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A presença jesuítica e sua influência sobre a economia maranhense provocaram uma revolta que extrapolou, inclusive, os limites da fé.

Trajetorias femininas na Primeira Republica.

Prof.ª Aline Aguiar Cerqueira dos Santos

Mestre em História - UEFS

 

No Brasil, desde o século XIX, as mulheres já se mobilizavam por seus direitos, só que até então, eram atitudes isoladas sem caráter do movimento. É no início do século XX que o movimento feminista ganha forma, influenciado por tendências americanas e européias, mas, é claro, fruto de uma sociedade que se modifica por seus sujeitos, que, no caso das mulheres, através do uso da imprensa e de diversos atos públicos reivindicavam para si parte de História.

Em 1910, um grupo de mulheres inconformadas com a negação ao voto feminino pela Constituinte, liderados pela professora Leolinda Daltro e a poetisa Ghilka Machado resolveram fundar os direitos políticos. Sobre isto, Celi Pinto afirma que era uma atitude ousada, a postura de criar um partido, já que este significava a representação política de um interesse de determinado grupo.

 

Entre alguns aspectos do regimento do Partido Republicano Feminino estavam o exercício da cidadania no âmbito político e no trabalho, e o combate por meio da imprensa a ruas da Cidade do Rio de Janeiro, com a participação de 90 mulheres, o que para a sociedade da época foi um enfrentamento a moral estabelecida, visto que a circulação feminina em vias públicas era restringida. Ao final da década de 1910, o partido desaparece, mas deixou o legado dessas mobilizações que por via da imprensa e das manifestações públicas indicavam o caminho para as próximas mobilizações femininas.

É a partir do movimento empreendido por Bertha Lutz que o movimento feminista ganha força na luta pelos direitos institucionais das mulheres. Este movimento denominado por Celi Pinto como feminismo bem comportado criou a FBPF – Federação Brasileira para o Progresso Feminino, isto no início da década de 1920, em que através de articulações da Federação foram desenvolvidas estratégias para pressionar as autoridades políticas e para mobilizar a opinião em relação à demanda da cidadania feminina. No entanto, este movimento não produziu contestações radicais as assimétricas relações de gêneros que continuavam como permanências históricas na sociedade brasileira, além de não darem conta da demanda dos outros grupos femininos, posto que o mesmo era feito por mulheres de elite, não contemplado assim as mulheres pobres, porém isso não tira o valor e a importância que a FBPF teve em abrir caminhos a outras possibilidades para o movimento feminista.

Outras mulheres que sem ter vínculos com a FBPF reivindicavam direitos em seus estados e até se envolviam em movimentos contra as oligarquias regionais, como é o caso de Elvira Komel que na Revolução de 1930 criou em Minas Gerais o “Batalhão Feminino João Pessoa”, alistando 8.000 mulheres que trabalharam na retaguarda do movimento ‘revolucionário’.

Essas mobilizações explicitadas até aqui representam um sintoma de que os papeis sócio-políticos da época necessitavam ser revistos, e que essa sociedade republicana com políticas modernizadoras e, mais ainda, reproduzido alguns traços monarquista, gestava várias implicações que se apresentavam: seja no campo político (as oligarquias / fraudes eleitorais); no econômico (industrialização / especialização do trabalho / imigração de estrangeiros); sócio-cultural (europeização de comportamentos / marginalização de práticas populares / resistências classes populares).

Outras Trajetórias importantes de serem analisadas foi a luta empreendida por mulheres pertencentes a vários setores (intelectuais, anarquistas, operárias), que para além dos direitos políticos, exigiam o direito a educação, começavam a contestar as relações de gênero, bem como as questões referentes às precárias condições de trabalho, isto bem presente no movimento anarquista e no Partido Comunista Brasileiro.

Das muitas mulheres envolvidas com o movimento anarquista, a maioria eram da classe operária e intelectuais de esquerda, que já atentavam sobre a questão das desigualdades presentes nas relações de trabalho, principalmente nas fábricas. Um instrumento das manifestações anarquista feminista eram os jornais, que desde 1906, divulgavam os manifestos escritos por operários da indústria têxtil, no qual expressavam as precárias condições de trabalho. Em um desses manifesto publicado em 1906, no jornal A Terra Livre, transparecia as preocupações dessas mulheres com a jornada de trabalho e a educação, pois de acordo com texto do manifesto era necessário reduzir a jornada de trabalho para possibilitar momento de instrução para a classe trabalhadora.

Portanto, a imprensa se constituía no lócus no qual essas mulheres davam voz a suas solicitações e demandas, como afirma Márcia Maria Leite “são os textos redigidos pelas mãos femininas que se confirmam vontades, inspirações e vocações”. Além dos jornais, panfletos existiam publicações de revistas, então não há como negar que o processo de transformação empreendido pela política republicana imprimia na sociedade situações de conflitos, que por sua vez a população procurava responder as diversas pressões, como foi o caso das mulheres.

Conforme afirma Giselle Venancio, no período da Primeira República, aconteceram várias tentativas de regulamentação de trabalho, em especial o feminino, ou seja, neste momento a questão dos embates entre trabalhadores e patrões estava posta, e as operárias faziam parte desse conflito. Surgem as associações patronais no sentido de intermediar os assuntos trabalhistas bem como os sindicatos, que de acordo com Mario Augusto Santos “o cooperativismo e o mutualismo eram vistos como solução para males da questão social por alguns membros da classe dominante e por indivíduos egressos dos próprios grupos de trabalhadores”.  Algumas mudanças foram implementadas como frutos da organização operária que promovia ondas grevistas, que reivindicaram a jornada de oito horas, normatização do trabalho feminino, entre outras solicitações. Nas décadas de 1910 e 1920 continuaram as discussões no âmbito político referente à criação de um Código do Trabalho, o trabalho feminino e outras questões.

As posiões sobre o trabalho feminino eram variadas, alguns eram contra ao trabalho que não fosse aquele da esfera doméstica, e diante do crescimento das mesmas no mercado de trabalho, algumas leis que aparentemente definiam o trabalho feminino, mascarava o desejo de limitar esse crescimento. Outros julgavam que a participação da mulher no mundo do trabalho deveria ser valorizada, por romper, em parte, com a submissão ao homem, além de possibilitar a participação feminina no movimento operário o que resultaria em conquistar outras reivindicações ainda não atendidas.

Outras trabalhadoras merecem ter suas trajetórias contadas, são as mulheres que resistiam em atividades autônomas, como domésticas, lavadeiras, vendedoras de doces e quitutes entre outros produtos, costureiras, enfim essas mulheres pobres em sua maioria negras resistiam as precárias condições de vida, para garantir a sua sobrevivência e a dos seus filhos. Essas mulheres no processo de modernização e urbanização republicana foram oprimidas e mais umas das vítimas das políticas de higiene social, que as classes dominantes eram as mandatárias. No entanto, essas trabalhadoras na luta cotidiana resistiam através de suas práticas sócio-culturais e na apropriação de elementos que essa classe impunha a sociedade.

Enfim, as diversas trajetórias femininas na Primeira República constituíram na sociedade brasileira transformações, que trouxeram a tona embates sobre a condição feminina nas diversas dimensões, reivindicando voz e espaço na esfera pública. Os conflitos estabelecidos tanto nos movimentos organizados (mobilizações feministas/anarquismo/greves), quanto nas resistências individuais cotidianas, demonstram que essas mulheres, não devem ser vistas apenas pela ótica da vitimação que algumas correntes de um feminismo com aspecto mais tradicional outrora defendiam, há que se pensar essas mulheres na perspectiva de sujeitos construtoras de suas histórias, que mediante a suas experiências no contexto de uma sociedade patriarcal, lutavam por direito de se emanciparem, de seres reconhecidas enquanto cidadãs.

 

REFERÊNCIAS

PINTO, Celi Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

SANTOS, Mario Augusto da Silva. A República do Povo: sobrevivência e Tensão – Salvador, (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2001.

VENANCIO, Giselle Martins. Lugar de Mulher é ... na Fábrica: Estado e Trabalho Feminino no Brasil (1910-1934). In: Hsitória Questões e Debates. Curitiba: Editora da UFRP, 2001.