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12/01/2013
Tráfico sexual e os
sonhos transformados em pesadelo.
Muito mais antigo
do que aparenta, o tráfico sexual é uma mazela social do
mundo contemporâneo com raízes na Antiguidade.
Prof.ª Josi Brandão
A
novela Salve Jorge, da Rede Globo, está
abordando como um dos temas principais o tráfico de
mulheres para a exploração sexual. Uma realidade mais
próxima a nós do que imaginamos, e muito antiga também,
onde mulheres são iludidas por propagandas de vantagens
de trabalho fora do país como garçonetes, bailarinas,
modelos, ou qualquer outra atividade que valha dinheiro
fácil, em dólar, que nada mais são do que iscas usadas
por aliciadores para atrair mulheres ao exterior, o
famoso dito popular "canto da sereia". O que não
imaginam (e que só quando chegam ao destino percebem) é
que foram enganadas e são, na maioria das vezes,
obrigadas a se prostituírem, pagando um preço muito
caro, com maus tratos, jornadas excessivas de trabalho,
pagamento inferior ao prometido, vivendo em condições
subumanas, vigiadas constantemente por seguranças, com
pouco contato com as famílias e mesmo ameaçadas, caso
falem demais. Se não obedecem, podem pagar com a própria
vida.
Na
novela, a personagem Morena aceita ir para a Europa na
esperança de melhorar de vida para ajudar a mãe e seu
filho. Só que, ao chegar lá, a realidade é outra. Ela
cai na armadilha de uma rede internacional de tráfico de
mulheres. Lá, elas são expostas à prostituição, cárcere
e, para piorar, são transformadas em mulas (pessoas que
transportam drogas em seu corpo, geralmente para outros
países e, em casos mais extremos, ingerem a droga
encapsulada, ou em forma de pacote, embrulhada com
plásticos, correndo sérios riscos de vida).
Apesar de associarmos fortemente a palavra "tráfico" ao
comércio de escravos somente entre o Brasil e países da
África, ela também é utilizada para se referir a outras
ocorrências de transporte sistemático de pessoas
destituídas de sua liberdade, tanto no mundo antigo
quanto na atualidade. Uma forma cruel e desleal de
explorar pessoas pelo mundo, aproveitando-se, muitas
vezes, de sua situação econômica e social.
A
ficção imita a vida, e grande parte das jovens que
seguem para países como Espanha, Portugal e Itália
(aceitando as propostas dos aliciadores), vão com a
perspectiva de se prostituir. No entanto, outras
desconhecem de fato o real caminho que vão enfrentar
fora do país, sendo iludidas com falsas promessas.
O
tráfico de pessoas ainda é uma atividade que cresce
muito no mundo atual por várias razões: por ser uma
atividade considerada de baixo risco, já que está
relacionada ao fato de que as mulheres traficadas podem
entrar nos países com visto de turista, ou ainda porque
a prostituição pode ser facilmente camuflada com o
argumento de que as mulheres irão trabalhar como
garçonetes, babás, gerando um alto lucro (chegando a
quase 32 bilhões de dólares anuais segundo a Organização
Internacional do Trabalho - OIT), sem contar que,
raramente, as pessoas envolvidas no recrutamento para a
exploração são punidas e principalmente porque a maioria
das mulheres traficadas pertence a classes sociais
desfavorecidas, sofrendo com a falta de emprego ou
desvalorização da mão-de-obra.
O
Brasil é o maior fornecedor de escravas sexuais da
América Latina, e os estados brasileiros em que a
situação é mais grave são Ceará, Goiás, São Paulo e Rio
de Janeiro, segundo um levantamento feito pelo
Ministério da Justiça, por serem os principais pontos de
saída do país. E os locais de destino são Espanha (32%),
Holanda (11%), Venezuela (10%), Itália (9%), Portugal
(8%), além de países como Paraguai, Suíça, EUA, Alemanha
e Suriname.
O
curioso é que o tráfico de pessoas é uma das práticas
mais antigas da humanidade. Durante milênios, foi uma
instituição fundamental em diversas civilizações
antigas, modernas e contemporâneas, algo que mostra o
quanto esse problema é alarmante dentro de qualquer
sociedade.
O
tráfico de seres humanos teve início na Antiguidade
Clássica, na Grécia, e, posteriormente, em Roma, onde
eram obtidos prisioneiros de guerra, sem o aspecto
comercial, para realizarem os trabalhos braçais. Na
Grécia, a própria pólis possuía escravos, pois o
trabalho não era considerado digno. Na Roma antiga, as
mulheres eram chamadas por nomes específicos, pois se
levava em conta o local onde realizavam o comércio, suas
preferências e nível social: Alicariae, Casoritae, Copae,
Dilatrolae, Porariae, Libtidae, Noctunigitae, Prosedae,
Pregrinae, Putae, Quadrantariae, Seratiae, Scrotae,
Vagae, etc. Eram obrigadas por lei a utilizar uma toga
viril, com mitra e véus amarelos, para que fossem
distinguidas na sociedade.
A
atividade passou a ter lucro em cidades italianas entre
os séculos XIV e XVII, durante o Renascimento, o que
estimulou o comércio e o capitalismo que se iniciava.
Na
América, o tráfico iniciou-se com a colonização por
países europeus, dividindo as terras em colônias de
povoamento e colônias de exploração. A vinda de negros
africanos para trabalhos forçados marcou notadamente a
História americana. Com o passar do tempo, o tráfico de
seres humanos passou a se fazer presente nestes locais
de tal modo que passaram, além de receptores, a
exportadores de pessoas, visando a sustentação do
tráfico.
O
tráfico internacional de pessoas apresenta-se como a
terceira atividade ilícita mais lucrativa, perdendo
somente para o tráfico de drogas e o de armas. Este tipo
de atividade tornou-se um crime cada vez mais comum e a
abordagem na novela, feita pela autora Glória Perez,
pode promover uma mudança de mentalidade e fazer com que
vítimas do tráfico sexual possam não mais se calar pela
vergonha e preconceito que sofrem na sociedade. O
silêncio precisa ser rompido, começando pela mídia que
dá a estas pessoas oportunidade de procurar ajuda,
criando condições que permitam à mulher traficada ter
seus direitos respeitados e possam reconquistar o
controle sobre suas vidas.
Assim, a sociedade precisa discutir o tema, sem
puritanismos, para que os índices do tráfico sejam
reduzidos, pois isto é uma afronta a toda sociedade.
(Texto da Prof.ª Josi
Brandão, da redação d'O Historiante). |
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