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25/02/2013
O poder, a pompa e os
punhais no primeiro triunvirato romano.
Muito
antes de políticos corruptos no Palácio do Planalto,
pizzas e "mensalões", as intrigas sórdidas pela posse do
controle de Roma manchavam de sangue a História mundial.
Prof. Pablo Michel
Magalhães
O PODER
Corrupção,
conluios, mentiras, fofocas, acusações e caras-de-pau.
Não, caro leitor, não estou tratando aqui da Câmara dos
Deputados ou do Senado do Brasil. Na verdade, estes
ainda teriam que aprender muito com os sujeitos de quem
estou querendo falar, os políticos romanos da
Antiguidade, quando a República Romana (ainda distante
da dimensão geográfica do Império dos Augustos) buscava
sua hegemonia sobre as demais nações e tribos. Os
últimos dois séculos antes da era cristã foram bastante
tumultuados na vida política de Roma, o que culminou com
um período de crise da República, por muitos
compreendido entre 134 a.C, com a ascensão dos irmãos
Graco como tribunos (sendo estes responsáveis pela
primeira proposta de reforma agrária, algo que começou a
sacudir a sociedade romana e deu margem para os
primeiros conflitos civis) e 27 a.C, ano em que Otaviano
assumiu o título de Augusto e iniciou seu principado,
extinguindo a República e construindo o imperium.
Durante mais
de 100 anos, inúmeros conflitos abalaram as estruturas
do sistema de governo adotado pelos romanos:
- a Guerra
Social, entre romanos e demais povos itálicos, entre 91
e 88 a.C.;
- primeira e
segunda Guerras Civis entre Sila e Mário (antigos
aliados, que passaram a se antagonizar a partir da
nomeação de Sila como general na batalha contra o Rei
Mitridates, posto que Mário almejava), entre 88 e 87
a.C. e 82 e 81 a.C., quando Sila, vitorioso, tornou-se
ditador vitalício;
- a Guerra
Sertoriana, de 83 a 72 a.C., na província da Hispania,
contra o general Quinto Sertório, apoiador de Mário
contra Sila, e que se mostrava um dos grandes opositores
de Roma na região (Pompeu saiu como vitorioso deste
conflito);
- a Rebelião
de Lépido, em 77 a.C, desencadeada quando este político
(partidário de Mário), investido como Cônsul, promoveu
uma série de medidas populares, contrárias às políticas
ditatoriais de Sila, membro da aristocracia (que já
estava morto a essa época, vítima de cirrose), dentre
elas, a desapropriação das terras que tinham sido
confiscadas pelo ditador, durante a guerra civil, na
Etrúria. Desbaratados por Pompeu e Catulo, os exércitos
que apoiavam Lépido fugiram para a Hispânia e compuseram
o grupo rebelde de Sertório, enquanto o líder foi buscar
esconderijo na Sardenha, onde viria a morrer pouco tempo
depois;
- a revolta
de escravos, liderados por Espártaco, também foi outro
conflito importante; sublevados a partir de Cápua,
gladiadores do ludus de Lentulus Batiatus agruparam
dezenas de escravos na busca por liberdade, e em pouco
tempo montaram uma força militar muito organizada nas
encostas do Vesúvio. Vitória após vitória, Espártaco e
seus comandados só foram derrotados por Licínio Crasso,
general escolhido pelo Senado para dar fim à sublevação
servil.
Gladiadores em batalha (Reprodução/imagem:
historiaespetacular.blogspot.com)
- a
Conspiração (63 e 62 a.C.) de Catilina, que foi um nobre
empobrecido da família dos Sergius, partidário de
Sila e que ansiava por poder e cargos públicos.
Frustrado na tentativa de ser investido no cargo de
Cônsul, perdeu as eleições muito pela sua fama (acusado
de assassinar o próprio filho, além do seu temperamento
violento), o que fez com que tramasse assassinar os
cônsules eleitos (tentativa novamente frustrada). Seu
principal opositor, Cícero, promoveu ataques oratórios
no Senado, conhecidos como "Catilinárias", onde buscava
desmascarar Catilina diante dos demais senadores. Ao
arquitetar a morte do próprio Cícero, Catilina assinou
sua sentença de morte: os gauleses, que estavam sendo
influenciados por ele para conseguir apoio da província
da Gália em seu favor no caso contra Cícero, foram
presos ao sair de Roma, e o documento que levavam,
assinado pelos conspiradores, inclusive por Catilina,
foi parar nas mãos da possível vítima, que acusou todos
os envolvidos no Fórum. O resultado foi que todos os
conspiradores, inclusive Catilina, foram executados.
Todos esses
eventos foram responsáveis por uma grande instabilidade
política em Roma, alternando períodos de relativa paz
com intensos períodos de guerra. As disputas de poder
dentro da República fortaleceram o Senado em detrimento
dos demais cargos executivos (Cônsul, tribuno), no
sentido de que esta instituição passou a ter maior
controle sobre as decisões políticas. Porém, no campo
militar, por não possuir legiões sob seu comando, o
Senado continuava dependendo de líderes militares, e
essa característica pode ter sido determinante nas
disputas políticas que se seguiram até 27 a.C.
César,
Pompeu, Crasso. Personagens do primeiro triunvirato que
simbolizam o pôr-do-sol da República Romana. Vamos saber
porque.
A POMPA
Dos vários
enfrentamentos nos séculos II e I a.C, alguns generais
alcançaram grande prestígio em Roma, dentre eles Pompeu
Magno, vencedor na batalha contra os rebeldes na
Hispânia, herói popular, aclamado pelas multidões, e
Crasso, que deu cabo a Espártaco e seu grupo de
gladiadores rebeldes que disseminavam o terror na
península itálica. Retornando de suas respectivas
batalhas, montaram acampamento sob os muros de Roma,
cada qual exigindo a recepção na cidade com uma marcha
triunfal e o direito de se candidatar às eleições
consulares de 70 a.C (por decreto de Sila, enquanto
ainda era ditador, os homens de armas não poderiam
seguir carreira política).
Apesar de
terem sido partidários de Sila, eles exigiam que a
Constituição deste ditador fosse revogada imediatamente,
e mantinham o cerco à cidade. É interessante ressaltar
que cada general tinha total poder sobre sua legião, e
quanto mais rico era o general, melhor seriam providos
de armamentos e treinamento os soldados sob seu comando.
Nesse quesito, Crasso saía na frente, por ser homem de
negócios influente e dos mais ricos generais de Roma.
Vendo que, opondo-se, não conseguiriam vencer o Senado,
os dois generais resolveram unir forças.
Diante da
pressão, o Senado cedeu: revogou a Constituição de Sila
e elegeu Crasso e Pompeu como cônsules. No entanto, a
carreira política e militar dos dois seguiu caminhos bem
diferentes: Pompeu, por influência e coligações que
possuía com tribunos e cavaleiros, recebeu poderes
extraordinários para eliminar piratas no Mediterrâneo e
enfrentar o rei Mitridates no Oriente no lugar de Lúculo
(que revelou-se um péssimo líder para os milites);
aos poucos, Pompeu alcançou todo o controle sobre o
Leste, vencendo seus opositores e anexando vários
territórios, fora as riquezas dos espólios de guerra que
conseguiu. Enquanto isso, Crasso vivia à sombra do
antigo aliado, assistindo em Roma os sucessos de Pompeu
reportados a cada dia.
Como
tentativa de manter-se ativo na política da cidade,
Crasso financiou um jovem advogado em sua carreira entre
os democratas alinhados a uma política voltada para
medidas populares. Este jovem era Caio Júlio César. Ambos apoiaram Catilina em suas
investidas contra o Senado, buscando aprovar leis
referentes à reforma agrária (bandeira defendida por
Caio Graco muito tempo antes). Porém, após a derrota
para Cícero nas eleições consulares, Catilina perdeu o
apoio de César e Crasso, passando a atuar só em seus
infortúnios políticos.
Catilina desmascarado por Cícero, no Senado.
Apesar da
mobilização de Júlio César, Crasso não via qualquer
perspectiva em fazer frente à Pompeu, que logo
retornaria à cidade, e poderia ser investido nos poderes
de um ditador, tão grande era sua fama e prestígio.
Porém, uma surpresa contrariou as expectativas: ao invés
de entrar na cidade à frente do seu exército vitorioso,
montado em seu cavalo e vestido como general, Pompeu
preferiu chegar em Roma a pé, vestido como um cidadão
comum. Pensava ele que suas glórias bastariam para que
fosse aclamado por todos. O que ele não sabia é que
tanto o Senado quanto os democratas não viam com bons
olhos a ascensão de um novo ditador.
Diante desse
revés, uma aliança com Crasso e César se tornou cada vez
mais possível. Em 59 a.C, os três formalizaram a
aliança, que ficaria conhecida como Triunvirato, e se
estenderia até 53 d.C. A parceria se firmava em 3
esferas: a política (Júlio César tinha acabado de se
tornar Cônsul), a financeira/econômica (Crasso era um
dos homens mais ricos de Roma) e a militar (Pompeu era o
general mais afamado e temido, com um exército eficiente
e preparado para os combates).
Vercingentorix, líder dos gauleses, se entrega a
César.
Porém,
apesar da duração de 6 anos, o triunvirato mostrou-se
mais frágil do que aparentava. Embora César tenha
legislado terras para os soldados de Pompeu e, em troca,
tenha recebido apoio deste para sua nomeação como
governador na Gália e iniciar a conquista de toda a
região, além de Pompeu e Crasso terem sido eleitos
cônsules novamente, e o segundo ter conseguido garantir
os fundos para sua campanha contra os partas, o
entendimento entre os três logo teria fim.
Crasso foi
derrotado na Batalha de Carras e morto. Pouco depois, a
esposa de Pompeu, Júlia (filha de César) veio a falecer.
Esses dois tristes eventos vieram a enfraquecer por
completo o elo entre os dois remanescentes do
triunvirato, que desfizeram o acordo e passaram para
enfrentamentos abertos. Apesar da estratégia do Senado,
de manobrar Pompeu e César, para que não rompessem e,
assim, provocassem uma nova guerra civil, o inevitável
já havia acontecido. Pompeu não queria perder o posto
que havia adquirido na ausência de César (era o homem
mais influente e o único aliado do Senado que detinha
força militar), muito menos César iria se resignar a ser
o 2º homem no comando.
Nisso tudo,
pior pra Pompeu, que estava sem o grosso do seu exército
(estavam na Hispânia), que teve de fugir para o Oriente,
numa estratégia que, se não fosse tão lenta, poderia ter
surtido efeito: treinar e armar um novo exército no
Leste, e cercar César por duas frentes, utilizando-se do
exército que possuía na Hispânia. Acuado pelo inimigo na
Grécia, Pompeu buscou ajuda junto à Ptolomeu do Egito.
Porém, este rei, temendo por sua coroa, assassinou à
traição o general romano, tão logo desembarcou em solo
africano.
OS
PUNHAIS
Eis que as
lâminas mostram sua precisão! Morto Pompeu, César ficou
a um passo de se tornar o chefe do Estado Romano. Após
vencer o filho de Mitrídates, que buscava restaurar o
poder perdido pelo pai, e o próprio Ptolomeu, que via em
sua irmã, Cleópatra, a única capaz de lhe tirar a coroa
(e ela recebia o apoio e as carícias de César!), enfim,
o general conseguiu se impor sobre o Senado, agora
composto de acordo com sua vontade. Com poderes
ditatoriais, César passou a imprimir seu estilo de
governo: assegurou-se do supremo controle de todos os
assuntos públicos, acumulou diversos cargos em seu nome,
limitou o Senado à sua vontade, instituiu a ditadura
permanente e vitalícia e lançou bases para um governo
autocrático.
Tamanho
poder acabou gerando o descontentamento de um grupo de
pessoas que se opunham, ainda que silenciosamente, ao
ditador. Entre eles, antigos protegidos, como Cassio e
Bruto. Temendo que César estivesse buscando tornar-se
rei (Marco Antônio teria lhe oferecido uma coroa de
presente), em uma reunião do Senado, após longa
conspiração, um grupo de senadores o assassinou com uma
série de punhaladas.
Há uma
tradição que diz que César, ao ver entre os assassinos o
protegido, Bruto, teria falado "Tu quoque, Bruti, filii
mei!" (Até tu, Bruto, meu filho!). Mas, com tantas
facadas, e muitas devem ter ferido seus pulmões, gerando
uma hemorragia que o impediria de falar devido às tosses
involuntárias, César não poderia ter falado nada, além
dos possíveis gritos e gemidos de dor. Segundo Suetônio,
autor de Vidas dos doze Césares, César não
pronunciou frase alguma.
(Texto do Prof. Pablo
Michel Magalhães, da redação d'O Historiante). |
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