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02/02/2013
Sob a insígnia do
peixe, os cristãos na Antiguidade.
Em Jerusalém, a
crucificação de um galileu deu início a uma das culturas
religiosas mais difundidas da história.
Prof. Pablo Michel
Magalhães
PARA INÍCIO DE CONVERSA
De acordo com a tradição cristã e ortodoxa, a história é
a seguinte: no dia 7 de Abril do ano 30 (segundo o
calendário gregoriano), a cidade de Jerusalém estava
agitada em função dos festejos da páscoa, quando os
judeus comemoram a libertação do seu povo por Moisés do
jugo da escravidão no Egito. Em função da chegada de
grande número de judeus, advindos de cidades próximas,
para participar da festividade, o procurador romano
designado pelo império para gerenciar a Judéia, Pôncio
Pilatos, resolveu mudar, ainda que temporariamente, seu
local de residência para Jerusalém.
Naquele ano, em especial, havia um rumor que pouco a
pouco crescia entre os habitantes da cidade: um certo
Jesus, nazareno, havia sido detido. Boa parte dos
hierosolimitanos (cidadãos de Jerusalém), conhecia esse
homem, que em diversos momentos apareceu pela cidade e
pelas regiões circunvizinhas, sempre acompanhado de um
grupo de amigos, compartilhando ensinamentos e
intervenções de caráter miraculoso. Essas ações do
nazareno acabaram atraindo a atenção e a inveja do grupo
religioso dominante, os fariseus (judeus radicais
intransigentes) e o Sinédrio (conselho de 71 membros que
gere a vida religiosa do Templo de Jerusalém).
Enquanto estava com alguns discípulos, no Jardim do
Getsemani, Jesus foi preso pela polícia do templo
(após denúncia de um de seus companheiros de
peregrinação, Judas, do grupo rebelde dos sicários,
ramificação belicosa de um outro grupo revolucionário
maior, os zelotes), na noite de quinta para sexta-feira.
Conduzido à casa de Caifás, sumo sacerdote, Jesus
encarou um tribunal composto pelos membros do Sinédrio
(uma clara ação ilegal, uma vez que os julgamentos de
pena capital feitos pelo Sinédrio só poderiam ocorrer à
luz do dia, e em hipótese alguma na véspera do shabat, o
sábado sagrado do judaísmo). Após simularem um
julgamento, acusando o nazareno, dentre outras coisas,
de blasfêmia, porquanto afirmava ser o Messias, filho de
Deus, todos os presentes condenaram-no. Porém, não sendo
habilitados a proferir uma sentença de morte, os
sacerdotes do Sinédrio levaram Jesus para Pilatos.
Representante de Roma e seu poderio infindável, apenas
ele estaria apto para declarar a morte do acusado.
Diante da indecisão do procurador, os sacerdotes
utilizaram o argumento de que o nazareno dizia ser rei
dos judeus, insinuando estar ele planejando uma revolta
contra os romanos.
A partir daí, o processo legal se iniciou: primeiro,
açoitamento (Jesus e dois outros condenados do dia foram
conduzidos para este procedimento); sob tom de ironia,
uma coroa de espinhos, um caniço e um manto escarlate
foram entregues ao nazareno, seguidos pelas chacotas dos
soldados, que se ajoelhavam em reverência ao "rei dos
judeus". Depois disso, a crucificação (um dos piores
meios de condenação que compunham o arsenal da máquina
de guerra romana): conduzindo o próprio patibulum
(a viga transversal que era suspensa no poste de 3
metros de altura, a crux), os condenados seguiram
pelas ruas da cidade, sob vaias, pancadas, cuspidas e
impropérios, até o ponto mais alto (não por acaso, os
romanos queriam que toda a população visse o castigo,
como forma de lição). Em Jerusalém, o local das
crucificações era a colina do Gólgota. Por fim, pregados
com cravos ou amarrados ao patibulum, Jesus e os
dois outros criminosos foram erguidos na crux.
Aos poucos, os crucificados sofrem com asfixia, que os
leva a morte lentamente. Jesus gemeu com sede, e uma
esponja com posca (bebida refrescante dos
soldados romanos, mistura de ovos batidos, água e
vinagre) lhe foi içada em uma lança. Não muito tempo
depois, ele veio a falecer. Os outros dois, mais
resistentes, ainda estavam vivos, quando as autoridades
judaicas solicitaram que os soldados quebrassem as
pernas dos crucificados, antecipando a morte (não é
permitido que os cadáveres sejam retirados da cruz e
sepultados no shabat).
O PRENÚNCIO DE UMA NOVA RELIGIÃO
A história de Jesus é conhecida principalmente através
dos evangelhos, escritos algumas décadas após a sua
morte em comunidades cristãs que cultivavam tradições
orais sobre o Cristo nascido em Nazaré, além de menções
feitas por escritores pagãos do século I, como Flávio
Josefo e Tácito.
À época de Jesus, a Palestina correspondia a uma das
várias possessões do Império Romano. Desde o ano 63 a.C,
os romanos controlavam a região, sendo que a partir de
40 a.C, um rei-cliente foi instituído para governar a
região sob a batuta de Roma, sendo ele Herodes, o
Grande. No ano 4 a. C, em função de sua morte, os 3
filhos do soberano assumiram o controle da região. No
entanto, apenas um deles pôde manter sua coroa, Herodes
Antipas, em função de várias guerras e conflitos que
sacudiram Samaria e Judeia, o que levou os romanos a
depor os outros dois reis (Arquelau e Filipe) e designar
um procurador para gerenciar o domínio do império.
Seguindo uma política de não interferir nas religiões de
seus dominados, os romanos respeitam e regularizam a
liberdade de culto dos povos judeus da Palestina (Judeia,
Galileia, bem como cidades com significativa parte de
sua
população composta por judeus do
mediterrâneo, como Antioquia, Cartago e Alexandria, são
beneficiadas). Como centro religioso do judaismo, há o
Templo de Jerusalém, restaurado e aumentado por Herodes,
o Grande.
Já no século I, a cultura religiosa judaica está, de
certa forma, fragmentada em diversas formas. Havia a
aristocracia sacerdotal, os saduceus, favoráveis à
ocupação e dominação romana; os fariseus, ultra
conservadores, praticantes de um judaísmo radical que
busca a pureza da fé, opositores ao Império Romano; e o
quase monasticismo da seita ascética dos essênios, grupo
que raramente se mistura à população. Além destes, há o
grupo dos batizados, que está à margem do Judaísmo.
Estes pregam a purificação do homem e a remissão dos
seus pecados através do batismo, conferido uma só vez
(algo que distingue este tipo de prática das abluções
rituais dos judeus, que utilizam também da água para
purificar partes do corpo).
No meio de todos esses grupos, se multiplicam correntes
messiânicas. Segundo a tradição, um dia virá o
Messias, "aquele que recebeu a unção divina" (Christós,
em grego), herdeiro do rei Davi. Os judeus o imaginam
como um chefe poderoso, vindo para liderar a libertação
do povo hebreu do jugo da dominação romana, além de
conferir ao Deus de Israel sua primazia no mundo.
Em meados do ano 28 da nossa era, um jovem galileu
abandona sua aldeia e vai juntar-se ao grupo dos
batizados, liderado por seu primo João, o batista,
pregador vociferante de um breve Juízo Final. Após
receber seu próprio batismo, Jesus passa a peregrinar de
maneira itinerante, indo de cidade em cidade, aldeia em
aldeia. Nessas andanças, pessoas passam a segui-lo, dos
mais variados estratos sociais. Pescadores do lago de
Tiberíades, um coletor de impostos, notáveis locais são
alguns destes. Homens e mulheres, multidões ou pequenas
reuniões familiares, na Judéia ou em terras estrangeiras
(Fenícia, por exemplo): o nazareno percorre lugares, e
fala para os mais diversificados grupos.
Última Ceia de Jesus antes da Crucificação (Página do
Codex Purpureus Rossanensis)
Às vezes falando com intelectuais, ou mesmo com pessoas
humildes dos campos, Jesus utilizou-se de alegorias
orais para transmitir seus ensinamentos, como as
parábolas. Prenunciando a vinda de um "Reino de Deus",
buscava demonstrar que este se tratava de um reino
espiritual. Esse discurso passou a ecoar entre muitos
judeus, que imaginavam um reino bem mais físico e
imediato, um novo Reino de Israel, tal qual o foi sob a
égide de Saul e Davi. Daí chamarem o nazareno de
messias, Filho de Davi. Queriam fazer dele
rei no meio terrestre.
Jesus é também um orador provocador: em várias
controvérsias com fariseus e escribas, ele chama-os de
"sepulcros caiados", uma alusão a um receptáculo oco,
vazio, evidenciando que eles nada mais eram que
repetidores da Lei, mas sem a espiritualidade necessária
para um verdadeiro fiel.
O cristianismo, enquanto religião, pode ter seu
princípio situado no domingo após a crucificação de
Jesus. Após encontrarem o sepulcro vazio, mulheres
retornam com a informação aos discípulos, que creem ser
esta a prova crucial de que Jesus realmente era o Filho
de Deus ressuscitado. A partir daí, o pequeno grupo de
seguidores do Cristo passa a difundir os ensinamentos do
nazareno em Jerusalém e demais regiões próximas,
atraindo novos adeptos, sob a liderança de Pedro e Tiago
(o irmão de Jesus). Esses primeiros seguidores compõem
um novo grupo dentro do Judaísmo. Ou seja, continuam
praticando a cultura religiosa judaica, mas incorporam a
ideia de que o Messias tão esperado já havia vindo como
Jesus de Nazaré, além de praticar o ritual da Ceia.
Desconfiando das práticas dessa nova seita, os fariseus
aprisionam Pedro e João. Estevão, outro membro da
comunidade, é apedrejado, tornando-se o primeiro mártir
do Cristianismo.
Anos mais tarde, Saulo, fariseu originário da cidade de
Tarso, é encarregado de realizar prisões sistemáticas de
judeus praticantes da fé messiânica, na região de
Damasco. Em uma de suas viagens, segundo a tradição
cristã, ele teria sido interpelado por Jesus, em uma
revelação que quase o cega. A partir daí, Paulo (seu
novo nome) se tornou um dos maiores propagandistas da fé
em Jesus de Nazaré. É este novo discípulo responsável
pelos primeiros registros escritos do Cristianismo (suas
cartas são direcionadas para várias comunidades no
mediterrâneo).
Durante muito tempo, as tradições orais eram
responsáveis por manter acesa a fé cristã. No entanto,
no século I, vários escritos são feitos em comunidades,
na tentativa de registrar a história de Jesus e os
principais elementos de sua vida. No século II, quatro
desses textos são selecionados como oficiais: os
escritos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Eles são
reunidos sob o título de Evangelhos (Boa Nova). Em 325,
no Concílio de Nicéia, o imperador romano Constantino
reuniu vários representantes do Cristianismo (até esse
momento, constituído por várias comunidades, com
rituais, crenças, dogmas e ideologias bastante
distintas, e que não correspondiam a um todo homogêneo),
no intuito de definir quais escritos seriam ou não
verdadeiros. Dessa reunião, saiu a constituição do livro
sagrado do Cristianismo, a Bíblia, que teria em seu
bojo, além dos livros de tradição judaica (o Antigo
Testamento) os 4 evangelhos, as epístolas de Paulo e de
outros apóstolos, o relato dos Atos dos Apóstolos e o
Apocalipse de João Evangelista, compondo o Novo
Testamento.
(Texto do Prof. Pablo
Michel Magalhães, da redação d'O Historiante). |
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