Histórias em Quadrinhos e desenhos animados possuem um
valor documental bastante significativo, e seu potencial
enquanto fonte historiográfica é muito grande. Essas
produções, assim com outras formas de cultura de massa,
servem como instrumento para desvendar o modo de pensar
e entender o mundo das gerações que nos antecederam,
como verdadeiras janelas para o passado. No nosso caso
em questão, tentaremos mostrar como essas fontes foram
utilizadas como um potente e eficaz meio de propagação
de ideias, crenças e modelos, sobretudo em momentos de
intensa crise política e/ou econômica, como no período
da Segunda Guerra Mundial.
Em 1939 começa a Segunda Guerra Mundial. O nazismo
avança pela Europa e a situação de incerteza e medo
domina o planeta.Assim
que os Estados Unidos entraram na guerra em 1941, os
meios de comunicação de massa foram utilizados para
unificar a população, despertar o nacionalismo para
aumentar a certeza da vitória na guerra e, claro, fazer
com que os inimigos parecessem monstros. E que meio
melhor do que os quadrinhos, que circulavam diariamente
nos jornais, e os desenhos, na época em plena ebulição,
para fazer isso?
Fosse disseminando imagens patrióticas, fosse
incentivando políticas públicas de apoio aos militares,
fosse sendo utilizados como meio propagandístico e
ideológico, os quadrinhos passaram a tomar seu lugar no
esforço de guerra, e, desta forma, heróis com tema
patriótico não demoraram a surgir.
Com a Grande Depressão (1929-1940) e a Segunda Guerra
Mundial (1941-1945), as mulheres foram obrigadas a
assumir papéis mais ativos na sociedade e na família.
Muitas delas passaram a trabalhar em fábricas —
principalmente de munições - para sustentar a família e
ajudar nos esforços de guerra. “Outras — mais de 350 mil
— foram ao própriofrontauxiliando
as tropas dos Estados Unidos, servindo como enfermeiras
ou operadoras de rádio.
Estas mudanças sobre a performance das mulheres na
sociedade estadunidense refletiram-se nos quadrinhos de
super-heróis. Até então os criadores e editores nunca
haviam estado tão preocupados em criar novas idéias para
atrair o público jovem feminino para suas publicações.
Por décadas, os criadores de quadrinhos de super-heróis
julgaram que o público de suas histórias era
predominantemente masculino. Durante a história doscomicshouve
muitas heroínas, mas a maioria tinha mais a finalidade
de alimentar as fantasias de garotos adolescentes do que
focar o interesse de uma audiência feminina.
Em 1942, fez então sua estréia a primeira super-heroína
do mundo: aMulher Maravilha,
criada pelo psicólogo William Moulton Marston.
Provocando certa celeuma,pois
o conceito de uma figura feminina que subjugava o macho,
em todos os sentidos,não
era bem aceito. O editor-chefe Max Gaines procurou
Marston com o objetivo deinventar
uma nova personagem feminina no mesmo estilo deBatman,
Super-Homemeoutros
super-heróis da época. Em resposta, ele escreveu uma
história chamada"Suprema, a Mulher Maravilha" o
que originou a nova personagem naAll
Star Comics, Sensation ComicseDetective
Comics.
Vinda de um passado mitológico, a princesa Diana, filha
da rainha Hipólita, foi criada em uma ilha de Amazonas e
tinha poderes enormes, mas só usava a força emúltimo
caso. Ela resolvia tudo com a inteligência, astúcia e a
utilização de seu laçomágico,
no qual quem fosse amarrado só conseguia falar a
verdade.
Ao contrário dos outros super-heróis, a sua missão não
era só acabar com o crime, mas também reformar os
criminosos e torná-los cidadãos de bem. A Mulher
Maravilha usava (e usa) as cores da bandeira americana,
além da águia notope
estrelinhas no shortinho. Os
braceletes que a personagem utiliza seriam uma lembrança
da época mitológica em que as Amazonas haviam sido
vencidas e escravizadas por Heracles e uma forma de
dizer que ela está usando contra os homens aquilo que
eles usaram contra nós mulheres para nos escravizar.
Na maioria das HQ’s deste período inicial, a personagem
combatia o crime e ajudava as mulheres. Ela tinha uma
função importante na guerra verdadeira: mostrar para as
mulheres que elas tinham de entender seu potencial,
serem capazes de cuidar de si mesmas e lutar por
direitos iguais.
Por mais que a personagem seja uma representação tida na
época como “positiva” da mulher -segundo os parâmetros sobre os quais seus produtores se
baseavam com o intuito de atrair o público feminino mais
intensamente -, acabava-se por revelar um constructo do
feminino sob os olhos masculinos.Com
a volta dos soldados para os EUA, as vendas da revista
foram reduzidas consideravelmente (na mesma medida em
que as mulheres foram recolocadas em "seu lugar": dentro
de casa).
Tio Sam(personificação
nacional dos Estados Unidos), também ganhou uma versão
em quadrinhos onde justificava, em sua capa, a isenção dos
Estados Unidos da responsabilidade sobre a entrada na II
Guerra Mundial.Tio
Samecoava
o mantra que imbuía a nação norte-americana da função de
disciplinadora do mundo, o gigante pacífico que agia
quando provocado, e não por interesse próprio.
Por um bom tempo a temática de guerra perduraria nas
capas das HQ’s. Eram comuns caricaturas de Hitler,
Mussolini e Hirohito em situações cômicas. Mas,
representações realistas também tinham espaço.
Entretanto, a tarefa mais importante dos personagens de
quadrinhos no esforço de guerra era estimular o público
a comprar bônus de guerra, ou seja, títulos de dívida
pública que ajudavam a financiar as operações militares
na zona de combate.
A capa da edição número 58 daAction
Comics pode ser tomada como exemplo dessa prática.
Usando sua super força,Superman
figurava em um cartaz com os seguintes dizeres: “VOCÊ
também pode estapear um japa comprando bônus de guerra e
selos”.
Em 1942, a Ordem de Exclusão Civil 346 garantiu que todos
os cidadãos de ascendência japonesa na costa do Pacífico
deveriam se reportar a centros militares, de onde foram
enviados para campos de “relocação”. Os “japas”, como
eram constantemente apresentados nas capas dos gibis
logo tomaram para si o posto de inimigo preferencial dos
heróis combatentes, sendo muito mais comuns que nazistas
ou fascistas.
Em cartazes veiculados neste período, pode-se verificar
a utilização de representações racistas e estereotipadas
do inimigo japonês. É impossível ignorar um forte
elemento de preconceito nas representações das forças
japonesas encontradas nas revistas e cartazes da época.
As forças nipônicas eram constantemente retratadas com
traços inumanos nos desenhos de Jack Kirby na revistaCaptain
Americane
mesmo artistas com um viés mais realista desenhavam o
inimigo oriental de forma caricata, sempre em situações
de fuga ou derrota. Soldados europeus do Eixo também
eram sempre apresentados sendo derrotados, mas sofriam
bem menos deformações em sua aparência.
A opção norte-americana por quem se caricaturava
demonstra a existência de um preconceito prévio que, no
âmbito de uma declaração de guerra, ganhava legitimidade
para ser demonstrado à luz do dia. Os limites entre
patriotismo e intolerância eram borrados, e o que
deveria servir como demonstração de apoio às tropas
tomava a forma de uma linguagem visual que incentivava a
exclusão. Com seus traços fisionômicos característicos
tornado-se símbolos denunciantes de perversidade e
covardia, um norte-americano de ascendência japonesa
passou a ter muita dificuldade de ser visto como um
verdadeiro cidadão dos Estados Unidos.
O fim da Segunda Guerra Mundial não foi um tema muito
presente nas capas das histórias em quadrinhos de 1945.
Para a maior parte dos títulos, houve apenas um súbito
desaparecimento dos vilões nazistas e japoneses que
povoaram as cenas de ação dos anos anteriores,
substituídos por gângsteres ou monstros e super-heróis
por personagens cômicos. Desta forma, quase todos os
super-heróis que existiam na época, ganharam de seus
autores aventuras nas quais enfrentavam espiões nazistas
ou conspirações de alemães, japoneses e italianos.
Todavia, os super-heróis não foram os únicos a irem para
a Guerra.
Os estúdiosDisney-
cuja música "Quem tem medo do Lobo Mau" (Os três
porquinhos) já tinha sido usada pelo governo como slogan
do “New Deal” do governo
Roosevelt-, tiveram seus personagens praticamente
“convocados” a realizar propaganda contra os inimigos
dos EUA.
As histórias - e mais ainda as capas das edições -
abordavam excessivamente o momento tenso por que passava
o mundo, e eram sempre vistas sob uma ótica caseira,
mostrando a escassez de produtos (incluindo alimentos)
decorrente da guerra. Foram feitos documentários e
filmes a respeito do conflito, mas isso era pouco.
Tanto os Ingleses quanto os Norte Americanos, veiculavam
propaganda preconceituosa visando instigar os soldados
contra o inimigo. Certas peças de comunicação, por
exemplo, retratavam os soldados japoneses e Alemães como
pessoas sádicas, desprovidas de emoções e até
estupradores. A propagação da idéia do inimigo não
humano, incentiva o ódio e elimina responsabilidades,
estimulando em conseqüência a prática de atrocidades.
Assim,Mickey
e Donaldacabaram
entrando no combate. O ratinho foi usado em todo o tipo
de material, até mesmo cartazes de guerra no qual lembra
os americanos do ataque japonês a Pearl Harbor e diz que
é preciso ficar alerta. "Mickey Mouse" teria sido
inclusive, um dos códigos usados pelas tropas americanas
no desembarque na Normandia, no "Dia D".
JáDonald,
emA Face
do Füher de1943
(curta-metragem de animação), é representado como um
louco nazista, um pobre homem simples alemão que sofria
lavagem cerebral do nazismo e se tornava um soldado
humilhado, obcecado e insano.
Vale lembrar ainda que os personagensZé
Carioca(Brasil)
ePanchito(México)
surgiram nesta época em decorrência justamente da
política de boa vizinhança dos EUA em função da guerra,
como forma de angariar a simpatia dos países candidatos
a integrar o grupo dos Aliados na Segunda Guerra
Mundial.
Mas essa era uma via de mão dupla e as forças do Eixo
também sabiam se utilizar muito bem do mesmo artifício.
Os líderes do Japão, Itália e Alemanha proibiam a venda
dos gibis norte-americanos em seus países. Hitler, que
por sinal bania os gibis deO
Príncipe Valentedas
cidades que conquistava, mandou seu ministro das
comunicações, Goebbels, preparar um duro discurso
atacando os personagens Disney, em especialDonald.
Desenhos animados também foram utilizados como um forte
aliado pelo Eixo. Nimbus Libere é um exemplo de uma
produção Alemã onde são apresentados os principais
personagens estadunidenses, Mickey, Pateta, Popeye e
Donald bombardeando a França em uma falsa libertação do
País.
Omocha Bako é uma produção japonesa, retratando Mickey
como uma criatura má invadindo o Japão, e o povo japonês
recorrendo a seus guerreiros nipônicos.
Os aliados, como se sabe, ganharam a guerra e os
personagens voltaram a "ser civis", mas demonstraram ser
ótimos soldados. E, com certeza, o governo estaduninse
não teria dúvidas em convocá-los de novo, se preciso...
(Texto do
Prof.ª Aline Martins dos Santos, da redação d'O Historiante)
Angela Rama [et.al].
Como usar as Histórias em quadrinhos na sala de
aula. São Paulo: Contexto, 2010.
Resumo: O livo traz, em
sua primeira parte, uma espécie de guia básico sobre
a linguagem dos quadrinhos e em outros capítulos
especifícos, há orientações didáticas sobre o uso
das HQ's em várias disciplinas, como Português,
História, Geografia e Artes.
Criado
pela professora da rede pública e particular de
Leopoldina/MG, Natania Nogueira, o blog divulga seus
projetos e experiências com quadrinhos.
Dica de
filme:
Capitão
América: O Primeiro Vingador (2011).
2ª Guerra
Mundial. Steve Rogers (Chris Evans) é um jovem que
aceitou ser voluntário em uma série de experiências que
visam criar o supersoldado americano. Os militares
consequem transformá-lo em uma arma humana, mas logo
percebem que o supersoldado é valioso demais para pôr em
risco na luta contra os nazistas. Desta forma, Rogers é
usado como uma celebridade do exército, marcando
presença em paradas realizadas pela Europa, no intuito
de levantar a estima dos combatentes. Para tanto, passa
a usar uma vestimenta com as cores da bandeira dos
Estados Unidos, azul, branca e vermelha. Só um plano
nazista faz com que Rogers entre em ação e assuma a
alcunha de Capitão América, usando seus dons para
combatê-los em plenas trincheiras da guerra.