O tupi e sua herança na língua portuguesa falada no Brasil

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Língua indígena era a principal falada no Brasil até meados do século 18, quando foi proibida pela corte portuguesa.

Da redação
com informações de DW

Os povos que habitavam o território brasileiro antes da chegada dos primeiros colonizadores portugueses falavam cerca de mil línguas. A principal delas era o tupi.

Além da riqueza linguística, a maioria deles, principalmente os que habitavam o litoral, onde se formaram as primeiras cidades do país, falava uma língua comum, o tupi antigo.

Chamado de “língua brasílica” pelos portugueses, ele foi utilizado no Brasil durante séculos, tendo sido aprendido por jesuítas e bandeirantes, com o objetivo de dominar e explorar os indígenas.

Dentro do Brasil, o tupi antigo apresentava variações linguísticas ao longo da costa.

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Os potiguares do Paraíba até os tamoios do Rio de Janeiro, por exemplo, pronunciavam inteiros os verbos acabados em consoante, enquanto os tupis de São Vicente não pronunciavam a última consoante.

Contudo, eram variações próximas, que permitiram aos colonizadores identificarem uma unidade entre os povos.

De acordo com a professora Ana Suelly Cabral, pesquisadora das línguas indígenas, cerca de 80% das palavras que nomeiam as plantas e bichos brasileiros são oriundas do Tupinambá, o mais conhecido idioma nacional nativo.

Aliás, o tronco Tupi é um dos grandes agrupamentos linguísticos do Brasil. São sete famílias de línguas: Arikém (1 língua), Juruna (1 língua), Mondé (7 línguas), Mundurukú (2 línguas), Ramaráma (2 línguas), Tuparí (3 línguas), Tupi-Guarani (21 línguas). Há ainda trêslínguas isoladas no nível de família: Aweti, Puruborá e Sateré-Mawé. Considerando que o total de línguas indígenas no Brasil é de 180, o tronco Tupi reúne 40 línguas, o que corresponde a 22,2 % do total.

Índio Tupi, de Albert Eckhout  (1610 – 1666 )

O tupi encontrado até hoje

Esta língua é considerada o idioma indígena clássico do Brasil, uma vez que foi a única língua indígena, das centenas que foram faladas no país, que se fez representar significativamente no léxico da língua portuguesa.

Diversas expressões utilizadas até hoje vieram da fusão do português dos colonizadores com o tupi antigo dos indígenas. Por serem resultado desse casamento linguístico e cultural, elas são chamadas de brasileirismos, ou “tupinismos” para alguns autores, expressões que existem apenas no português falado no Brasil.

Quem roda pelo Sudeste e Centro-Oeste brasileiros percebe a quantidade de cidades com nomes indígenas: Araçatuba, Bertioga, Itanhaém, Paraguaçu, Cuiabá, Niterói, Curitiba, Peruíbe, Pindamonhangaba, Taubaté, Ubatuba, Uberaba, Piracicaba, Piratininga, entre outras.

Além dessas, existem diversas outras palavras na língua portuguesa falada no Brasil que tem origem no tupi. Abaixo estão alguns exemplos:

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Paçoca – do tupi-guarani paçoca = coisa pilada. Alimento que se prepara no pilão.
Jacaré – do tupi-guarani jaeça-caré = o que olha de banda.
Sabiá – do tupi-guarani s-apia = o pintado.
Caatinga – do tupi-guarani caá-t-enga = o mato ralo.
Piranha –  do tupi-guarani pirá-anhã = peixe diabo.
Itaúna –  do tupi-guarani pedra preta (ita = pedra; una = preta, negra).
Maracanã – do tupi-guarani paracau-aná = pagagaios juntos.

Essa lista é só uma pequena amostra dos inúmeros exemplos que nós conhecemos atualmente, pois é possível que existam vários outros que são desconhecidos por nós por terem sua origem apagada ou perdida ao longo dos anos. 

Um dos exemplos mais conhecidos de tupinismo é a expressão “chorar as pitangas”.

Segundo a linguista Nancy Arakaki, a origem da expressão formada no Brasil pode ser bíblica, vindo, provavelmente, de trecho do Evangelho de Lucas em que o sofrimento de Jesus é retratado pelo “seu suor”, suor esse que “era como gotas de sangue que caíam no chão”.

De acordo com Nancy, os indígenas podem ter absorvido o significado da expressão, “lastimar-se”, mas segundo os seus próprios códigos culturais: o sangue deu lugar à pitanga, fruta que ressalta a forma de uma lágrima e a cor do sangue.

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O Marquês de Pombal, em 1758, proibiu o uso do tupi antigo e demais línguas faladas na colônia na época, como as africanas.

Já era tarde, contudo: o tupi já havia se ramificado pelos costumes e cultura do país.

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