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02/06/2013 - Mito ou verdade: Os cemitérios sempre foram a última parada para os mortos?

 

Prof.ª Joyce Oliveira Pereira

Licenciada em História - UFMA

 

No Império Romano, era comum a prática de cremação dos mortos, mas foi durante a difusão do Cristianismo que se iniciou a prática de enterramento. Os defuntos cristãos eram destinados às catacumbas em cemitérios coletivos a fim de atender às grandes comunidades cristãs primitivas. Geralmente, esses cemitérios se localizavam fora das cidades.

Catacumba Cristã

Durante a Idade Média (séculos V-XV), mais precisamente a partir do século VIII da Era Cristã, mudou-se a maneira de enterrar os mortos. Os cemitérios não eram mais afastadosdos núcleos urbanos, e os mortos passaram a ser sepultados em volta das igrejas ou no interior destas, pois se acreditava que, ao estarem sepultados próximos dos túmulos dos santos ou das suas relíquias, seria mais fácil e rápido o processo de “passagem” e a salvação da alma. Assim, a Igreja ficou responsável pelos enterros até o século XVIII. Entretanto, apenas os mais abastados socialmente tinham acesso ao enterramento dentro das igrejas; aos menos favorecidos, restavam os arredores do templo eclesiástico.

Cemitério Medieval

No Brasil, esta prática de sepultamento em igrejas/capelas veio juntamente com a colonização portuguesa. Nos santuários, quanto mais próximo o defunto estivesse enterrado do altar e dos santos, mais caro era o preço a ser pago. Os esqueletos eram removidos ao longo dos anos para garantir o espaço aos outros, e quem quisesse garantir sua sepultura perpétua tinha que dispor de grandes doações. A área externa das igrejas era destinada ao sepultamento de trabalhadores escravos e de brancos pobres. As irmandades religiosas tiveram papel fundamental para esta prática, porque sepultavam os pertencentes ao grupo e também porque praticavam caridade, enterrando que não podia pagar pelo túmulo (pobres ou indigentes).

Mas, ao longo do século XIX, o Estado começou a impor a organização do espaço urbano, procurando tornar as cidades e as pessoas mais “sadias e higienizadas”. Este processo se iniciou na Europa, onde temos, a exemplo, as reformas urbanas de Paris e Londres, que criaram novos espaços nas cidades, com avenidas amplas que permitiam a circulação do ar (neste período histórico, a medicina pregava que a contaminação do ar eram um dos fatores essenciais para o surgimento das doenças). Estas mudanças também afetaram a população, desde os locais onde deveriam habitar, à maneira de como fariam os enterramentos dos mortos.

O boulevard de Henri IV, durante as reformas e atualmente.

 

Como neste período histórico ocorriam sucessivas epidemias no Brasil Império, devido ao desconhecimento de medidas de higiene e limpeza preventivas e das verdadeiras causas das doenças, os médicos do século XIX defendiam que o acúmulo de mortos num mesmo local (a igreja/capela) criava miasmas morbíficos (vapores provenientes da decomposição dos cadáveres) que causavam as doenças. Assim, estes intelectuais defenderam a mudança do sepultamento dos mortos para os cemitérios que deviam ficar localizados fora das cidades e contra as correntes de vento (para que os vapores causadores das doenças não viessem para as cidades). Aqui, este processo civilizador ocorreu principalmente através dos Códigos de Posturas Municipais, que eram os conjuntos de leis de cada cidade que versavam sobre permissão/proibição de hábitos cotidianos, vendas de produtos,construção das casas, despejo do lixo, o enterrramento dos mortos, e outros.

 

Grandes epidemias de febre amarela, varíola, cólera, disenteria eram comuns no século XIX.

 

Mas, não devemos pensar que população aceitou estas imposições por parte do poder imperial. Apesar de o pensamento científico ter se tornado importante no século XIX, ainda no imaginário coletivo, era primordial o enterramento na igreja, para que a alma fosse salva. Um exemplo disso foi a Cemiterada que ocorreu em Salvador: em 25 de outubro de 1836, adeptos das irmandades saíram em passeata do centro da cidade, levando machados, alavancas, e derrubaram a maior parte do muro dianteiro do cemitério recém-inaugurado, demolindo quase toda a capela ali construída, e destruíram tudo mais que encontraram pela frente.

 

Simulação da Revolta da Cemiterada na Bahia

 

O interessante desta polêmica é que, apesar das leis que proibiam o enterramento nas igrejas, eles continuaram a ser feitos. Inclusive aqui no Maranhão, o Presidente de Província que fez a proibição após a sua morte foi enterrado na Catedral Metropolitana. Contudo, para isso, foi lavrada uma lei especial para que ele pudesse descansar em paz.

 

 

 

 

Lápide do Presidente da Província do Maranhão, Eduardo Olímpio Machado na Catedral Metropolitana. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.