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01/01/2014 - Como se constitui a relação entre historiador e documentos históricos?
Prof. Marcos Antônio Leite Lopes Filho
Especialista em História e Novas Tecnologias
Podemos nos perguntar como funciona o trabalho de um historiador e quais metodologias ele usa. Como os historiadores estudaram para narrar períodos históricos? Onde acharam fontes de pesquisa e como a descobriram? Abaixo vamos ver como se constitui um documento histórico e algumas fontes que contribuem para o exercício do historiador. Não é tarefa simples, mas vale a pena tentar descrever um processo tão complexo.
O que é um documento histórico e qual seu papel?
O documento histórico tem uma relação com o meio social, além de possuir uma determinada função histórica, representando um olhar da época que está sendo analisada e estudada. Dentro dessas entrelinhas, existem fatores que tornam um documento mais relevante que outro, dependendo em qual ótica está sendo analisado um momento histórico e qual seu objetivo. Algo parecido se dá com o valor documental atribuído a determinadas fontes, onde temos valores distintos entre colecionadores e historiadores. O que para um colecionador pode ter pouca importância, para o historiador pode ter valor inestimável. Dentro desses pormenores, existem aspectos distintos em valores materiais e imateriais.
Mas o que podemos encontrar em documentos: personagens famosos, de alto poder e de classes superiores, ou pessoas comuns, ordinárias? O documento não registra apenas alguém famoso, ele registra qualquer fato independente da relevância. A carreira de um personagem pode ser redimensionada dependendo do documento e qual analise será usada, independente do seu status.
Houve muita discussão em torno da relação entre historiador e documento. Durante muito tempo, existiu um grande equívoco a respeito das fontes históricas, muitos falavam que o documento falava por si só, era algo inquestionável e o historiador deveria apenas descrever sem questionar ou tentar problematizar as informações ali colhidas em sua pesquisa. Opiniões opostas tratavam do arbítrio total do historiador e a subjetividade na construção histórica como aspectos importantes para o historiador.
A partir da narrativa, o historiador reflete e problematiza aquilo que está escrito e deixa transparecer vários aspectos de cunho significativo. É interessante ver como se dá a importância do que é narrado no documento, através do trabalho historiográfico. Não se dá apenas pelo documento em si, e sim pelo contágio, traduzido aqui pela construção historiográfica sobre a fonte. Aquilo que é narrado, e aquilo que é problematizado, sintetizado, refletido, pelo historiador. Podemos afirmar que documentos criam importâncias, que contaminam outros documentos, que formam historiadores, que passam a buscar aqueles documentos com hipóteses prévias.
Podemos dizer que um documento histórico pode ser qualquer fonte sobre o passado, analisado a partir do presente usando a subjetividade.
Inventário, uma possibilidade de pesquisa
A respeito das fontes, existem vários tipos que o historiador pode usar em sua pesquisa. Vamos citar o inventário. Inventário, que trata da partilha dos bens de um individuo, ainda em vida, e inventário post-mortem, que trata da partilha dos bens quando o individuo falece.
O inventário post-mortem é o registro oficial do patrimônio deixado pelo falecido. De grande importância para a pesquisa, ele geralmente contem: relação de herdeiros, despachos de juízes, avaliação de bens e móveis, partilhas, termo de curadoria, mandados, precatórios e etc.
Dentro de tantas características, o inventário tornou-se uma fonte potencial de pesquisa em várias áreas. Ele é usado constantemente em várias linhas de pesquisas e a partir desses estudos várias questões podem ser abordadas por várias óticas. Essas linhas de pesquisas são infindáveis fontes históricas, foram consequências do surgimento da Escola do Annales. A história tradicional narrava constantemente histórias de guerras e políticas que aos poucos perderam espaço, onde o historiador começava a problematizar deixando de lado concepções positivistas, resultando em um novo olhar para fontes históricas. Dentro dessa linha, o fazer do historiador passou por uma grande mudança e um leque de possibilidades surgiu.
Testamentos e inventários como fontes de pesquisas
Os testamentos e inventários são importantes para o historiador, seus estudos podem abordar vários aspectos, tais como: valores de uma sociedade, vestimentas, mobília, etc. Essas possibilidades são de extrema importância tanto para os historiadores, quanto para a sociedade.
Vale salientar que para escolher fontes como inventários e testamentos é preciso tomar cuidado. Acontecem muitas distorções nas informações. A exemplo disto são os inventários onde informações eram alteradas, por causas que requerem atenção e perspicácia por parte do pesquisador.
A Prof.ª Maria Helena Ochi Flexor fez um estudo bastante interessante a respeito dos inventários e testamentos. Ela tratou a importância e o uso destes como fontes de pesquisas históricas. Nesse estudo ela cita como exemplo dados colhidos nos inventários e testamentos do século XVII e metade do XIX. O assunto trata sobre o mobiliário baiano, baseando-se nas descrições em cerca de 2.000 processos, totalizando 14.800 móveis. Uma fonte enorme, com listagem especifica, tipo de móvel, tamanho, medidas, conservação entre outras especificações.
Dentro desse estudo, pode-se afirmar que:
· o número de móveis, no século XVIII, era muito reduzido, para não dizer reduzidíssimo. A maior parte das casas não tinha cama, armários e se usava sobre chão batido;
· usava-se móveis de estilos diferentes num mesmo cômodo ou em toda casa;
· o móvel de guardar mais comum eram as caixas. Serviam para abrigar desde farinha de guerra até roupas, jóias, louças etc.
· as madeiras mais usadas, e em iguais proporções, foram o jacarandá e o vinhático;
· para estar de acordo com a moda, os que não podiam substituir os móveis antigos por novos, adaptavam-no ás inovações, como, por exemplo, pintando os móveis de branco e dourando as partes entalhadas
Aqui, vemos um ótimo exemplo de como esta fonte pôde contribuir potencialmente em uma pesquisa histórica. Nesse caso específico, o estudo se deu com intuito de conhecer a mobília em determinado período, a partir desses estudos surgiram vários aspectos que foram discriminados em vários tópicos.
Em síntese podemos observar que o ofício do historiador não é o mais simples. Muitas vezes, fazer o papel de detetive, analisar, confrontar fontes, faz do seu dia a dia um universo cheio de possibilidades a serem exploradas. Ser historiador é isso, contribuir para a sociedade realizando um papel de extrema importância que continua sendo pouco valorizado por muitos.