Os Lanceiros Negros e o Massacre de Porongos

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Foto: Painel Casa do Estudante / Agência Senados e UFSM

Os Lanceiros Negros eram um grupo formado por homens escravizados que, em troca da liberdade, lutaram na Revolução Farroupilha, uma insurreição armada do Rio Grande do Sul contra o Império entre 1835 e 1845.

Da redação
Com informações de: Veja, Correio Braziliense e BBC

Grupo importante para a história brasileira, homenageados no Livro de Aço dos Heróis da Pátria, os Lanceiros integravam o exército republicano farrapo. Tinham a promessa de alforria como motivação, caso ganhassem no fim das batalhas.

Durante a Batalha de Porongos, em 14 de novembro de 1844, um episódio tão nefasto e traiçoeiro, uma emboscada resultou na morte de mais de cem soldados negros durante a Guerra dos Farrapos.

Conhecida também como Revolução Farroupilha, essa revolta perdurou por uma década (1835-1845), transformando-se na guerra civil mais longa registrada na história do país. De um lado, encontrava-se o governo imperial brasileiro, e do outro, a elite gaúcha descontente com os elevados impostos sobre seus produtos.

A partir da declaração de independência da então província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1836, os farroupilhas perceberam a escassez de homens disponíveis para enfrentar as tropas imperiais. Diante dessa realidade, os republicanos começaram a recrutar negros escravizados. No entanto, não eram os seus próprios escravos.

Soldados negros

Em vez de utilizar sua própria mão de obra, os farroupilhas capturavam negros inimigos. Eles serviam aos imperiais ou estavam foragidos, com a promessa de libertação ao término da guerra.

Assim, os negros não lutavam pelos ideais farroupilhas, mas sim pela oportunidade de alcançar a liberdade. Mesmo desempenhando o papel de infantes (soldados a pé), entraram para a história como os “lanceiros negros”.

Estima-se que, ao final da guerra, representavam cerca de um terço das tropas farroupilhas, totalizando aproximadamente 10 mil homens, quase metade do contingente imperial.

Em resposta à crescente participação dos negros, os imperiais instituíram em 1838 a “Lei da Chibata”, estabelecendo que todo escravo capturado enquanto integrante das forças rebeldes seria submetido a 200 a 1.000 chibatadas.

Apesar da ameaça, os escravos persistiram em reforçar as fileiras rebeldes. Contudo, mesmo desempenhando um papel crucial nas batalhas, os negros tornaram-se um “problema” para os farroupilhas, especialmente quando ficou claro que a guerra estava destinada à derrota.

Massacre dos Porongos

Há 176 anos, na alvorada de 14 de novembro de 1844, um contingente de lanceiros negros acampado no Cerro dos Porongos foi abruptamente atacado e dizimado pelas tropas imperiais.

Mais de cem homens negros foram brutalmente assassinados. Aqueles que não conseguiram escapar para quilombos ou o Uruguai foram enviados à corte no Rio de Janeiro, onde permaneceram escravizados até a promulgação da Lei Áurea, 43 anos depois.

Persistem controvérsias acerca dos eventos que facilitaram o Massacre dos Porongos. A maior parte das evidências históricas, entretanto, aponta para a traição do general David Canabarro, uma figura proeminente entre os farroupilhas.

Naquela época, cientes da iminente derrota, os rebeldes buscavam negociar uma anistia com o império. O governo de Dom Pedro 2º concordou em considerar a proposta, mas entre as condições para o indulto estava a devolução dos escravos capturados.

Essa exigência, no entanto, não agradou muitos líderes rebeldes, envergonhados pela rendição, e tampouco aos negros aos quais os farroupilhas haviam prometido liberdade.

Para resolver o impasse, Canabarro teria conspirado com os imperiais. “Ele escreveu ao Barão de Caxias, combinando a data e o local para um ataque ao acampamento dos negros”, relata o historiador Jorge Euzébio Assumpção, autor de “Pelotas: Escravidão e Charqueadas 1780-1888” (FCM Editora, 2013).

Além de conluio com os imperiais, Canabarro ignorou alertas sobre a aproximação inimiga e desarmou os lanceiros negros na véspera do ataque. O general alegou que a munição antiga seria substituída por uma mais moderna, entregando assim os guerreiros negros aos imperiais.

Explicações(?)

O general farroupilha nunca forneceu explicações convincentes sobre o ocorrido.

Seus apoiadores argumentam que ele estava ocupado como uma das vivandeiras (mulheres que acompanham as tropas para cozinhar, cuidar de feridos e rezar pelos moribundos). Dizem que, por essa razão, ele não testemunhou a carnificina.

O ataque não apenas selou o destino dos soldados negros, mas também marcou o declínio da própria Revolução Farroupilha.

“O combate de Porongos, dispersou a principal força republicana e revelou a morte iminente da rebelião”, registrou Tristão de Alencar Araripe em seu livro “A Guerra Civil no Rio Grande do Sul”, publicado em 1881.

O tratado de paz foi assinado quatro meses após o Massacre, em fevereiro de 1845, quando Canabarro confiou na “palavra sagrada” de Dom Pedro II.