Desenhos animados
e ensino de História, por uma didática diferenciada.
Prof. Pablo Michel
Magalhães
A utilização
de recursos alternativos em uma aula de História pode
proporcionar um enriquecimento bastante relevante na
aprendizagem dos alunos, além de tornar o assunto mais
atrativo e divertido. Em especial (e este é o tema
central desse breve artigo), os materiais audiovisuais
promovem uma boa dose de interatividade e significação
do conteúdo: não apenas falamos sobre algo, mas vemos,
ouvimos, debatemos sobre ele a partir de uma experiência
de espectador, ainda que distantes no espaço e no tempo.
Quando o
recurso escolhido se aproxima da realidade de cada
educando, a experiência torna-se ainda mais
significativa. Neste caso, não estamos apenas trazendo
um material audiovisual; estamos lidando com algo muito
corriqueiro no cotidiano dos alunos. Os desenhos
animados, por exemplo, podem constituir uma ótima
ferramenta pedagógica, desde que bem selecionados e
inseridos em um bom planejamento pedagógico.
Assim,
alguns fatores devem ser levados em consideração: 1)
Tempo de aula X tempo de duração do desenho: se o
intuito é promover uma reflexão e posterior debate, o
professor deve organizar seu tempo de aula e escolher um
desenho com uma duração que permita o papo, logo após,
com a turma; 2) Espaço físico: há aparelhagem
satisfatória (DVD, TV, computador, aparelho de som, etc)
para a exibição da animação? 3) Objetivo da aula X
conteúdo da animação: para o conteúdo em questão, a
animação escolhida se encaixa? É importante que sua
escolha busque privilegiar os pontos que serão abordados
nas atividades e trabalhos vindouros; 4) Planejamento
e apreciação prévia do recurso: não adianta assistir
a animação uma vez, achar legal e levar pra sala. É
preciso planejar, anotar os pontos fortes a serem
abordados no desenho animado, formular questões para
lançar à turma e familiarizar-se com as cenas contidas
na reprodução.
Tendo em
vista o acima proposto, vamos à sugestão.
Os estudos
sobre a 2ª Grande Guerra possuem fontes incontáveis.
Registros fotográficos, filmagens, áudios, documentos
(boa parte sequer chega às escolas, e os livros
didáticos acabam tiranizando a utilização dos
conteúdos). Além destes, há registros em desenhos
animados que podem servir como recursos elucidativos das
mentalidades da época. Na década de 1940, Hitler passou
de estadista admirado a ditador louco e famigerado nas
nações opositoras aos seus afãs expansionistas. Nos EUA,
em especial, uma onda anti-hitlerista tornou-se cada vez
mais latente. Seguindo essa corrente, Walt Disney,
desenhista e produtor mais conhecido pelos seus
personagens Mickey, Donald e Pateta, lançou algumas
animações que demonizavam e ridicularizavam a imagem da
Alemanha e do seu Führer e exaltavam o patriotismo
americano.
A primeira
animação selecionada trata-se de Der Fueher's Face, de 1943,
onde o personagem Donald acorda na Alemanha nazista (no
desenho, o nome do país foi alterado oportunamente para
"Nazilândia"), e tem de conviver com o modo de vista
deste país. A todo momento, ele é obrigado a proferir a
famosa saudação ao líder nazista (Heil Hitler!).
Na verdade, tudo em Nazilândia saúda Hitler: o galo que
canta, o relógio que desperta, a banda marcial, as
baionetas nervosas. Todos gritam Heil Hitler a
todo momento.
O café da
manhã de Donald é um caso à parte: temendo ser visto, o
pato tira do seu cofre o último grão de café e logo o
tranca; o pão tem que ser "serrado", tão duro que está.
Enquanto tenta mastigar o pedaço cortado, uma baioneta
exige que Donald aumente seus conhecimentos, dando-lhe o
livro Mein Kampf (obra dos tempos de cárcere de
Hitler e best seller na Alemanha nazista). Indo ao
trabalho, Donald é alertado que o "Führer precisa de
armas", e é obrigado a apertar os pinos de várias
bombas, dos mais variados tamanhos.
Enlouquecido
com tantas bombas para apertar, sem direito à férias, o
pato entra em parafuso, num transe com bombas com cara
de monstros, uma foto sua caracterizado como Hitler e
passarinhos presos em gaiolas. Ao acordar e notar ter
sido tudo um pesadelo, vestido em um pijama com cores da
bandeira americana, numa cama bem confortável, Donald
beija a miniatura da estátua da liberdade sobre a
cômoda, e agradece ser um cidadão dos Estados Unidos da
América.
Podemos ver
que o desenho possui vários elementos críticos e
caricaturais: a canção da banda marcial, que reduz o
povo alemão a simples receptor das leis do Führer; a
pobreza das casas alemãs (Donald mal consegue tomar
café); o ritmo de trabalho exaustivo; a presença de um
japonês na banda marcial (alusão à aliança com o país do
sol nascente durante a 2ª Guerra Mundial); por fim, o
"acordar" de um pesadelo, onde o Donald dá graças por
ser cidadão norte-americano. Um prato cheio para
discussão em sala de aula!
A segunda
animação trata-se de Education for Death, também
de 1943.Confira
abaixo:
A tentativa
deste desenho é mostrar, para um público
norte-americano, as atrocidades de uma "educação para a
morte", como é batizada a educação dos jovens para a
moral do partido nazista. Obviamente, o desenho ressalta
a ideologia dos seus produtores: quanto mais cruéis são
os nazistas,
mais violentos, melhor para o projeto de demonizar a
imagem alemã junto à sociedade estadunidense. (Ressalto
que não é nosso interesse relativizar a negatividade do
nazismo e suas concepções de superioridade e subjugação
das nações "inferiores"; Hitler e seus adeptos
correspondem a uma das páginas mais horríveis e
abomináveis da história da humanidade. Focamos na
produção do desenho e na carga ideológica anti-nazista
que ele possui).
O pequeno
Hans, uma criança pura, que tem pena do coelho na fábula
contada pelo professor nazista, é transformado em uma
máquina de guerra. Em vários momentos, alguns elementos
tidos como sagrados para a sociedade cristã (em especial
a estadunidense, para quem a animação é direcionada) são
"profanados" pela mão dos nazistas: o cristo crucificado
que vira um símbolo nazista; a bíblia que é transformada
no Mein Kampf; o vitral de uma igreja que é
despedaçado por uma pedra.
Ao final,
com as tropas marchando, a narração evidencia o ideal de
cidadão alemão que o nazismo procurava: não vê nada que
o partido não deixe (viseiras com suásticas aparecem);
não fala nada que o partido não queira (grandes
aparelhos aparecem no rosto, impedindo que falem); não
faz nada que o partido não abone (grilhões são postos
nos pescoços de cada soldado, fazendo com que todos
fiquem acorrentados uns nos outros).
Bom, vemos
que os dois desenhos animados correspondem a uma
ideologia específica: a supremacia estadunidense em
detrimento de uma Alemanha demonizada pelos nazistas. O
bom norte-americano, o mau alemão nazista, eis o
dualismo proposto.
Após a
exibição dos dois desenhos, o professor pode optar por
duas alternativas para atividades: 1) Propor um debate envolvendo toda a
turma, ora instigando por meio de questionamentos, ora
deixando que os próprios alunos formulem suas perguntas
e respostas; 2) Produção textual, que também é muito
importante, mas que perde um pouco as contribuições que
são construídas na discussão coletiva. Se o professor
conseguir aliar as duas alternativas, fica melhor ainda.
(Texto do Prof. Pablo
Michel Magalhães, da redação d'O Historiante).
CONFIRA TAMBÉM:
- Sobre as duas Grandes Guerras, é
indispensável que o professor tome como base os escritos de Eric J.
Hobsbawm, em especial o livro Era dos Extremos.
- A animação
Der Fueher's Face, com o pato Donald, ganhou o Academy Award de
1943 como melhor curta metragem.