros primitivos”, cuja “incontrolável bestialidade” já resultara em numerosos estupros. Mas, embora a propaganda tenha persistido por bastante tempo, o pretendido “sucesso” de política externa não se concretizou.

Apesar dos esforços da campanha difamatória, várias relações amorosas aconteceram entre alemãs e soldados coloniais, que geraram frutos. Essas crianças, advindas desses enlaces, passariam a ser chamadas de “crianças da vergonha”, por sua origem mestiça.

Apesar dos intensos esforços de difamação, houve numerosas relações amorosas entre soldados coloniais e mulheres alemãs. Foto: DW

Esterilização forçada

Essas crianças também seriam chamadas de “bastardos da Renânia”, em relação à região ocupada pelos franceses.

Estes pequenos, dessa maneira, cresceram com a vivência da exclusão: sua mera existência e a cor escura de sua pele permaneceram para os nacionalistas e revanchistas uma lembrança constante da derrota bélica, e de sua impotência diante das determinações do Tratado de Versalhes.

Em 1923 as autoridades da República de Weimar começaram com o cadastramento sistemático dessas crianças.

Em 1927, um funcionário governamental requeria a seus superiores no Ministério da Saúde que estudassem a possibilidade de esterilização “através de uma intervenção totalmente indolor”. A solicitação foi rejeitada: a legislação impossibilitava medidas compulsórias, até pelo fato de, enquanto filhos de alemãs, as crianças também serem integrantes do Reich.

Tratava-se apenas de um adiamento, contudo: com a tomada de poder pelos nacional-socialistas, o cadastramento dos menores foi ampliado. Alguns foram medidos e fotografados para a pérfida ideologia racial nazista. Em 1937, uma ordem secreta de Adolf Hitler fundou a “Comissão 3” da Gestapo, que acabou por organizar a esterilização ilegal dos jovens.

Estão documentados 436 casos, mas o número real deve ser bem mais alto.

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