16/04/2013
A construção da Guerra Fria na
década de 1980, a partir das histórias em quadrinhos de
Batman e Watchmen.
Prof.
Neto Almeida
Em que sentido um objeto
de entretenimento como as histórias em quadrinhos (HQs)
podem expressar algo sobre determinada realidade? Existe
essa relação dos mesmos com a Guerra Fria?
Ao final da Segunda
Guerra Mundial surgem como preocupações o medo e a
apreensão de um novo conflito militar. Estados Unidos
(EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),
nações que ganham ênfase, iniciam o período
histórico do século XX designado como “Guerra
Fria”.
Um discurso proferido por Winston Churchill (chefe de Estado do
Reino Unido) acirra os ânimos entre EUA e URSS. Abaixo
segue um trecho de sua fala no ano de 1946:
[...] Ninguém sabe o
que a Rússia Soviética e sua organização internacional
comunista pretendem fazer no futuro imediato, ou quais
são os limites, se é que os há, para as suas tendências
expansionistas [...]. De Stettin, no [Mar] Báltico,
Trieste, no [Mar] Adriático, uma cortina de ferro desceu
sobre o continente. [...}.
Nesse cenário, como
acontecem as políticas que abriram o processo de
bipolarização da Guerra
Fria? Os
EUA em 1947 anunciam o Plano Marshall, que incluía
empréstimos de longo prazo, juros reduzidos, concessão
de tecnologias e investimentos volumosos, além de
estimular a exportação norte-americana, principalmente a
países da Europa Ocidental (França, Inglaterra e
Alemanha Ocidental). Em resposta, a URSS cria o Cominform
(Agência Comunista de Informação) com o objetivo de
fortalecer o movimento comunista no restante do mundo,
principalmente na Europa Oriental.
A partir daí, a Guerra Fria efetivamente está lançada para o mundo,
onde o capitalismo norte-americano e o socialismo
soviético buscam maneiras de se legitimar e alinhar os
outros países à sua órbita de influência e aos seus
tipos de “fazer a sociedade”.
Diante disso, convém questionar: a Guerra Fria interfere apenas no
plano econômico e nas relações políticas do globo? Ou,
processualmente, as relações da cultura e das sociedades
também passam por alterações?
Por se estabelecer como um conflito no âmbito das estratégias, e,
sobretudo, da propaganda, a cultura e a maneira dos
sujeitos de se perceberem acabam por mudar, bem como os
anseios de seus cotidianos.
Nosso estudo se voltará para os anos 1980, que ficaram conhecidos, do
ponto de vista das relações internacionais, como
relaxamento que culmina na política da Deténte. Este
período, se analisado a partir da representação
norte-americana, faz gerir a Guerra
Fria por
seus próprios “olhos” ianques. São anos de dúvida, onde
se expressam, no cotidiano americano, todo um jogo de
conflito de olhares, críticas e posições políticas. A
cultura e o entretenimento, como a produção e leitura
das HQs, fazem parte desses espaços de debates e são
alterados profundamente.
Atente para a figura
acima. É o trecho de um episódio de Batman - O cavaleiro
das trevas (Entrevista do presidente americano aos
jornalistas), criado pelo cartunista e roteirista Frank
Miller na década de 80. Na charge, a abordagem se faz
com crítica à figura do presidente americano Ronald
Reagan, que era contestado por ser uma figura alegórica
e de espetáculo. Nota-se um posicionamento crítico e
político do autor em relação às maneiras da
governabilidade do presidente Reagan.
A história ficcional narrada por Frank Miller cria um diálogo com
os textos históricos, tendo personagens que são
comparações do contexto da Guerra Fria. Na História de Batman,
a fictícia cidade de Gotham City é a alegoria das
metrópoles caóticas e conturbadas pela política de
Estado vigente.
Percebe-se como o contexto da Guerra influenciou as produções da
época e como estas produções influenciaram a imagem
desse momento. Ao mesmo tempo em que as fabricações de
quadrinhos passam a colocar em suas histórias as
discussões e anseios populacionais, estas passam a
formar opinião e divergências, lançando novos olhares à
situação do período.
É importante perceber
que, em seu interior, a sociedade americana não estava
completamente homogênea, havia discordâncias em relação
ao apoio tanto ao presidente como aos rumos da política
dentro da Guerra Fria. A produção de HQ mostra essas
divergências tanto nas narrativas de Batman como
em outra série: Watchmen (produzido
entre 1986 e 1989).
Quando pensamos em histórias em quadrinhos, a imagem que nos remete
à lembrança é de heróis virtuosos, de narrativas
triunfantes e vitórias preparadas. Pois bem, Watchmen,
tal como Batman
- O cavaleiro das trevas, faz
parte de um novo formato dos quadrinhos, direcionados ao
público adulto: a graphic
novel. Esse gênero tem histórias complexas, com
personagens sombrios e problemas de personalidade e
identidade. Ante a isso, essas HQ’s da década de 1980
exprimem problemas e inquietações do seu tempo. É nesse
cenário que Watchmen, do
produtor Alan Moore, acaba por elaborar severas críticas
à Guerra Fria, ao governo americano, à sociedade e à
relação do capitalismo com o socialismo. Mesmo em seu
teor fictício, num universo de narrativa diferente,
percebe-se e trabalha-se a ideia da paranoia nuclear
levada a seus fins.
A ficção Watchmen, na
figura acima (Planejamento de guerra), se compõe em seis
vigilantes envolvidos e tentando desvendar a morte de um
de seus parceiros. São
pessoas problemáticas que ajudavam o Estado americano,
mas com a falência e descrédito do governo, os
vigilantes são hostilizados e precisam conviver numa
cidade cheia de caos e trucidada pela violência.
Portanto, é interessante ver como a cultura e as formas de “ver”
dos indivíduos vão se transformando. A Guerra Fria e a
década de 1980 são o expoente dessa realidade. Do temor
governamental aos produtos de massa e mídia, as pessoas
exprimiam a sua forma de representar e vislumbrar a
sociedade americana.
Os contextos e os conjuntos se ligam. A manutenção da ordem nesse
mundo bipolar gerava sentimentos diversos e os rumos
políticos se faziam inconstantes. O já citado presidente
Ronald Reagan eleito em 1981 governa a nação americana
em notável apreensão. Nos primeiros anos de mandato,
evidencia-se um grande acirramento e investimento
bélico, seja de sua nação, seja de sua maior rival: no
que fora denominado Guerra
nas Estrelas. O fato teve peso de se propagar na
população, e por consequência, nas práticas dos
indivíduos.
No seu segundo mandato,
Reagan precisa demandar acordos de tranquilidade e a
política de abertura do chefe de Estado soviético
Mikhail Gorbachev é um importante canal para esse
apaziguamento. Em dezembro de 1987, os dois líderes
assinam um acordo de redução do potencial bélico. A
Guerra vai perdendo corpo, mas suas permanências e
efeitos adentram na vida e nas práticas intelectuais dos
indivíduos.
Dica de Filmes.
Filme: Batman- O
cavaleiro das Trevas (EUA, 2008).
Sinopse:
Batman está inserido em um novo cenário. Agora os heróis
de Gotham City não são mais vistos com bons olhos. Após
dois anos do surgimento do homem-morcego, ele conta com
o auxílio de outras forças para combater o maquiavélico
Coringa.
Comentário: Numa fiel adaptação da consagrada graphic
novel, o filme retrata uma sociedade mergulhada no
caos e na violência decorrente de um Estado corrupto e
ineficiente.
Filme: Watchmen (EUA,
2008).
Sinopse: Watchmen é
situado em
uma América alternativa,
no ano de 1985, onde super-heróis fantasiados é parte da
teia que compõe a sociedade normal do dia-a-dia. Lá, o
“Relógio do Juízo Final” – que mostra a tensão entre os
Estados Unidos e a União Soviética – sempre está
marcando cinco minutos para meia-noite.
Comentários: Uma saga marcante, de uma complexidade de enredo que encanta e
faz refletir sobre os sujeitos e a construção em torno
dos adjetivos que circundam os heróis. A trama dessa
realidade paralela instiga questões interessantes de
imaginário e abstração na década de 1980.
(Texto do
Prof. Neto Almeida, da redação d'O Historiante)
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