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Crônicas da terra de ninguém

 

 

 

Prof. Cleber Roberto Silva Carvalho

Especialista em História do Brasil

 

Parecia que foi nada...

 

Nunca tinha visto um rei ou príncipe diante de mim, era um camponês que a muito lavrava a terra, vendia o que colhia nas fazendas vizinhas e na feira local. Mas nos últimos dias estava naquela grande cidade. Muitos diziam que existiam cidades maiores, mas aquele era a maior que eu já havia visitado.

Ficaria apenas por um dia, era para comprar novas ferramentas para ajudar na lavoura evoltar para casa, mas os comentários nas ruas era que o casal real estaria na cidade no dia seguinte. Então decidi ficar.

Passei a noite em um velho albergue, num quarto mal iluminado por apenas uma vela. Guardei também minhas ferramentas e fui dormir, a noite foi tranquila e o sono veio rápido.

Logo pela manhã, depois do desjejum, com um ralo mingau de trigo com gengibre, fui para a avenida principal da cidade, diziam que o arquiduque e sua esposa passariam em desfile pelas ruas da cidade.

Ser um nobre naqueles dias não perecia ser uma coisa boa. A história do jovem rei e sua odiada esposa ainda estava viva para todos, do casamento impopular aos pedaços dos corpos dos caindo pela janela. Do rei que foi fuzilado com seu filho em sua carruagem real. Ser nobre não era tão seguro.

Demorei bastante até chegar à avenida principal havia uma multidão aguardando o casalreal. Eram muitas pessoas aglomeradas naquele lugar e ao ver que pouco poderia ver dos dois decidir procurar outro local. Mas ao caminhar alguns passos fui interrompido um homem que trombou em meu ombro. Nós quase caímos, logo vi que uma a multidão começou a correr para todos os lados. Não tive dúvida e corri também, não sabia o que estava acontecendo.

Retornei ao albergue e lá os comentários já eram diversos. “Foi um massacre” um homem de cabelos escuros comentou, “As pessoas não deixaram ele fugir e quase o lincharam” disse um homem com um surrado chapéu, “Foram dois tiros, um acetou a mulher e outro o arquiduque” uma pessoa no fundo do salão comentou acrescentou “os dois devem ter morrido”.

“Acho difícil” interrompeu o homem com o velho chapéu “As mulheres suportam a dor de um parto e com certeza ela vai sobreviver a um tiro de raspão” muitos concordaram. Um senhor, com uma barba grisalha e uma roupa gasta, que ouvia toda conversa comentou: “Acho que ela vai sobreviver, ela tem três filhos para criar”, quando o homem terminou um sorumbático silêncio tomou conta do local e então pensei: Não deve ter sido nada.

 

 *     *     *

 

As últimas luzes...

 

Não consegui jantar naquela noite, o ensopado feito por minha esposa havia esfriado e as batatas a muito tinham sido transformadas em uma massa amarela, que eu esmagava e misturava impacientemente. Acredito que muitos estavam tão ansiosos quanto eu naquela noite, todos aguardavam, esperavam saber se as noticiais e boatos que circulavam seriam verdades ou mentiras.

Então o silêncio da noite foi quebrado com aquela verdadeira procissão. Candeeiros. Lampiões, velas iluminaram a noite, conduzidas por uma grande fileira de homens. Meus vizinhos emprestaram mais luz aquele tropel, e assim como eu, entraram naquela procissão.

As luzes, que eram conduzidas, estavam sendo seguidas por uma intensa agitação, alguns falavam se as notícias eram verdade, outros se haveriam vagas para todos, os dois homens ao meu lado comentavam se a guerra seria rápida.

Os passos se aceleravam mais, a marcha percorria várias ruas e avenidas, das vielas e becos afluíam mais homens, apressei meu passo, mas uma turba impedia que eu me aproximasse mais do paço municipal, uma grande multidão cercava o local, onde um homem com um uniforme e o bem aparado bigode discursava para multidão.

Sabia que ele falava sobre a guerra. Todos ali aguardavam aquelas noticias. Ao longe os sinos da igreja repicavam e as vozes da multidão transformavam tudo em uma grande algazarra, contudo, mesmo distante, podia ouvir algumas palavras faladas por aquele homem. “honra”, “glória”, “vencer o inimigo”, “lutar pela pátria”, “guerra”.

O homem terminou seu discurso e foi ovacionado, alguns, que não tinham velas ou lampiões aplaudiram, eu também sorria, sabia aquela guerra poderia trazer glórias para todos, inclusive eu. Todos tinha um sorriso no rosto. Menos aquele velho, bem vestido e, com a idade avançada, que era exibida por uma barba inteiramente branca, mas aquele velho senhor tinha uma postura ereta.

Aquele homem vagarosamente se voltou para mim, não tinha percebido aquele ancião em nenhum momento, mas estava ali, diante de mim, olhando diretamente para meus olhos. Eu o encarei, estupefato. Via os seus cinzentos olhos, marejados, as lágrimas dele brilharam à luz da vela que ele levava, mas não havia sorriso no seu semblante, apenas tristeza, que bruxuleava com o brilho de sua vela, que ele tetricamente apagou num tênue sopro, tão frágil que parecia seu último suspiro.

 

*     *     *

 

Em busca de uma vaga para glória....

 

As fileiras eram longas em frente ao escritório de recrutamento. Homens, altos, baixo, magros, gordos, alguns ostentavam bem aparados bigodes outros uma tênue pelugem da primeira barba. Todos se acotovelavam na calçada, a fila saía do prédio, onde era feito os recrutamento, percorria a calçada, virava a esquina e se estendia por dezenas de metros.

Eu não sabia se seria aceito, muitos me achava muito jovem, mas tinha 21 anos e não poderia perder aquela oportunidade. Nas escolas os professores incitavam o dever de defender glória da pátria, meus primos não demoraram em ir para o escritório se alistar no exército. Acredito que meu pai terá orgulho de mim se eu consegui me alistar, minha mãe deverá chora e tentar me impedir, mas deverá entender.

A fila andava lentamente e parecia não diminuir, mas aumentar a cada momento, as pessoas que passavam na rua nos olhavam com orgulho, sabiam que lutaríamos pela nação.

Depois de um bom tempo conseguir entrar no escritório de alistamento, o local estava abarrotado, e mesmo com aquela multidão naquele local, encontrei um amigo meu, ele era quatro anos mais jovem. Ele estava sorrindo e ao passar por mim comentou “consegui me alistar”. Fiquei sem acreditar, logo vi outros dois rapazes, tão jovens quanto ele, comemorando o alistamento.

Então foi a minha vez de ficar diante do oficial de alistamento. Várias foram as perguntas.Meu nome, minha idade, onde eu morava, se tinha noção de que poderia viajar para oestrangeiro.

Foram muitas perguntas, mas no final eu fui aceito, deveria me apresentar no regimento da cidade, e eu sabia que deveria ser o quanto, pois como muitos eu temia que a guerra terminasse ante que chegasse no campo de batalha.