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11/07/2013 - Vamos rir, então!?
Prof.ª Aline Martins dos Santos
Licenciatura em História - UFRRJ
Especialização em História Contemporânea - UFF
Mestrado em História Social - UFF
“... Alguns se evadem sonhando com futuros ilusórios que jamais verão. Outros passam o tempo guerreando. Outros ainda se suicidam dizendo que, se soubessem, não teriam vindo. A maioria, que não tem a coragem de abrir caminho, depois de ter sido empurrada durante a existência, prolonga sua velhice esperando ser empurrada para o nada. Muitos, enfim, diante dessa enorme "cânula cósmica", como a chama Alvin Toffler, preferem rir”. George Minois
O riso é uma poderosa ferramenta de socialização entre os homens, capaz de derrubar convenções e driblar as agruras do dia-a-dia, serve ao mesmo tempo para afirmar e para subverter. Alguns acreditam até mesmo que cura muitos dos males humanos. Ele não tem idade, nem pátria, é uma linguagem universal. O humor, por sua vez, é praticamente um fenômeno isolado. Apresentando-se como uma característica redimensionadora e reflexiva do mundo social, o humor constitui um lugar privilegiado para se observar não apenas os diferentes fatores que entram em jogo no processo de comunicação, mas também as premissas culturais que definem e orientam os comportamentos e as formas de interação revelando o “estranhamento” antropológico do riso quando nos visualizamos na situação retratada. Ele pode variar muito no tempo ou no espaço e revelar as mentalidades de uma época, de um grupo, e sugerir sua visão global do mundo.
O debate sobre a definição de humor e a identificação do que é risível abarca uma longa tradição histórico-filosófica, iniciada por Aristóteles e continuada por diversos filósofos, historiadores, psicólogos, sociólogos e demais pesquisadores, como Rabelais, Hegel, Nietzsche, Freud, Baudelaire, Breton, Jacques Le Goff e outros. Suas abordagens foram as mais diversas, o que revela a complexidade do tema e sua inserção no âmago da vida social.
Na Antiguidade, Platão rechaçou o humor, alegando que a seriedade das reflexões filosóficas não permitia descontração. Seu discípulo Aristóteles, entretanto, tomava o humor como um dom, como uma expressão particular dos humanos. Ele comentou muito sobre as obras de Demócrito que ficou conhecido como o “filósofo hilário”, pois ria de tudo e dizia que o riso torna os homens sábios. Embora a principal fonte para entender as reflexões de Aristóteles - o segundo livro da 'Poética' - tenha se perdido para sempre, muitas das idéias foram recuperadas pelas mãos dos romanos, em especial com 'De oratore', de Cícero, escrito em 55 a.C.
Na Grécia Antiga, as comédias e sátiras buscavam representar os defeitos, vícios e fraquezas do ser humano. Era típico da civilização grega que as ocasiões de riso e zombaria não fossem as do cotidiano, mas as do convívio social e das festividades onde era permitido escapar do decoro e das boas maneiras aceitos à época. A comédia, por exemplo, tinha como função o riso compartilhado. Originalmente nascida de um culto agrário a Dionísio, deus do vinho e da embriaguez, mas também da comunhão e da solidariedade, envolvia todos num ritual de dança, festa, máscaras e fantasias de deboche. Mas a Grécia antiga também teve piadas, comediógrafos e produtores de riso profissionais, os bufões que participavam dos banquetes para animar anfitriões e convidados.
Com suas peças, Aristófanes, o pai da comédia grega, golpeava com um humor conservador, políticos e o que ele considerava excessivo nas mudanças de costumes da Grécia Antiga. Lísistrata, a mais famosa de suas quatro peças, criticava a guerra entre Atenas e Esparta. As atenienses ameaçavam uma greve de sexo até que os homenspusessem fim ao conflito. Em Roma, no auge do império, a classe dominante enfrentou o humor corrosivo de Juvenal. Na série de poemas intitulados Sátiras, ele criou diversas tiradas espirituosas e fez de Júlio César, alvo de muitas delas. No auge da dissolução moral de Roma, o riso se transformou em zombaria e sarcasmo, até arrefecer juntamente com o Império.
Na Alta Idade Média (476 a 1.000 d. C), o riso foi contido pela religião, que prezava pela austeridade do clero e fieis. No período da Inquisição chegou até mesmo a ser considerado um sintoma de possessão demoníaca. Apesar da rigidez religiosa, o humor e o riso sobreviveram em festejos populares, de caráter carnavalesco ou comemorativo de colheitas e de estações, e nos palácios, na figura do bobo da corte, sempre subordinado aos mandos e desmandos do rei. Era uma comicidade radical, livre, materialista, beirando o grotesco, cujo tema universal era, em grande medida, o drama da vida corpórea: eventos e necessidades naturais como sexo, nascimento e alimentação. O clérigo François Rabelais fez uso de lendas populares cômicas, pantominas e romances de tradição oral e, com um traço de escatologia, deu vida a poderosas obras cômicas como Pantagruel e Gargântua.
A liberdade para criar e para fazer oposição pelo riso só retornaria com a liberdade do pensamento, no Renascimento. A caricatura e o sarcasmo ganham força com a união do riso e do ódio à religião e o riso adquire um sentido socialmente libertador. A intenção era sempre dessacralizar o alvo da crítica e secularizar o riso. Na Itália do século XV, surge a comédia Dell’Arte (forma de teatro improvisado) marcada pelo exagero, pelo improviso e por personagens estereotipados, quase sempre apresentados com máscaras. A antes temida figura papal, por exemplo, surgiu ridicularizada em versos e em ilustrações que a mostravam na forma de um asno.
Na Inglaterra do século XVII a ausência de palavrões e de gestos obscenos refina o riso e o humor inglês fica marcado pela sutileza e pela inteligência. Fazer rir não era uma proposta gratuita, apoiada em argumentos chulos. Estava, antes, ligada a uma visão de mundo que autores como William Shakespeare imprimiam em suas peças. O riso era uma lente até para enxergar a tragédia: a condição humana finita, grotesca e frágil passou a ser risível.
Entre os séculos XVII e XIX, a verdade e o sério já não bastavam para explicar o mundo, e o riso passou a ocupar um lugar especial na filosofia. O objeto do riso não era mais a deformidade e sim o desconhecido, a surpresa, tudo aquilo que invertia inesperadamente as concepções dadas de mundo. O humor volta a tomar forma de crítica política e a sátira e a caricatura ganham força na zombaria direcionada à classe dirigente e se entranham nosdebates políticos. Jacobinos e Girondinos fazem uso de recursos humorísticos em enfrentamentos da Revolução Francesa. O traço exagerado das caricaturas e charges se espalha nos pasquins, cada vez mais marcados pelo escárnio. Essa forma discursiva se consolidou no Ocidente a partir do século XIX e, sob influência de artistas europeus, chegou ao Brasil. Aqui encontrou terreno fértil para se desenvolver e vai ser muito importante durante a ditadura civil-militar (1964-1985).
À beira da virada para o século XX, o humor foi definitivamente assimilado pela imprensa e pela intelectualidade e abriu caminho para o surgimento de grandes artistas cômicos. Antes restrito a manifestações de menor alcance como o teatro, o humor é absorvido pelo cinema e pela indústria cultural e ganha amplitude. Surgem nomes como Charles Chaplin, Buster Keaton e Harold Loyd, além dos irmãos Marx.
Pontos fundamentais na forma e no conteúdo do humor se estabeleceram principalmente no pós-guerra. No rádio, e mais tarde na televisão, formatos como os sitcoms (comédia de situação) e os esquetes se consagraram, tendo como matiz os pequenos espetáculos improvisados com influência do teatro e da Commedia dell’Arte italiana.
Neste período, pensadores de diferentes campos, como o psicanalista Freud e os filósofos Hegel e Nietzsche viam o riso como instrumento de expressão cultural e a ele conferem importância histórica. O que passará a ser enfatizado por estes estudiosos será a relação entre humor e libertação: o riso do contraste, que nos mostra o caráter falacioso do sério, e o riso da crítica social ou política.
Para Freud, o humor seria um processo de defesa que impediria o desprazer, uma válvula de escape para a psique. Segundo ele, o riso, nas suas mais variadas manifestações, teria algo de libertação de emoções reprimidas. A energia psíquica normalmente empregada para manter a situação sob controle seria desviada para o prazer. O “eu” se defenderia da dura realidade, das dores próprias à vida, das amarras que a sociedade lhe impõe, fazendo de tais sofrimentos oportunidades para se obter prazer.
Contrariando toda uma tradição que dava lugar a superioridade do riso, que dizia que rimos daquilo que consideramos inferior a nós, Freud afirmava que também podemos rir do que é superior a nós ou do que possui poder sobe nós. Para o autor quem consegue fazer piadas sobre a própria sorte estaria acima de seu destino.
Wladimir Propp irá apontar que no âmbito de cada cultura nacional, diferentes camadas sociais possuirão um sentido diferente de humor e diferentes maneiras de manifestá-lo. Ao discutir o riso ele observa ainda que a sátira levanta e mobiliza a vontade de lutar, cria e reforça a reação de condenação, de não compactuação, com os fenômenos representados e, por isso mesmo, contribui para intensificar a luta para removê-los e erradicá-los. A sátira nem sempre será contestatória aos hábitos e costumes do seu tempo, pelo contrário, pode às vezes reforçar uma situação já existente.
Em seu livro A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, M. Bakhtin analisou a apropriação do cômico pelos setores subalternos da sociedade. O autor examinou a obra do escritor François Rabelais e defendeu que em seus escritos convergiam tanto elementos da alta cultura renascentista como da cultura popular e observou a presença de um “sistema de imagens da cultura cômica popular” o que caracterizava uma circularidade cultural entre essas formas de cultura. Cada uma teria influenciado a outra, recebendo e trocando signos culturais em uma dinâmica constante e circular na qual o signo seria apropriado, (re)elaborado e depois retornaria a sua origem transformado.
O “riso popular” proposto por Bakhtin, por ser ambivalente expressaria uma opinião sobre o mundo, no qual os que riem estão incluídos. Ele acabaria com as diferenças de classe social, criando uma nova vida, ou uma nova forma de pensá-la, livre de regras e restrições convencionais. Esse riso “festivo”, “carnavalesco” seria a forma de expressar a libertação das normas, da ordem imposta pelo mundo erudito, pelas instituições sociais como a Igreja e o Estado. A partir das contribuições de Bakhtin, Rachel Soihet analisa em seu livro, Subversão pelo Riso, a participação popular no carnaval carioca, entre 1890 aos anos 1930, considerando-o como veículo através do qual na Primeira República os populares garantiram sua coesão e identidade num contexto que lhes excluía do reconhecimento de direitos. Ela focaliza também a circularidade cultural, através da apropriação pelos segmentos mais elevados das formas de expressão popular e vice-versa, rompendo o curso ordinário das coisas.
Nos dias atuais, o humor se alargou a tal ponto que rompeu a linha que separava o momento ou lugar sério do não-sério. A descrença pós-moderna, o neoniilismo compreendido como uma indiferença pura, uma certa displicência à vida, às pessoas, aos valores morais e sociais, é sem dúvida a válvula propulsora para o alargamento do riso. Bergson afirmava que o maior inimigo do riso é a emoção e que é preciso esquecer, ao menos por instantes, a afeição que temos por alguém para rirmos deste.
O humor neoniilista investe-se contra a esfera do sentido social, tornando os valores superiores em paródicos. Porém este humor tem feito vítimas e não é raro vermos processos jurídicos e manifestações políticas de pessoas contra humoristas por sentirem-se humilhadas ou discriminadas. Estes acontecimentos estão ligados de alguma maneira a duas configurações atuais.
A primeira são as lutas e as conquistas de determinados grupos (negros, gays, deficientes, mulheres, entre outros) a direitos sociais antes negados. O outro aspecto está ligado ao próprio modelo de comédia predominante: o stand up comedy. Com este tipo de humor, situações cotidianas são trazidas para o palco e, com elas, uma proximidade maior com a vida de cada um.
O stand up, caracteriza-se principalmente pelo fato de que o comediante sobe ao palco apenas com seu microfone e nada mais. De cara limpa, sem personagens, sem adereços e sem cenários o comediante conta piadas necessariamente de autoria própria e diverte seu público com assuntos sobre o cotidiano. Esse tipo de humor surgiu na Inglaterra, foi e é ainda muito praticado nos EUA tendo como principais representantes Bill Cosby, Jerry Seinfield e Chris Rock.
No Brasil, José Vasconcelos é considerado um de seus precursores. Além dele, vários outros humoristas como: Chico Anýsio, Jô Soares, entre outros, utilizavam a linguagem stand up em seus shows. Porém só agora ganhou mais notoriedade e ganhou também, negativamente, as páginas dos jornais e as redes sociais com as polêmicas piadas de Rafinha Bastos sobre Wanessa Camargo e seu bebê (http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/wanessa-nao-se-pronunciara-sobre-grosseria-desnecessaria-de-rafinha-bastos-20110921.html) e dos humoristas do Show Proibidão que foram acusados de racismo.
O humor é, sobretudo, um ponto de vista, uma maneira como se enxerga o mundo. As piadas não estão além do bem e do mal. Não são neutras! Expressam posições políticas e ideológicas, estão permeadas por visões e interpretações do mundo e da sociedade. O argumento principal dos comediantes sobre os processos e manifestações públicas contra determinadas piadas é a defesa da liberdade de expressão e da anti-censura. Alguns os criticam dizendo que o humor praticado por estes humoristas, não tem função social ou política.
O humor não pode ser impedido. Nem a acusação sobre ele. Mas e quando a liberdade atenta contra a liberdade dos outros? Podemos rir de tudo? “O politicamente correto” não estaria freando as liberdades de critica ou piadas como estas estariam reafirmando preconceitos?
Deixo o vídeo abaixo para reflexão, ele trata do humor do ponto de vista de quem faz humor. http://www.youtube.com/watch?v=PRQ1LuBWoLg
Referências Bibliográficas:
ARÊAS, Vilma. Iniciação à Comédia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico [1940]. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Brasília: UNB: Hucitec, 1987.
FREUD, Sigmund. “El chiste y su relacion com El inconsciente” e “El humor”. In: Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu ediciones, vol.21, 1967.
FONSECA, Joaquim da. Caricatura: a imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.
GAWRYSZEWSKI, Alberto. O amigo da Onça. Uma expressão da alma brasileira. Londrina: Univ. Est. de Londrina/ LEDI, 2009.
LIPOVETSKY, Gilles. “A sociedade humorística”. In: A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri-SP: Manole, 2005.
PROPP, Wladimir. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992.
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso. A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
SOIHET, Rachel. Subversão pelo riso.