24/02/2013
Carnaval de Maragojipe, a liturgia de um tripé Cultural.
Prof. Juliano Mota
Campos
Fantasiados no carnaval de rua de Maragojipe.
Alegria. Essa palavra para muitos poderia ser encontrada
no dicionário como sinônimo de carnaval, festa onde o
incomum torna-se comum, a regra dá lugar à exceção, em
que o único vilão é a tristeza, e a imaginação torna-se
a principal alegoria, celebração que dura alguns dias,
mas que, para muitos, é atemporal. Sobre o reinado de
Momo em Maragogipe na Bahia, buscaremos identificar suas
características, especificidades, contribuições das três
culturas: europeia, indígena e africana, além da
importância desse festejo sagradamente profano para o
povo brasileiro e vitrine de nossa cultura para o mundo.
O país do carnaval,
obra de Jorge Amado em 1930, e as músicas Amor de
carnaval e País tropical do outro Jorge, o
Ben Jor, foram alguns dos inúmeros confetes jogados
pelos artistas sobre esse tema que é um dos elementos
constituintes da identidade nacional. Segundo o
historiador Voltaire Schilling, essa festa surgiu na
Grécia Antiga (há mais de 3 mil anos), no culto ao deus
Dionísio, que depois seria cultuado em Roma como Baco
(deus do vinho e da alegria), disseminando-se a
posteriori para os países de cultura neolatina.
Schilling ainda afirma que as mulheres foram as
primeiras a idolatrar esta divindade, que viram, nos
dias que eram dedicados ao culto, um momento para
escaparem da vigilância dos maridos para poderem cair na
folia. Nos
dias permitidos, elas saíam aos bandos, com o rosto
coberto de pó e com vestes transformadas e cantando. Os
homens não demoraram muito em aderir aos festejos.
Culto
ao deus Dionísio na Grécia antiga
Para a historiadora Rita de Cássia Araújo, as festas
populares que aconteciam na era pré-cristã no Hemisfério
Norte, especialmente no Egito, em Roma e na Grécia, para
comemorar o fim do inverno e a chegada da época do
plantio de lavouras, impulsionaram o que se configurou
como o início do Carnaval. De celebração agrária, a
“farra” ganhou novos contornos quando o Cristianismo
atribuiu significado à festa, que passou a ser vinculada
à Páscoa - a Terça-Feira Gorda é 47 dias antes do
domingo de Páscoa. Estas comemorações, então, passaram a
ter um sentido de tempo de diversão e exagero, de comida
e bebida, que antecede o início da quaresma.
O “abre-alas” para a algazarra momesca só chegou a
terras tupiniquins no século XVII através da influência
europeu-portuguesa. Inicialmente com o Entrudo
(brincadeiras em que pessoas sujavam umas às outras) que
era apreciado por todos os segmentos da sociedade, mas
em lugares diferentes - as famílias brancas/elite nas
casas e os escravos e menos favorecidos nas ruas -, e
após a independência do Brasil, com a chegada das
fantasias, máscaras (vindos da Itália e França
principalmente), os grandes bailes e a formação das
sociedades carnavalescas (inicialmente de elite), o
carnaval foi ganhando os contornos do modelo de festa
que predominaria como civilizado e nos moldes diferentes
do negativo e ultrapassado entrudo, apesar de o mesmo
continuar a existir, principalmente, entre a camada mais
pobre da população.
Entrudo luso-brasileiro na América portuguesa séc.XVII
O carnaval se expandiu pelos quatro cantos do país,
ressignificou-se a partir da matriz identitária africana
e indígena e ganhou novas cores e sons, inclusive na boa
terra, a Bahia. É em um povoado com características
coloniais, de origem indígena, (mas com a malemolência
africana) por nome de Maragojipe, que o carnaval vai
mais tarde tornar-se autenticamente patrimônio imaterial
da Bahia. As tribos dos Aymorés ocuparam uma região do
recôncavo baiano cercada de rios e manguezais, que ficou
conhecida como “rio dos mosquitos”, devido à ampla área
de manguezal que lá existia, e deixaram nos caminhos
estreitos desse lugar a arte, a simbologia e a técnica
das cerâmicas que inspiraram muitas máscaras e a energia
de todas as divindades que regiam o sucesso das
colheitas e hoje orquestram a alegria do carnaval.
Os festejos de momo chegaram à essa terra ainda na
transição do séc. XIX para o séc. XX, como afirma o
“Jornal Nova Era” de 10 de março de 1897, quando diz
que : Foi a nossa estréa nesta especie de festejo,
que outras festas não nos faltam sempre: tardia a estréa
é verdade mas prodigiosa de força e de enthusiasmo,
robustissimo e miraculoso fructo de seiva tão fraca e
rara, como é o metal que corre nas algibeiras destes
operarios e destes pobres. E, como effeito, foi uma
festa popular, nada de elemento oficial. Assim,
enquanto o carnaval, na maioria do Brasil, estava
organizado em grandes bailes carnavalescos com o intuito
de esquecer o entrudo e importar o carnaval de Nice e
Veneza, exaltando o luxo e a pompa de um carnaval da
elite, Maragojipe, na virada do séc. XIX para o XX e em
um considerável período deste referido século, se coloca
na contramão de boa parte dos festejos nacionais,
preservando referenciais herdados da cultura afro e
valorizando as manifestações culturais locais, a partir
de seu próprio povo, sua religiosidade, culinária,
música e modo de ser.
Essas ações vão evidenciar, a partir da busca pela
manutenção das tradições, que o carnaval de Maragojipe
não aderiu, completamente, ao projeto empresarial vivido
pelo carnaval baiano, especialmente o de Salvador, mesmo
que se perceba a inserção de uma variedade de adereços e
fantasias colocadas pelos comerciantes à disposição dos
consumidores/foliões, além de certa profissionalização
na estrutura da festa, no decorrer do séc XX. A folia em
Maragojipe perpetua a tradição dos mascarados, o fazer
por várias mãos as próprias fantasias, de guardar
segredo sobre esta produção e de recontar a vida
cotidiana pelo olhar da irreverência e criatividade, não
esquecendo de mesclar a isso suas origens e valores a
partir da memória.
Homens vestidos de mulher no
carnaval de rua de São Paulo, 24 de março de 1954.
Na obra História e Memória, Jaques Le Goff afirma
que a memória, como propriedade de conservar certas
informações, é um conjunto de funções psíquicas, graças
às quais o homem pode atualizar impressões ou
informações passadas, ou que ele entende como passadas.
Utilizando-se desta propriedade é que o Instituto
do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC), através
do livro Carnaval de Maragojipe, a partir da
análise de profissionais das ciências humanas, produziu
uma síntese dessa celebração ao descrever a década de
1920 como momento em que inúmeros cordões, inclusive de
mulheres, participavam da festa, além dos clubes Amigos
do Silêncio e Deustcher Club, do Bloco dos Caipiras, do
Rancho do Jacaré e na década de 1930 os Cordões das
Hespanholas, Assustados e dos Nagôs; Ternos da
Esperança, Marujas, Bonecas, Turcas e A Fauna; Rancho do
Macação, mascarados, pierrôs, colombinas e, ainda,
passeatas promovidas pelas filarmônicas.
A partir das décadas de 40 e 50, a presença de entidades
carnavalescas, a exemplo do Bloco Vicente Peixoto, Afoxé
de Albertina, o Bumba-meu-boi do Inspetor Ângelo, o
Bloco da Garrafa, o Bloco do Bambolê, o Terno Infantil e
o Bloco do Tiro ao Alvo (composto por meninas negras), e
os clubes sociais, tais como a Associação Atlética, a
Rádio Clube, Filhos da Terpsycore e filarmônicas A
Sociedade Filarmônica Dois de Julho e a Philarmônica
Terpsycore, compunham a diversidade e riqueza do
patrimônio cultural de Maragojipe. Da década de 60 em
diante, a população acolheu a chegada do trio elétrico,
sendo um dos primeiros o Maragós, seguido pelo Oriente e
Canto das Sereias. É nessa festa democrática, que sempre
buscou conciliar o atual com o antigo, que grupos
filantrópicos como O GRAMMA - Grêmio Recreativo dos
Amigos Mascarados de Maragojipe - que tinha como
objetivo trabalhar com idosos e crianças - e as meninas
(esposas e filhas) com o VAQA, grupo carnavalesco -
Várias Amigas Querendo Aparecer - demonstram que cuidar
do outros é ter carinho com o passado e futuro.
A presença de temas afro e integrantes negros nesses
blocos carnavalescos demonstra a preocupação que essa
sociedade tinha em repercutir suas origens, percebendo o
carnaval, também, como um lugar de expressão daquilo que
brota do povo. O lugar social que o carnaval tardio de
Maragogipe tem, ainda hoje, é o da explosão democrática,
seja do convívio do novo com o antigo, da autonomia do
povo em construir o seu próprio manifesto de liberdade,
independentemente das intenções do poder estatal, bem
como da preocupação de não se tornar uma indústria de
emoções ou folclores, enfim, de buscar através de uma
miscelânea de crenças e sujeitos os reais sentidos do
carnaval: democracia, diversidade e alegria.
Bloco das almas, Maragojipe
VER TAMBÉM:
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para
uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997.
DIAS, Diego Bomfim. Carnaval de Maragojipe símbolo de
resistência cultural. Revista I Passos de História.
Disponível em: <http://passoshistoricos.blogspot.com>.
Acesso 10 maio 2010.
Bahia. Governo do Estado. Secretaria de Cultura. IPAC.
Carnaval de Maragojipe. / Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia. – Salvador : FPC,
2010. (Cadernos do IPAC, 2)
(Texto do Prof. Juliano
Mota Campos, da redação d'O Historiante).
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