23/03/2013
O Projeto da Companhia de Jesus nas terras brasileiras e
sua opção pela educação Indígena
Prof. Carl Lima
Europa do século XVI, período tumultuado, marcado pela
transição de uma Idade Média para uma moderna, síntese
do velho com o novo, novos costumes, novos modos de
pensar, sentir e agir. É a época em que se torna mais
proeminente o confronto de concepções de uma sociedade
feudal e de uma pré-capitalista. A feudal, com sua
hierarquia bem definida, o seu modo de produção
autossuficiente e, de modo mais significativo, a força
de uma instituição que se fortaleceu e se manteve como
sendo a única hegemônica em todo o período: Igreja
Católica. Do outro lado, uma sociedade recente, com
multiplicidade de relações, na qual o “sangue azul” não
fazia mais tanta diferença, baseada na busca do lucro e
na acumulação de metais, disseminando as trocas e regida
de maneira incisiva por uma nova concepção de
relacionamento com o mundo, emanada pelo racionalismo e
pelo humanismo. É o momento em que os grandes cientistas
(Nicolau Copérnico, John Kepler, Leonardo da Vinci,
Galileu Galilei) ganham respaldo na explicação dos
fenômenos naturais.
Desse contexto, duas conseqüências são imprescindíveis
para entendermos o tema que será abordado aqui: Primeiro, ao
desenvolver a ciência (invenção da bússola,
desenvolvimento da indústria marítima, aperfeiçoamento
da astronomia) bem como a necessidade de novos mercados
consumidores e de matéria prima e para, além disso, o
bloqueio imposto pelos árabes no mediterrâneo, apontou a
Europa para o movimento das Grandes navegações. Segundo, a
crise que se abate sob a Igreja Católica no século em
questão, além da já dita nova concepção de mundo
(racionalista e humanista) a reforma feita por Martinho
Lutero (1517) e consumada por João Calvino, veio
fortalecer e mostrar o colapso daquela “Igreja Medieval”
e florescer a necessidade de mudanças e de funcionamento
para adequar-se à nova sociedade.
Nesta perspectiva, e com esse contexto, são
disponibilizados por parte da Cúria Romana alguns
instrumentos: Tribunal da Inquisição, Índex, Concílio
de Trento e a tão destacável Companhia de Jesus. Formando,
assim, o movimento de Reforma ou Contra reforma
católica.
Com as Grandes Navegações, a consequente dominação e
aparecimento do Brasil para o cenário europeu, e a
Companhia de Jesus enquanto destacável instrumento da
Reforma católica é necessário apresentar o tema deste
artigo: a opção dos jesuítas pela catequese dos índios
na terra “brasilis”.
Antes de optar pelas missões (em terras descobertas) é
lícito caracterizar a opção dos Jesuítas pela educação,
muito embora não possa deixar de ser frisada a
preferência inicial por uma educação voltada para as
elites. Conforme o historiador Egídio Schimtz, uma das
objeções que se faz à primitiva Companhia é que não
teria dedicado à educação dos mais pobres ou a educação
popular, escolha essa que pode ser vista como uma
contradição, quando tomamos por base os ensinamentos
estabelecidos por Ignácio de Loyola, fundador da ordem,
em sua obra “Formula Instituti” que
estipulava como principio básico, a educação religiosa
para crianças e dos analfabetos.
Tendo sido escolhido o público a quem seria dirigida a
educação jesuítica Inaciana – elite adolescente – e,
concomitantemente, para o nível secundário e superior,
nada mais natural que a criação e disseminação de
colégios mistos (para jovens leigos ou para candidatos à
ordem) sendo o primeiro deles o de Messina (Itália,
1548) apenas oito anos após a aprovação da ordem. Esses
Colégios diferiam dos então existentes, menos pelo
currículo do
que pela prevalência de uma preocupação com a educação
moral do indivíduo. Todas as ações dos Jesuítas estavam
baseadas no lema: “Omnia ad Maiorem Dei Gloriam”, “Tudo
para a maior glória de Deus”.
A chegada da Companhia de Jesus em solo brasileiro
ocorre em 1549, junto com Tomé de Souza, primeiro
governador geral, fato que por si só nos dá subsídios
que confirmam a opção dos jesuítas pela catequese dos
índios, podendo ser fortalecido através do teor de um
documento assinado pelo então rei de Portugal D. João
III, que ficou conhecido historicamente como regimento
de Tomé de Souza: “O principal por que se manda povoar o
Brasil é a redução do gentio à fé católica” (trecho do
regimento).
Mesmo os Jesuítas dando continuidade na terra nova ao
processo de fundação de centros de educação mista
(colégios) que seriam responsáveis pela instrução dos
filhos de donatários, senhores de engenho e militares,
ou seja, da incipiente elite, nota-se a sua preferência
na evangelização dos ameríndios. Para o pesquisador
Máxime Haubert, as primeiras ações dos jesuítas no
Brasil foram: cuidar dos doentes, fundar escolas,
percorrer as ruas carregando cruz e introduzir o canto e
a catequese aos índios para fortalecer as doutrinas
cristãs.
Para facilitar o processo de catequese e educação, o
padre Manuel da Nóbrega (responsável pela companhia de
Jesus no Brasil) aconselhou aos companheiros a repressão
implacável dos costumes intolerantes realizados pelos
gentios, bem como a concentração dos mesmos em
aldeamentos organizados. As tarefas da Companhia de
Jesus foram marcadas pelas dificuldades de todas as
espécies, que iriam desde o não apoio dos colonos a essa
catequese, pois viam os índios como selvagens e prontos
para a escravidão, passando pela dificuldade lingüística
no estender e no falar os diversos dialetos existentes;
chegando a dificuldade de deslocamento e penetração para
o interior do território; sem contar a violência e os
atos de antropofagia de algumas comunidades. O
enfrentamento das dificuldades era amparado por um
ensinamento na formação dos jesuítas: “ficar no mundo
servindo o próximo, mesmo com a incerteza da salvação”.
O devotamento na catequese indígena era assegurado pela
crença que os Jesuítas tinham em relação à origem desses
povos. Para Simão de Vasconcelos, um dos principais
teólogos e intelectual da Ordem, os nativos descenderam
de uma ilha denominada “Atlante”, que ficava localizada
próximo ao Mar Mediterrâneo e que se destacava por ser
uma das civilizações mais avançadas política, social e
economicamente. No entanto, essa foi inundada por águas
do oceano, forçando seus habitantes a migrarem para
terras desconhecidas. Dessa forma, as “bestas feras” do
novo mundo tinham algum grau de parentesco com os
Europeus. Essa concepção da origem dos indígenas, com
certeza, contribuiu para maiores esforços dos Padres,
pois nessa lógica Ameríndios e Europeus em nada
diferiam, uma vez que foram forjados por um único
criador, portanto, possuíam a mesma capacidade cognitiva
e de crença. Sendo assim, a missão maior seria
desenvolver estratégias que ajudassem na diminuição e,
se possível, aniquilação dos vícios degenerativos que os
gentios sofreram ao longo dos séculos de isolamentos e
de aproximação com Satã e outras forças malignas. Em
suma, a base dessas estratégias ficou por conta da
propalada “Catequese”, que teria, antes de qualquer
coisa, um sentido natural/humanista, e sua realização
plena iria contribuir para recolocar os Povos Indígenas
na rota da humanidade.
Uma pergunta se faz oportuna: quais foram os métodos
utilizados para conseguir o sucesso da catequese? Os
métodos variavam de região para região, no entanto,
podemos apontar alguns que teriam certa recorrência: uso
de presentinhos pra facilitar o contato, a destruição de
comunidades para forçar uma perda de autonomia e, com
isso, facilitar o aldeamento em missões, adoção de
jovens indígenas para mediar contatos com outros povos e
com isso proporcionar o estudo da variação lingüística
nativa.
A perspectiva adotada neste trabalho nos evidencia a
opção dos Jesuítas pelos indígenas. Mais uma
interrogação se apresenta: o porquê desta opção? Além da
já falada origem em comum – da mítica Atlante -, a
resposta gira em torno do Projeto colonial português.
Para isso, a historiografia desenvolveu a tese da
associação direta da Congregação com a Monarquia
portuguesa. Mesmo que essa idéia não possa ser tomada
por completo, não podemos negar a proximidade que a
Companhia tinha com o rei de Portugal, D.João III, sendo
considerado, inclusive por Ignácio de Loyola, como o
verdadeiro patrono da ordem. Mesmo com essa aproximação
formal e com objetivos comuns, não podemos desconsiderar
também, os problemas ocorridos na relação entre os
padres e os colonos em quase todo o território,
especificamente a partir do momento que a alta cúpula da
Ordem optou por ser contrária à escravidão indígena da
forma estabelecida pelos senhores. Dessa maneira,
podemos afirmar que as principais contribuições da ordem
para o processo de colonização ficam por conta do
apaziguamento do ambiente, bem como no controle dos
costumes tidos como intoleráveis e na tentativa de
aproximar a cultura indígena da européia, tida como
perfeita e correta, num claro processo de aculturação
hegemônica. Em face disso, a principal tarefa do
missionário seria levar os índios a uma vida regular,
contrária a seus instintos nômades, de educá-los ao
trabalho contínuo, algo que, aos olhos da alteridade
européia, poderia ser refutada por eles, e o de vencerem
a sua indiferença ante a necessidade da própria vida.
Por fim, não podemos negar que o interesse dos Jesuítas
pelos indígenas deixou marcas profundas nas comunidades.
Mesmo defendendo-os das mãos dos colonizadores
escravistas, a Companhia de Jesus através de suas
interferências contribuiu de maneira ampla para
descaracterização da identidade dos gentios, algo
visível, atualmente. Parece-nos que a preocupação
desses “guerreiros da fé” esteve sempre voltada para as
benesses da própria Ordem e para cumprimento de uma
profecia que trilhava o ideal de “quanto mais difícil
fosse e mais dificuldade encontrasse” demonstrariam o
nível de abnegação e renúncia, característica primordial
e diferencial da Companhia de Jesus.
(Texto do prof. Carl Lima, da redação d'O
Historiante)
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