20/11/2012
Texto
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Abolição no
Brasil: Uma alegoria do descaso.
Prof.
André Araújo
Durante muito tempo a historia oficial tratou da questão
escravista no Brasil e sua consequente derrocada como
algo que foi fruto das idéias iluministas que ganharam
repercussão em todo mundo, aliadas às pressões inglesas
para que o Brasil utilizasse mão-de-obra livre, de modo
que se criasse um mercado interno assalariado e
consumidor que pudesse disputar mercados internacionais
de forma justa. Para tal, o Brasil teria de forma lenta,
gradual e sem maiores agitações criado as leis
abolicionistas para extinção da escravidão.
A abolição teria acontecido, para a historiografia
tradicional, através das leis que culminaram no evento
do 13 de maio de 1888. Dentre elas: Lei Feijó proibindo
o tráfico e considerando os africanos introduzidos no
Brasil a partir desta data como livres (esta lei ficou
conhecida popularmente com a “lei para Inglês ver”, pois
havia um acordo desde 1826 em que o Brasil se
comprometia em abolir a escravidão em um período de três
anos e foi algo que foi largamente burlado pelos
escravocratas brasileiros; Lei Eusébio de Queiroz para
extinguir o tráfico em 1850; a lei do ventre livre em
1871 que declarava livres os filhos de escravos nascidos
a partir dessa data, mas os mantinham sobre a tutela de
seus senhores até atingirem a maioridade aos 21 anos; a
lei Saraiva Cotegipe ou lei dos sexagenários em 1885,
que concedia a liberdade para escravos com idade
superior a 60 anos; e finalmente a lei Áurea em 13 de
Maio de 1888. Teria sido resolvido de forma bem sucedida
o problema da escravidão que durou cerca de 350 anos no
Brasil.
Esta versão ensinada por muito tempo nas escolas traz um
enorme prejuízo para a avaliação do processo da queda do
regime escravocrata que tantos males trouxe para o
Brasil. O primeiro que se pode identificar surge de um
questionamento. Durante este processo onde estavam e o
que faziam os escravos? Pois bem, esta história factual
e encabeçada pelos heróis abolicionistas e a Corte
brasileira exclui do processo as pessoas que viveram a
experiência do cativeiro. A abolição aparece como uma
dádiva do imperador e das pessoas iluminadas que viram
neste ato uma forma de resolver um problema que se
tornara insustentável. Se a memória se faz com pessoas
(pessoas em toda sua pluralidade que se possa imaginar)
e lugares, nesta versão tradicional faltam as pessoas
que sofreram as amarguras da escravidão durante cerca de
350 anos e toda a sua complexa rede de relações e
atitudes diante desta prática atroz. Faltam os escravos
africanos e os cativos nascidos nas terras brasileiras
(conhecidos como crioulos). O lugar reservado para se
pensar estes sujeitos era o do que recebia a chicotada
de forma pacífica e largado a toda sorte de sofrimentos
físicos e psicológicos.
O dia 13 de maio passou a ser comemorado como o dia da
abolição da escravidão. Dia que as pessoas rememoravam o
fim da escravidão, mas os significados que estas
comemorações oficiais se propunham não tinham nada de
emancipador ou que revigorasse a auto-estima dos
descendentes dos cativos. A exemplo disso, vimos no dia
13 de maio de 1943 uma matéria no jornal A Tarde que
trazia uma imagem de um evento em comemoração a
abolição. Neste evento crianças depositaram flores em
frente a uma estátua de castro Alves, na praça homônima
do poeta. Fotografaram crianças, em sua maioria negras
ou pardas, em frente ao monumento dedicado a Castro
Alves, o “cantor dos escravos”, como os jornalistas
nomeavam o poeta Castro Alves. Salientava-se na matéria
que a campanha abolicionista teve grande participação de
ilustres políticos baianos e todos assistiam a um
espetáculo onde as amarguras e a problematização do
legado da escravidão desapareciam completamente.
Jornalistas demonstravam preocupação pelo atual
esquecimento das festividades que outrora tinham esta
data. Os mesmos jornalistas, enquanto isto, participavam
orgulhosos de um evento em que crianças entoavam hinos
patrióticos em sua redação. Evento que cujas crianças
declamavam poesias de Castro Alves e cantavam os
patrióticos hinos em comemoração aos feitos dos
políticos abolicionistas.
Um trecho de uma belíssima música de Bob Marley chamada
“Redemption Song” sugere que uma mudança no olhar para
este tipo de abordagem sobre a escravidão vem sendo
apregoado pelo mundo, principalmente nos locais que
tiveram um papel protagonista na recepção de seres
humanos da diáspora africana. Como no Caribe, Brasil,
EUA entre outros. Diz a música:
“Emancipate yourselves from mental slavery.
None
but ourselves can free our minds”
(Liberte-se da escravidão mental.
Ninguém além de nós pode libertar nossas mentes).
Este cantor que é um dos ícones da música negra no mundo
sugere-nos que o papel na mudança das vidas das pessoas
comuns está cada dia mais nas mãos das mesmas. Esta
música citada começa falando sobre o rapto de pessoas na
África e o comércio de suas vidas. Ressalta que mesmo
depois de tantas amarguras essas pessoas escravizadas
sobreviveram e seguem triunfantes, mesmo depois do
assassinato de muitos de seus descendentes. Infelizmente
em vez de serem analisadas em seu potencial pedagógico e
ser enfatizada a mensagem de aumento da auto-estima e
importância da população negra contidas nesta música,
segue a idéia de marginalizar o reggae, uma música
predominantemente negra, tratando-o como música de
drogados e potenciais criminosos.
Quando acompanhamos o que estava disposto na lei Áurea,
percebemos que os políticos não estavam preocupados com
os destinos dos despossuídos. Não estavam preocupados em
garantir-lhes. Não passava pelas discussões dos mesmos
abolicionistas a importância de que os ex-cativos
pudessem exercer suas práticas culturais, a exemplo a
capoeira e sua religiosidade, livres de restrições. Pelo
contrário, os resquícios do que se preservara da cultura
africana no Brasil era proibido e perseguido.
A lei Áurea declarou que estava extinta a escravidão no
Brasil e revogavam-se disposições em contrário. Nada
mais! O que esta lei impunha e a comemoração do dia
promulgação da mesma não auxilia a pensarmos a população
negra como protagonista de sua história, nem tão pouco
problematizar os problemas oriundos de um longo processo
de escravização de um povo e a negligencia do Estado
frente às demandas desta população liberta sem
propriedade ou qualquer reparação.
CONTINUE SUA LEITURA. CONFIRA O TEXTO/CONTINUAÇÃO:
DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E RESISTÊNCIA ESCRAVA: UM
DIÁLOGO NECESSÁRIO.
(Texto do
Prof. André Araújo, da redação d'O Historiante)
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