20/11/2012
Texto
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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E RESISTÊNCIA ESCRAVA: UM
DIÁLOGO NECESSÁRIO.
Prof. André Araújo
Em contraposição ao dia da abolição os movimentos
sociais ligados as questões sobre os problemas da
população negra na contemporaneidade sugere como
referência a comemoração do dia da consciência negra no
dia 20 de novembro. A sugestão da data remonta os anos
70 quando o movimento negro debatia a importância de uma
data que rememorasse os anos da escravidão no Brasil com
referenciais de resistência e enfrentamento aos males do
sistema escravista. A escolha foi feita baseada na
evidência de que Zumbi dos Palmares teria morrido no dia
20 de novembro de 1695 após anos de resistência no
Quilombo dos Palmares. Uma referência completamente
diferente da narrativa de grandes figuras políticas que
criaram leis e “deram” a liberdade aos cativos. Este
novo referencial faz pensar no protagonismo e nas
dificuldades que os escravos enfrentaram. Faz pensar
também que para além de resistir submissos eles lutaram
e desenvolveram estratégias que pressionaram a sociedade
escravista a recuar na prática de comercializar e
submeter pessoas ao trabalho compulsório.
Os novos trabalhos historiográficos que romperam com a
tradição de silenciar os cativos enfatizaram como atos
de resistência as rebeliões, a fuga, o assassinato de
senhores, e feitores e o suicídio como atitudes que os
cativos buscaram ter diante do sistema escravista.
Escravos negociaram com a sociedade ou diretamente com
seus senhores, pessoalmente ou através de procuradores
ou instituições que os representassem (como as
sociedades abolicionistas) condições que permitisse uma
melhoria nas suas condições de vida. É difícil pensar
neste tipo de abertura, pois a visão que temos
geralmente é a de que os negros não sabiam leis, não
dominavam quaisquer mecanismos racionais de negociação
legal dentro de uma burocracia estatal e a própria
violência sistêmica da escravidão não daria condições
para tal. O historiador Jailton Lima Brito traz em seu
livro intitulado “A abolição na Bahia: 1870-1888”
alguns exemplos de reivindicações movidas por escravos
em âmbito legal.
Obviamente que estas ações têm que ser vistas em quais
locais foi possível a negociação, tem que ser visto o
período, inclusive para se evitar pensar que o regime da
escravidão era uma porta aberta a negociação. Pensar
estes aspectos é interessante para pensarmos que onde
houve violência, houve resistência. Se os senhores
tratassem os seus cativos apenas com violência e não
abrissem brechas para que os mesmos influenciassem nas
suas vidas os conflitos seriam intermináveis e a
sustentação do escravismo seria impensável. Negociar
redução ou supressão de castigos físicos, rejeição de
certos serviços – inclusive entrando neste ponto algo
negligenciado que é a pluralidade étnica dos africanos,
onde certos serviços os cativos admitirem que fosse
feito apenas por etnias distintas –, rejeição a venda de
sua propriedade para lugares onde estes ficassem
privados do contato familiar, acesso a terra para
plantio de sua roça de víveres (chamada de roça negra
por historiadores como Flávio Gomes, um dos estudiosos
da experiência escravocrata no Brasil), aumento nos
ganhos para os quais eram designados em territórios
urbanos (algo que abria brechas para acúmulo de capital
e consequente investimento em compra de alforrias, seja
individualmente, em sociedades de compra de alforrias,
como as irmandades negras) entre outras reivindicações.
As fugas, sem dúvidas, foram o maior recurso usado pelos
negros para resistir ao sistema. Com o desenvolvimento
de núcleos urbanos, o aumento populacional, a quantidade
de pessoas de cor vivendo nas cidades e a
complexificação e cotidianização do trabalho de ganho,
bem como o aumento do numero de libertos colaborou para
o uso desta estratégia como meio de se atingir a tão
desejada liberdade. Mesmo que não desejassem a liberdade
definitiva, apresentando-se tempos depois da fuga para a
policia, os escravos sinalizavam que não aceitariam
condições as quais não pudessem viver com a dignidade
que acreditavam serem merecedores. Neste aspecto, outro
fator cabe ser ressaltado. O destino para o qual fugiam
os escravos. Para além destes centros urbanos e grandes
quilombos mais distantes dos centros (como o quilombo de
Palmares), os arredores das cidades onde se constituíam
candomblés eram importantes redutos de resistência
escrava. Se muitas vezes os escravos conseguiam reduzir
os dias trabalhados alegando ser dia santo, onde o
costume aqui imperava em detrimento da lei nas relações
entre senhores e cativos, se estes se aquilombavam em
torno de candomblés, isto demonstra a importância das
religiões de matriz africana como núcleo de manutenção
da cultura afro e nos faz refletir na importância
histórica que estas religiões têm na formação do povo
brasileiro.
Dar voz a estas manifestações negras e entender o
processo da formação do povo brasileiro nos aspectos da
superação da escravidão, requer antes de tudo, pensarmos
no protagonismo exercido pelos negros na luta pela sua
libertação e as estratégias empreendidas por estes.
Entendermos os locais, costumes, forma de resistir desta
população nos faça refletir e pensar que o legado
escravocrata nos legou danos irreparáveis, mas que é
possível olhar para traz e construirmos identidades que
não sejam pautadas na submissão. Que se possa entender
que o racismo presente em nossa sociedade de forma tão
interna, que às vezes não se pode nem enxergá-lo, é
fruto de uma experiência que se demorou a querer nos
deixar, mesmo com toda a resistência e estratégia de
enfrentamento da população negra.
Se a escravidão e seu consequente racismo nos deixou em
âmbito legal, permaneceu entranhado nas representações
culturais de nossa sociedade e na negação de aspectos da
cultura negra. O critério étnico não deveria existir
para se conceder empregos, forjar padrões de beleza e
nem tornar determinado segmento como padrão de
marginalidade e representação de selvageria, seja pela
suas praticas culturais (religião, dança, comida,
língua) ou pelo seu fenótipo. Mas este critério existe
de forma não declarada e as estatísticas de distribuição
de renda, empregos e representação nas mídias nos
apontam para tal fato. Pensar o dia da consciência negra
relegando o dia da abolição como marcos representativo
de uma cultura negra é fundamental se quisermos pensar
uma sociedade emancipada do pensamento racista. Para
tal, uma releitura da história da escravidão deve ser
feita para que se possa perceber que os escravos lutaram
pela sua emancipação e a população negra teve e tem hoje
representatividade e poder de decisão, merecendo assim
reparações quando considerarmos e conhecermos a historia
de luta deste povo.
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ABOLIÇÃO NO BRASIL: UMA ALEGORIA DO DESCASO
REFERÊNCIAS PARA LEITURA:
-
REIS, João José &
SILVA, Eduardo. Negociação e conflito:a
resistência negra no Brasil escravista.
-
REIS, João José. GOMES, Flávio dos Santos.
Liberdade por um fio: história dos quilombos no
Brasil.
-
BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia:
1870-1888.
(Texto do
Prof. André Araújo, da redação d'O Historiante)
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