Expedição Jari: uma aventura nazista no coração da Amazônia

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Na década de 1930, um projeto secreto nazista foi desenvolvido no rio Jari, em plena Amazônia brasileira. Nazistas estiveram na floresta e a estudaram durante 17 meses.

Da redação

Entre 1935 e 1937, Otto Schulz-Kampfhenkel percorreu o vale do Jari com fundos do regime nazista. A viagem virou filme e livro e deixou de herança enorme cruz com suástica na floresta.

O jornal Gazeta de Notícias, em 9 de agosto de 1935, descrevia assim o jovem zoólogo e geógrafo alemão, entrevistado pouco antes do início de sua expedição à Amazônia:

“O senhor Schulz-Kampfhenkel é uma expressão brilhante da moderna geração. Tem vinte e poucos anos, mas fala várias línguas, possui uma biografia cheia de triunfos e já é um nome conhecido e acatado nos meios científicos europeus”

A futura divisão da América do Sul no mapa secreto dos nazistas, incluindo um pedaço da Bolívia integrado ao “Brasilien” (Reprodução/Wikimedia Commons)

O financiamento da viagem veio, entre outros, do governo alemão e por jornais teuto-brasileiros que publicaram com exclusividade os relatos do zoólogo. Ele fazia parte da força paramilitar nazista Schutzstaffel (SS).

Na matéria intitulada Nas vésperas da sensacional expedição ao Jari, Otto Schulz-Kampfhenkel destacava seus supostos feitos científicos e a utilização de um avião para estudar a região, naquela que seria, segundo ele, a primeira viagem de pesquisa deste tipo no mundo. Com o mesmo furor, a expedição pelo vale do rio Jari, que corre pelos atuais estados do Amapá e do Pará, ganhou celebrações na imprensa alemã.

Aventuras na História · Expedição Jari: O projeto de colonização nazista na  Amazônia
Registros feitos à época mostram trabalho de pesquisadores alemães — Foto: Reprodução/Rede Amazônica

Entre setembro de 1935 e meados de março de 1937, o zoólogo acompanhado do aviador Gerd Kahle, do engenheiro Gerhard Krause, do teuto-brasileiro Joseph Greiner e de 21 ajudantes locais, que além de orientarem os estrangeiros no percurso foram fundamentais para o contato com os indígenas, reuniram informações e amostras sobre a fauna, a geografia e a etnografia da região.

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O objetivo da Alemanha de Hitler era implantar uma colônia na América do Sul, a exemplo da Guiana Inglesa, Suriname (Holanda) e Guiana Francesa. O plano não continuou, mas ao longo de 17 meses, a pesquisa levantou informações sobre fauna, flora e a cultura indígena. Registros em imagens feitos à época mostram a relação com a tribo Aparai.

“A viagem contribuiu para manter a aproximação já em curso entre Brasil e Alemanha no terreno diplomático, comercial e militar, como também científico, mas não impediu que em 1938 conflitos provocassem a ruptura diplomática e tensões, decorrentes, entre outras coisas, da política de nacionalização do governo Vargas, que vetou o ensino do alemão nas escolas, e da proibição do Partido Nazista no país”

André Felipe Cândido da Silva, historiador da Fundação Oswaldo Cruz

Problemas na selva

A “Expedição Jari” trouxe grande aparato da Alemanha para a atuação no sul do Amapá. A equipe formada pelos três pesquisadores trouxe um avião para a região.

Ao percorrer o rio Jari até a fronteira com a Guiana Francesa eles coletaram cerca de 1.500 amostras de animais, entre elas 500 somente de mamíferos, 1.200 objetos etnográficos dos povos indígenas aparai, wayana e wajãpi, além de produzir mais de 2.500 fotografias e 2.700 metros de filme 16 mm. Grande parte desse material partiu para o Museu Etnográfico de Berlim e ao Museu de História Natural de Berlim.

Após realizar alguns sobrevoos pela área, a aeronave de pequeno porte, entretanto, apresentou defeitos e não pode ser mais usada.

Expedição Jari usou pequeno avião para sobrevoar floresta — Foto: Reprodução/Rede Amazônica
Expedição Jari usou pequeno avião para sobrevoar floresta — Foto: Reprodução/Rede Amazônica

Com isso, as equipes necessitaram ainda mais da ajuda dos indígenas.

Greiner, no entanto, morreu de uma febre não especificada durante a expedição. Ele era capataz da tropa e morava no Brasil antes de ser recrutado pelo governo alemão. O objetivo era que ele facilitasse a comunicação.

“ele veio ainda adolescente pro Brasil, com 15 anos. Não se tem uma idade exata, mas ele tinha mais de 30 anos quando faleceu em janeiro de 1936. Ele era uma pessoa que não tinha família, não era casado, era solteiro, e não deixou filhos também”

Edivaldo Nunes, historiador da Universidade Federal do Amapá (Unifap)

A febre fatal para Joseph Greiner foi, contudo, só uma das várias doenças que atingiram aos membros da expedição, além de outras enfermidades como malária e difteria. O forte calor e as sucessivas chuvas também eram problemas.

O local onde ele foi enterrado fica próximo à cachoeira de Santo Antônio, que abriga a hidrelétrica de mesmo nome. Após o sepultamento no local, a área foi usada como cemitério por comunidades na região.

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Uma cruz de quase 3 metros de altura foi fincada no local, com uma inscrição em alemão que diz: “Joseph Greiner morreu aqui de febre em 2 de janeiro de 1936 a serviço da pesquisa alemã”. O pequeno cemitério fica próximo da cachoeira de Santo Antônio, no Rio Jari, no extremo Sul do Amapá.

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A cruz da sepultura de Joseph Greiner – Crédito: Divulgação/Rede Amazônica

Jari não foi a única expedição

A expedição ao Jari, entretanto, não foi a única realizada por alemães ao Brasil durante o período do Terceiro Reich. Pesquisadores de diversas aéreas passaram por várias regiões do país, como São Paulo, Amazônia, Mato Grosso, Paraná e Espírito Santo.

Entre eles estão o então diretor do Museu de Zoologia de Munique Hans Krieg, os pesquisadores do Instituto de Doenças Tropicais de Hamburgo Gustav Giemsa e Ernst Nauck e os ornitólogos Adolf Schneider e Helmut Sick.

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A expedição de Schulz-Kampfhenkel, no entanto, foi a que ganhou mais destaque e popularidade. E, isso se deve ao trabalho de divulgação feito durante a viagem, por meio de relatos publicados na imprensa, e posteriormente com o filme e a publicação do livro.

Contudo, afora o vasto material coletado, a expedição não gerou novas descobertas, nem estudos que trouxessem uma contribuição efetiva à ciência. O próprio Schulz-Kampfhenkel não chegou sequer a analisar as amostras que levou para a Alemanha.