Papai Noel e sua fabricação

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Pablo Michel Magalhães
Mestre em História - UEFS
Especialista em Filosofia - UCAM

Capa: Merry Old Santa Claus, do caricaturista Thomas Nast

O bom velhinho de barbas brancas e bochechas rosadas é um personagem marcante no Natal de milhões de pessoas ao redor do mundo. Papai Noel, Pai Natal, Santa Claus ou só Santa; não importa o nome, ele sempre aparece em algum lugar (ainda que seja no shopping de sua cidade, suando rios e tirando fotos com a criançada).

O ponto que quero levantar é o seguinte: de onde vem esse personagem simpático, que habita o imaginário ou mesmo a fé ou crença de tanta gente?

A Coca-cola e o Papai Noel contemporâneo

O Papai Noel de Norman Rockwell
Santa Claus de Norman Rockwell (Imagem/reprodução: The Norman Rockwell Museum)

Nas décadas de 1920 e 1930, uma das mais bem sucedidas campanhas publicitárias da História foi realizada. Para esquentar as vendas de fim de ano de seu refrigerante, a Coca-cola criou um personagem que representasse o natal. 

Partindo da lenda européia do Santa Claus, que era um senhor que distribuía presentes entre as crianças, foi projetado um velhinho barbudo, vestido de vermelho (cor da marca do refrigerante), sempre sorridente e, claro, com uma garrafa de Coca-cola na mão.

Dois ilustres pintores deram vida a esse personagem: Haddon Sundblom (1899 – 1976), frequentemente intitulado como “o inventor do moderno Papai Noel”, e Norman Rockwell (1894 – 1978), cujo trabalho, encomendado pela gigante de refrigerantes, estava sendo procurado pela própria Coca-cola (que havia perdido as ilustrações em seu catálogo histórico).

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O sucesso dessa campanha foi avassalador. Não somente em relação ao consumo do refrigerante, mas, também, em relação à imagem do Papai Noel vestido de vermelho, que seria reproduzida a tal ponto que, hoje, permeia o imaginário de diversas pessoas.

Mas, foi a Coca-cola quem inventou o Papai Noel? A resposta é não, e convido vocês a fazer uma viagem pela história do Cristianismo e do paganismo.

Legenda Áurea: a vida de São Nicolau

São Nicolau no afresco de Dionisius (Imagem/reprodução: Monastério de Ferapontov, Rússia) 

A Legenda Áurea, compilado sobre as vidas de santos no medievo realizado pelo arcebispo de Gênova, Jacopo de Varazze, no século XIII, é uma obra que se encaixa nos chamados exempla, contos e relatos de milagres que serviriam como guia moral e ético para os cristãos do período.

Nos relatos da Legenda, nem de longe encontramos qualquer menção a um velho bondoso que distribui presentes no Natal. Nicolau, bispo de Mira, é apresentado na narrativa desde sua infância até os possíveis milagres post mortem

Ainda recém-nascido, na cidade grega de Patras, ele teria tomado seu primeiro banho em pé; como exemplo de distanciamento do chamado pecado da carne, tocava no seio de sua mãe para amamentar apenas uma vez, às quartas e sextas; ao invés de brincar com os amigos, ia à igreja e decorava as lições aprendidas nas missas.

Com certa idade, Nicolau perdeu os pais, que lhe legaram uma fortuna prodigiosa. Dinheiro esse que o jovem não sabia o que fazer, segundo a Legenda.

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Esse fato é importante, porque marcaria a característica bondosa do santo: o vizinho de Nicolau tinha três filhas. Diante da profunda miséria em que estavam, o pai estaria cogitando prostitui-las (!).

Ao saber disso, o jovem tomou providências: à noite, jogou um saco de moedas de ouro na casa vizinha. Ao acordar, o homem teria agradecido a Deus, e logo providenciaria o casamento da filha mais velha, usando o dinheiro como dote.

Pouco tempo depois, Nicolau jogaria novo saco de dinheiro. Ato contínuo, o vizinho casaria sua segunda filha, agora tentando descobrir quem seria o benfeitor anônimo.

Quando o terceiro saco foi lançado em sua casa, o homem acordou sobressaltado com o barulho e perseguiu o anônimo até alcançá-lo. Reconheceu Nicolau e prostrou-se aos seus pés, bendizendo e agradecendo ao rapaz, que pediu sigilo enquanto estivesse vivo. 

É preciso lembrar que Jacopo de Varazze compila histórias de santos como exemplos aos fiéis, e todas essas características pinceladas por ele seriam a demonstração dessa santidade.

Em um dos milagres, Nicolau, já bispo, pediria a marujos de certa embarcação que dessem uma quantia de trigo para a população faminta da cidade. Os tripulantes explicariam que a carga estaria contada desde Alexandria, e precisaria chegar intacta ao seu destino. Nicolau, após oração e pedido a Deus, daria sua palavra que, mesmo que dessem o trigo, a carga chegaria com a mesma quantidade embarcada em sua origem. A narrativa da Legenda garante que tudo deu certo.

Definido na narrativa como “escravo de Cristo”, Nicolau operaria outros milagres, segundo Jacopo de Varazze: ressuscitaria um jovem morto pelas artimanhas do diabo; salvaria uma criança que caíra no mar; impediria a execução de generais romanos, intercedendo direto com o imperador romano Constantino.

A Legenda continua dando relatos sobre milagres em vida e em morte de Nicolau, mas em nenhuma há algo relacionado à caridade ou entrega de presentes em dias santos, muito menos o Natal.

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Yule, festival nórdico

Os principais relatos sobre o festival nórdico Yule podem ser lidos na Saga de Hákon, o bom, escrita pelo poeta e historiador islandês Snorri Sturluson (1178 – 1241).

As festividades giravam em torno da comemoração do solstício de inverno na Islândia, geralmente em 21 de dezembro. Eram realizados banquetes e festins, com sacrifícios de animais e fogueiras para suportar o frio da estação.

As crenças pagãs do período davam conta de que Odin (durante o festival, ele era chamado de Jól) cavalgava pelos céus no Sleipnir, o seu cavalo de oito patas.

Visitando as casas das pessoas, ele deixaria um presente para cada um, contanto que uma bota fosse colocada próxima (ou pendurada) na lareira (o deus nórdico entraria pela chaminé para tal).

Era comum que alguma comida fosse deixada em algum lugar para que o deus pudesse se alimentar e recobrar as energias num dia de muitas viagens.

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A fusão entre as lendas cristãs e pagãs

Santa celebra com a família, enquanto Krampus observa da porta (Imagem/reprodução: Getty Images)

É sabido que, no final da Antiguidade e início da Idade Média, o Cristianismo seria levado a diversos reinos e povos europeus que possuíam religiões locais (chamadas de pagãs pelos cristãos).

Isso promoveria uma fusão de crenças que misturaria elementos de uma e de outra religião.

O exemplo germânico pode ser o mais emblemático: o culto a São Nicolau chegaria na Áustria e na Alemanha, que já possuíam uma prática cultural no período de dezembro ligada ao espírito da floresta Krampus, um ser metamorfo que vinha buscar crianças que tivessem um mau-comportamento. 

Os dois personagens acabaram ocupando o mesmo espaço e, hoje, o natal é celebrado como o Weihnachtszeit (“tempo de natal”).

Indo de casa em casa, Santa (caracterizado como um bispo medieval) visita famílias para presentear as crianças, acompanhado de Krampus, um ajudante encarregado de apontar o mau-comportamento dos pequenos. Pai e mãe são chamados como testemunhas nesse “julgamento”.

Se o veredicto for positivo, Santa dá presentes e mimos. Se, pelo contrário, o mau-comportamento é atestado, é Krampus quem dá carvão e pedras como recompensas.

Assista um trecho desse ritual nesse vídeo:

Então é Natal!

Seja você capitalista, cristão ou pagão, o período de Natal é um momento de reflexão e contato familiar.

Chegamos na reta final de 2022, um ano que não acabou, e que vai emendar em 2023 em diversos aspectos.

Celebre da forma que se sentir mais confortável, tomando os devidos cuidados (ainda estamos em pandemia!).

Feliz natal!