29/03/2013
Nem sempre Salvador fez
aniversário no dia 29 de Março!
Prof.
André Araújo
Dia 29 de março, os soteropolitanos comemoram a fundação
da cidade. Aniversário da urbe de São Salvador! O senso
comum convoca todos a dizerem, de forma uníssona, algo
como: se na Bahia, a terra do carnaval, dia de finados é
também dia de festa, imagina em dia de aniversário!? No
entanto, sentimentos de alegria, indiferença, apatia,
revolta com uma cidade cheia de problemas não resolvidos
e alardeados há mais de quatro séculos tomam a cidade.
(Samba de roda em 40, por Pierre verger. Uma visão sobre
a chamada alegria natural do soteropolitano)
Urbanizada, clamante para ser centro cultural e
referência em se tratando de cultura da população de
origem africana, negligenciada pelas camadas dominantes.
Desejosa por ser referência política no processo de
invenção do Brasil. Marco inicial da administração
portuguesa e recuperação de uma memória de protagonismo
destas terras em detrimento do sul-maravilha, são
algumas das questões que o baiano, conhecedor de apenas
um viés da história da Bahia, reclama para suas terras
nesta data comemorativa. “São Salvador da Bahia de Todos
os Santos”, “Cidade da Bahia”, “Baia de São Salvador”,
“Roma Negra” ou simplesmente “Salvador”.
Há mais de quinhentos anos, desde a chegada dos
portugueses, no chamado Novo Mundo, a cidade é conhecida
por alguns nomes que, de alguma forma, ainda povoam o
imaginário soteropolitano até os dias atuais. Causam até
mesmo indefinição, quando perguntados de forma mais
enfática qual o real nome da cidade. Entre eles, existe
confusão, mas em se tratando de data de fundação da
cidade, os soteropolitanos não têm dúvidas, comemoram o
aniversário da cidade no dia 29 de março. Mas nem sempre
foi assim.
Em 1952, após intenso debate e pesquisas realizadas por
representantes do Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia (IGHB), foi resolvido oficializar a data do 29 de
março, mandado erigir um monumento na praia da Barra
para ser o marco da fundação da cidade. Essa memória
elogiosa ao empreendimento colonizador português foi
elaborada por membros de um instituto, que existe também
em outras capitais brasileiras, e que tem histórico de
ser um reduto intelectual das elites e de suas
respectivas cidades. Descendentes de colonizadores,
donos de engenho, barões da cidade, políticos
proeminentes, como Pedro Calmon, Luiz Viana entre
outros, procuraram exaltar, entre muitas questões, a
participação de suas famílias (e seus ancestrais
portugueses) na construção da cidade e as provas
documentais mais antigas que encontrassem para
justificar a demarcação da data.
(monumento em homenagem à fundação da cidade)
Basicamente Salvador teria as seguintes datas
comemorativas:
· 29 de março de 1549: Dia do desembarque do
primeiro Governador-Geral do Brasil, Tomé de Souza, na
praia do Porto da Barra (conhecida na época do
desembarque como a Vila Velha do Pereira, onde viviam o
famoso casal Caramuru e Catarina Paraguaçu) com a ordem
de D. João III para construir a primeira capital. Vieram
prontos de Portugal o nome da cidade (Cidade do São
Salvador da Baía de Todos os Santos) e a sua planta. A
cidade antiga teria aproximadamente a extensão do que é
hoje a Praça Castro Alves até o Santo Antonio e do seu
lado continental, onde hoje fica o comercio da
Barroquinha, corria um rio. Cerca de 15 minutos e seria
possível percorrer toda cidade. Cercada pelo mar de um
lado e por um rio do outro;
· 1º de maio de 1549: A data dos primeiros
recibos de pagamento recebidos pelas pessoas que
trabalharam na construção da cidade. Estes não
concordavam com a data do 29 de março, pois no momento
em que Tomé de Sousa chegaria na praia da Barra, o
projeto da cidade ainda não teria começado, e só haveria
documentos relatando a construção da cidade somente no
dia 1º de maio;
· 13 de junho de 1549: dia da procissão de Corpus
Christi, que marcou o início das atividades na Câmara
Municipal de Salvador. O mundo português, que estava
sendo recriado na Bahia, não poderia preterir de uma
referência católica. Na cidade, havia já alguns jesuítas
que desembarcaram com Tomé de Sousa (precisamente, seis
membros da ordem, inicialmente) e a participação dos
irmãos leigos da Irmandade da Misericórdia. Aliás, em se
tratando de representação religiosa e atividades
desenvolvidas na colônia, a irmandade da misericórdia
gozava de certas prerrogativas que a ordem religiosa não
dispunha. O hospital que D. João mandou construir e a
assistência aos pobres, em determinado momento, são
passadas à administração integral da irmandade leiga em
vez da ordem religiosa. Uma estratégia para limitar os
poderes da Igreja na colônia portuguesa;
· 1º de novembro de 1549: data em que a Câmara
Municipal recebeu a benção oficial da Igreja Católica.
Se a referencia do funcionamento teria que ser
religiosa, que partisse então de Roma. Para os que
quiserem polemizar e inserir mais uma referência, tem o
25 de fevereiro de 1551, quando uma bula papal instituiu
o Bispado de Salvador e a igreja do Salvador fora
elevada a categoria de catedral.
Estas foram algumas referências sobre os marcos de
fundação da cidade. Mas cidade sem povo é só terra, não
é cidade! E que povo era esse que habitava estas terras?
A instituição destes marcos buscou de todas as formas
reafirmar o empreendimento colonial em detrimento da
população que ali habitava. Uma construção da memória
que não contempla os tupinambás e tupiniquins da região,
por exemplo. Uma memória que nega, ou melhor, que
silencia a participação forçada do povo africano em sua
diversidade étnica.
(povo soteropolitano pelas lentes de Pierre Verger, ao
fundo o famoso elevador)
Esta cidade da Bahia tinha uma população que meio século
após a chegada dos portugueses já era marcada por uma
diversidade étnica. O jesuíta Fernão Cardim, nascido por
volta de 1549, e que teria percorrido as terras da Bahia
à São Sebastião do Rio de Janeiro, estimara já em 1584
que a terra já contava com uma população de 3000
portugueses, 8000 índios convertidos ao catolicismo e
4000 escravos da guiné (a população africana
escravizada). Ressaltando que a maior parte da população
concentrava-se na capitania da Bahia de Todos os Santos.
Paisagem que encantava, seja na Cidade Baixa ou na
Cidade Alta, espaços que se ligam entre tantos caminhos,
e que hoje contam com o famoso e bastante fotografado e
filmado elevador Lacerda. Salvador encanta até os dias
de hoje, mesmo em meio a diversos problemas. Pessoas que
conhecem a cidade saem saudosas destas terras, desejando
voltar o mais breve possível. Exaltam o carisma,
receptividade e gentileza da população. Em meio a muitas
desigualdades de classe, raça, gênero... problemas de
toda cidade urbana, Salvador ainda consegue encantar e
destoar de muitas cidade. A Roma Negra, termo cunhado
por mãe Aninha do Ilê Axé Opô Afonjá, é uma cidade que
encanta pela sua população predominantemente negra, cuja
semelhança se vê só no outro lado do atlântico em
África. Preserva um patrimônio cultural dos povos de
origem africana que em seus locais de origem, muitas
vezes, nem existem mais.
(Mãe Aninha do Ilê Axé Opô Afonjá)
Independente da data do seu aniversário, a equipe d’o
Historiante deseja à cidade, sua população e a todos que
deste lugar, seja por nascimento ou por sentimento de
pertencimento, se sentem filhos e filhas, um feliz
aniversário. Que nunca se perca de vista que, mais do
que governos constituídos, a população é o que dá vida a
cidade. Se a natureza ali foi generosa e abundante, que
não se perca este patrimônio natural por anseio de ser
uma megalópole aos moldes “urbanóides” de concreto de
outros países. Se a população encanta por pluralidade e
ao mesmo tempo certas singularidades, que não se perca
esse patrimônio imaterial em detrimento de uma cultura
de massa propagada pela grande mídia do sul-maravilha!
(Texto do
Prof. André Araújo, da redação d'O Historiante)
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