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O que foi a Revolução de 1930?
Prof. Pablo Michel Magalhães
Licenciatura plena em História - UPE
Especialista em Docência da Filosofia - UCAM
Mestre em História - UEFS
Na década de 1920, durante os governos de Epitácio Pessoa (1919 – 1922), Artur Bernardes (1922 – 1926) e Washington Luís (1926 – 1930), o país conviveu com alguns episódios dentro do movimento conhecido como Tenentismo:
- Duas revoltas tenentistas: em 1922, os 18 do forte de Copacabana, e em 1924, a revolta tenentista em São Paulo.
- Além destas, a famosa Coluna Miguel Costa-Prestes, entre 1925-1927, percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do país até chegar na Bolívia, com o ideal de mobilizar as massas para uma revolução, lançando Luís Carlos Prestes como o “Cavaleiro da Esperança”.
Estes eventos expunham o descontentamento de determinados setores da sociedade, em destaque os tenentes do exército brasileiro, em relação à política nacional praticada até então.
Que política era essa? A tal política do “Café com Leite”. Para entendê-la, vamos fazer uma observação sobre a economia do Brasil nos anos 1920: - 70% das exportações brasileiras consistiam em Café, e o principal comprador eram os EUA. A industrialização, apesar de um relativo crescimento, ainda era pequena para as proporções nacionais.
No ano de 1929, de acordo com o Historiador Bóris Fausto, o Rio de Janeiro (na época Distrito Federal do país), contava com 1.937 fábricas, empregando 93.525 operários. São Paulo, o centro industrial do país, contava com 6.923 fábricas, empregando 148.376 operários. Predominância da indústria têxtil e alimentar. O valor da produção industrial era inferior à da produção agrícola. Logo, os fazendeiros, grandes latifundiários, detinham o poder econômico e, também, o político. Em especial, cafeicultores e criadores de gado. Daí a alegoria “Café com Leite”.
Nessa política, os grupos políticos de São Paulo (café) e Minas Gerais (leite) se alternavam no poder, indicando o sucessor à presidência (que não seria, necessariamente, um mineiro ou um paulista, mas pessoas envolvidas nesse jogo político). No entanto, Washington Luís, ao invés de indicar o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ou mesmo seu vice o mineiro Fernando de Melo Viana, para sucedê-lo na presidência do país, resolveu apoiar um paulista, Júlio Prestes, o que causou tensão na relação café/leite.
Antônio Carlos, líder do grupo político mineiro, lançou uma proposta conciliatória: um gaúcho, Getúlio Vargas, seria o indicado, ficando os dois grupos teoricamente de fora: “Nem você, nem eu”, mas ambos. Washington Luís, entretanto, manteve Júlio Prestes como indicado, após consulta aos presidentes dos estados. Na época tendo um total de 20, 17 estados apoiavam Júlio. Apenas 3 se opuseram: Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estes estados descontentes formaram a Aliança Liberal, em oposição a Júlio Prestes e a favor de Getúlio Vargas. Também faziam parte grupos políticos de oposição de vários estados, inclusive do próprio Estado de São Paulo.
As eleições foram realizadas no dia 1º de março de 1930 e, como esperado, o candidato indicado pelo presidente venceu. Júlio Prestes, chamado pela imprensa de “Candidato Nacional”, recebeu 1.091.709, enquanto Getúlio Vargas recebeu 742.797. Imediatamente, a Aliança Liberal reclamou de fraude no pleito eleitoral. Num sistema eleitoral baseado no voto de cabresto, onde muitos eram coagidos a votar no candidato determinado por um coronel, patrão ou demais personagens influentes, fraudes eleitorais eram coisas corriqueiras e “normais”.
Ânimos exaltados, articulações começaram a ser feitas. O movimento tenentista, como já dissemos no início, havia mostrado sua cara em revoltas anteriores. Personagens como Siqueira Campos, Luís Carlos Prestes (posteriormente, líder do PCB) e Juarez Távora apareceram como principais opositores, sendo Vargas o personagem mais destacado.
No entanto, ainda que conspirações começassem a ser criadas e tomassem força, foi um assassinato em Recife que desencadeou o processo que culminaria na chamada “Revolução de 1930”. O motivo não estava ligado às eleições para presidente.
O candidato a vice na chapa de Getúlio, João Pessoa, era presidente do Estado da Paraíba. Durante seu breve governo (1928 – 1930), João Pessoa adotou medidas para sanear as dívidas do Estado. A principal iniciativa foi tributar as movimentações comerciais entre a Paraíba e o porto de Recife, que até então eram livres de taxas. Isso gerou descontentamento entre os produtores rurais paraibanos, em especial José Pereira de Lima, coronel e chefe político da cidade de Princesa. O embate político entre José Pereira de Lima e João Pessoa foi inevitável. De um lado, João Pessoa atuou no combate aos interesses das oligarquias paraibanas; por outro lado, foi um perseguidor feroz de seus adversários. O jornalista João Dantas, que era aliado do coronel José Pereira de Lima, foi um desses perseguidos.
Dantas e Pessoa brigavam de forma aberta, com ataques pessoais veiculados em jornais. Um dia, Pessoa ordenou uma invasão ao escritório de João Dantas. Lá, ao arrombar um cofre, os policiais encontraram cartas íntimas, trocadas pelo Dantas e por sua amante, a intelectual e poetisa Anaíde Beiriz. O jornal A União, ligado ao governo de João Pessoa, passou a divulgar insinuações sobre o conteúdo destas cartas, divulgando-as dias depois. O intuito era atingir algo muito caro para a sociedade nordestina ainda no início do século XX: a honra.
Dantas, transtornado com as ações de Pessoa e com a moral abalada, no dia 26 de julho de 1930, entrou na Confeitaria da Glória, na cidade do Recife, armado. Na primeira oportunidade, disparou 5 tiros, matando João Pessoa. João Dantas foi atingido pelo motorista de Pessoa e a polícia o prendeu (ele e o cunhado, que também estava presente). Ambos foram chacinados na Casa de detenção. A versão oficial diz que os dois se suicidaram.
A morte de João Pessoa foi tomada pelos políticos da Aliança Liberal de forma bastante oportunista. O presidente morto da Paraíba foi transformado em mártir da revolução que queriam por em curso.
E não deu outra: em 3 de outubro, sob a liderança civil de Vargas e a chefia militar do tenente-coronel Góes Monteiro, começaram as diversas ações militares. Simultaneamente, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no Nordeste. Com a ocupação de capitais estratégicas como Porto Alegre e Belo Horizonte e de diversas cidades do Nordeste, e com o deslocamento das forças revolucionárias gaúchas em direção a São Paulo, o presidente Washington Luís recebeu um ultimato de um grupo de oficiais-generais: a renúncia do presidente. Washington Luís não aceitou e os militares determinaram sua prisão e o cerco ao palácio Guanabara, no dia 24 de outubro de 1930. Foi formada uma Junta Provisória de governo, composta pelos generais Tasso Fragoso, João de Deus Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha.
A Junta decidiu transmitir o poder a Getúlio Vargas, tendo em vista o contexto político do momento. Num gesto simbólico que representou a tomada do poder, os revolucionários gaúchos, chegando ao Rio, amarraram seus cavalos no Obelisco da avenida Rio Branco. Em 3 de novembro chegava ao fim a Primeira República e começava um novo período da história política brasileira, com Getúlio Vargas à frente do Governo Provisório. Era o início da Era Vargas.
Seria a Revolução de 1930 a tomada de poder da burguesia industrial, fortalecida, derrotando assim a velha oligarquia burguesa cafeeira?
Não. Apesar dos atritos, o setor industrial e o setor agrário possuíam uma complementaridade, uma vez que ambos estavam sob o domínio da burguesia cafeeira. Com a quebra da bolsa, em 1929, e a grande depressão mundial, o governo Washington Luís utilizou o argumento de prevenir o desequilíbrio contábil e a inflação, comprando várias sacas de café e queimando-as. A atitude reduziu a oferta e equilibrou o preço, mas muitos cafeicultores quebraram ou migraram de setor, investindo, por exemplo, no setor industrial.
Seria a Revolução de 1930 uma revolução burguesa ou de classes médias?
Também não. As classes médias também comungavam com ideais da elite cafeeira.
Primeiro, vamos definir o conceito de classes médias, de acordo com Bóris Fausto: O conceito é sinônimo de população civil urbana, que trabalha por conta própria ou que recebe salários por trabalho não manual, abrangendo os pequenos empresários e comerciantes, funcionários públicos, empregados no comércio, profissionais liberais.
O tenentismo estava distante das camadas populares, e até mesmo pode ser considerado elitista. Seus integrantes eram a favor de eleições indiretas, pelo Congresso Nacional; nacionalistas, eram críticos às relações entre EUA e Brasil.
É preciso lembrar que, logo no início de tudo isso, o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, professou uma frase mística e bem reveladora dos ideais da Aliança Liberal - "façamos a revolução antes que o povo a faça".