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O Profeta, a fé e a submissão (a Deus).

Uma das três religiões monoteístas abraamicas, o Islã é ainda das mais influentes crenças no mundo contemporâneo. Maomé, o Profeta, foi seu fundador e principal articulador.

 

 

Prof. Pablo Michel Magalhães

Mestre em História - UEFS

 

1- O PROFETA

Como toda religião, o Islamismo possui seu mito fundador: em um de seus retiros para meditação, numa caverna localizada no Monte Hira, nos arredores de Meca, Maomé praticava suas orações e jejum, quando foi abordado por uma criatura divina. Os relatos tradicionais dizem que o Arcanjo Gabriel teria aparecido na ocasião, revelando ao mercador ser ele o Profeta de Allah (o Deus único).

Atordoado, apreensivo, Maomé teria entrado em um estado de transe, tal foi o nível de surpresa. De acordo com os escritos de Ibn Ishaq, primeiro biógrafo do Profeta, e que viveu um século após a morte deste, o anjo foi até ele, com uma colcha de brocado, e ordenou que lesse. Mas, como assim? Maomé era analfabeto. Porém, o anjo insistiu, apertou ainda mais a colcha contra o peito dele, e ordenou "Leia!". Atordoado, o mercador teria retrucado: "E o que eu devo ler?". Então o anjo o soltou e proclamou: "Leia em nome do teu Senhor que criou, que criou o homem de sangue coagulado. Leia! Teu Senhor é o mais generoso, que ensinou através da pena, ensinou aos homens o que eles não sabiam".

Seu desespero foi tamanho que, ao acordar do transe, Maomé tentou subir ao cume do Monte Hira, para se matar. Em lá chegando, novamente, Gabriel apareceu, na forma de um homem com os pés sobre o horizonte, dizendo: "Ó Maomé! Tu és o apóstolo de Deus e eu sou Gabriel!".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O arcanjo Gabriel aparece a Maomé, durante suas meditações.

 

Tendo retornado, depois, para sua casa, Maomé compartilhou da história para sua mulher, Khadijah. Seu principal medo era o de que pudesse ter sido vítima de possessão de algum gênio. Sem perder tempo, ela foi buscar os conselhos de um parente seu, um hanif (no período pré-islâmico árabe, eram conhecidos como hanif todos aqueles que mantinham a fé monoteísta, rejeitando a idolatria e o politeísmo e mantendo tradições, costumes e a crença da religião de Abraão). Tendo ouvido toda a história, o homem não teve dúvidas de que Maomé havia recebido a mesma inspiração espiritual que havia descido para Moisés, e que seu destino era o de ser profeta para seu povo.

Após um breve período de incertezas e dúvidas, Maomé, em 613 d.C, começou sua pregação em público, na cidade de Meca.

 

Arábia pré-islâmica e politeísmo: o que é isso?

O Islamismo representou, sem sombra de dúvidas, uma série de transformações profundas nas esferas da política, da cultura e da religião. Seu berço foi a região de Hejaz, faixa de terras banhadas pelo Mar Vermelho.

Porém, antes de Maomé e da difusão do Islã entre os povos árabes, no período que conhecemos hoje como pré-islâmico, os habitantes da região, em sua maioria composta por tribos nômades beduínas que viviam em tendas tecidas com pelo de cabra ou de camelo, praticavam um conjunto de práticas religiosas politeístas. Adoravam em pedras, árvores e pedaços de madeira as moradas dos espíritos. Além disso, conservavam um forte código moral, chamado de asabiyya, sob a forma de coragem, lealdade e generosidade, virtudes expressas no dia a dia da tribo.

No panteão da Arábia pré-islâmica (ou seja, da Arábia antes do Islã), vários deuses e deusas dividiam o poder celestial. Em Meca, uma das cidades mais importantes da região de Hejaz, Alá era a principal divindade, o Criador do universo. Porém, ele coexistia com outras 300 divindades, tão importantes quanto ele, e cujas estátuas enchiam o local sagrado, denominado Caaba, onde se localizava, também, a grande Pedra Negra, um meteorito consagrado e que era considerado objeto de grande valor espiritual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Profeta realiza oração diante da Caaba

 

Assim, no período que antecede o Islã, as tribos árabes em sua maioria eram praticantes do politeísmo, adorando vários deuses e deusas. Claro que havia exceções, como os hanifs, homens insatisfeitos com o politeísmo árabe e que levavam uma vida religiosa baseada na crença de um só deus, o Criador, o mesmo que outrora fora adorado por Abraão, patriarca hebreu.

Mas, influências religiosas exteriores se faziam presentes entre os árabes pré-islâmicos. O Judaísmo e o Cristianismo já possuíam adeptos na região. Síria, Palestina e Abissínia (Etiópia) estavam em constante contato com as tribos árabes comerciantes, e muitos judeus e cristãos passaram a morar em determinadas regiões da Arábia. Em Meca, por exemplo, havia uma grande comunidade de cristãos abissínios; em outras localidades, muitos árabes haviam se convertido ao credo cristão.

É nesse contexto que Maomé virá a nascer, aproximadamente em 570 d. C.

Nascido membro da tribo dos hachemitas, subgrupo de um clã maior e mais importante, o dos coraixitas, Maomé tinha como pais Abdalá e Amina. Logo após seu nascimento, seu pai veio a falecer. Como herança, ele deixou alguns camelos e uma escrava para a esposa. Como de costume, Amina enviou o pequeno Maomé para ser criado longe dos ares de Meca, considerados danosos para a saúde de uma criança. Dessa maneira, Maomé foi entregue aos cuidados de uma família beduína que vivia no deserto, local considerado propício para a formação das crianças para a vida adulta.

Ao completar seis anos de idade, Maomé viria a ficar órfão também de mãe. Amina veio a falecer quando regressava de uma viagem de Iatribe para Meca. O pequeno foi enviado, então, para a casa do avô Abd Al-Mutalib, influente mercador da região e que ocupava o importante cargo de gerenciador de distribuição de água sagrada de Zamzam, em Meca. Porém, o destino pregaria nova peça em Maomé, e logo seu avó também morreria. Diante dessa tragédia, seu tio, Abu Talib, revolveu tomar os cuidados do jovem sobrinho, trazendo-o para sua casa.

Logo, Maomé passa a desenvolver trabalhos dos mais diversos, desde segurança de cabras a compra e venda de mercadorias em Meca. Porém, foi trabalhando para uma rica viúva de nome Khadija, que ele revelou-se um hábil negociador. Não demorou muito, e a viúva encantou-se pela eloquência e habilidade do jovem rapaz, propondo-lhe casamento, quando Maomé ainda não tinha mais que 25 anos (Khadija era 15 anos mais velha que Maomé). O casamento proporcionou ao jovem mercador a estabilidade financeira e a quitação de todas as suas dívidas.

Sua vida, assim, seguiria tranquila  e bem aventurada. Maomé cuidaria de seus negócios, agora, como um homem de posses, e começaria a constituir sua família.

Até que, em 610, aos 40 anos, o anjo Gabriel lhe apareceu, e sua vida mudou completamente.

 

2- A FÉ.

A proposta divulgada e defendida por Maomé representava uma profunda e revolucionária modificação cultural e religiosa para os árabes. Primeiramente, ele postulava que Alá era o único deus, o Criador do universo, e que nenhum dos vários outros deuses e deusas poderiam ser verdadeiros (princípio de monoteísmo, contra o politeísmo vigente até então); segundo, todos os seres humanos responderiam, em um plano superior, pelos seus atos na vida terrena (conceito revolucionário em uma sociedade que via o enriquecimento e a bonança como sinal de sucesso e proteção dos deuses); por fim, e não menos importante, a ideia de que os atos em vida são determinantes no Juízo Final: bons atos e uma vida correta conduzem o fiel para o paraíso, ao passo que uma vida desregrada e sem virtudes direcionam a pessoa para o Inferno, onde queimará eternamente sobre o mármore ardente.

 

Em uma viagem mística, Maomé foi conduzido por Gabriel por vários locais, inclusive o inferno.

 

Dessa forma, os princípios postulados por Maomé sugeriam uma modificação no estilo de vida dos seus conterrâneos, algo que não foi muito bem visto pelos cidadãos de Meca e pelos próprios coraixitas, seus co-irmãos tribais. A rejeição às pregações do Profeta, que incluíam ainda a obrigatoriedade do aceite de Alá como único deus e ele próprio seu mensageiro supremo, aos poucos transformou-se em ódio desvelado, chegando ao ponto de Maomé quase ter sido apedrejado publicamente. Diante disso, a fuga foi a melhor saída para ele, uma vez que, com a morte de Khadija e seu tio Abu Talib, perdera a proteção tribal de que gozava.

Em Taife, Maomé foi ridicularizado e expulso de volta para Meca, onde voltou a ser perseguido pelos coraixitas, que temiam que a nova fé, que ganhava adeptos entre as camadas sociais mais humildes, atingisse um nível de respeito e poder muito alto, ameaçando a dominação política e econômica que mantinham na cidade. Porém, sob convite de alguns peregrinos, seguidores do Profeta, Maomé partiu para a cidade de Iatribe, em 622, num evento que a tradição islâmica passou a denominar como hégira.

É na cidade de Iatribe, que em breve passaria a se chamar Madinat Al-Nabi (a cidade do Profeta), ou simplesmente Medina (a cidade), que Maomé, de fato, montará uma comunidade pautada nos princípios do Islã.

É necessário ressaltar que, durante todas essas desventuras, por quase 23 anos, Maomé empreendeu a transcrição da palavra de Deus, a ele revelada diretamente, em escritos que, posteriormente, seriam compilados em um livro chamado de Alcorão (sendo analfabeto, o Profeta utilizou-se da pena de escribas e jovens letrados para empreender a escrita das palavras sagradas). O contato com as duas religiões abraamicas, Judaísmo e Cristianismo, influenciou e muito a construção dogmática do Islã. Grande parte dos patriarcas e profetas hebreus (Moisés, Abraao, Noé), além de Jesus, são reverenciados e tratados com as mais altas honrarias. No entanto, diferenças são claras: Cristo, por exemplo, é considerado um dos grandes profetas, senão o maior de todos aqueles que antecederam Maomé (este é, dentro da tradição islâmica, o maior de todos), mas não pode ser filho de Deus.

Uma vez em Medina, cidade com grande número de judeus, Maomé buscou uma aproximação com esta comunidade, incorporando ao Islamismo algumas práticas judaicas, como o costume de orar em direção à Jerusalém. De acordo com alguns pesquisadores ocidentais, Maomé tentou inclusive, inicialmente, ser aceito pelos judeus como seu profeta. A despeito de algumas conversões de judeus ao Islã, grande parte da comunidade judaica rejeitou a nova fé. Como resultado, os costumes outrora adotados por Maomé do Judaísmo para o Islamismo foram abandonados ou modificados, como o próprio caso das orações, que passaram a ser realizadas tendo como direção obrigatória a sagrada Caaba, em Meca.

 

3- A SUBMISSÃO (A DEUS).

A palavra Islã nada mais é que submissão aos desígnios de Deus (Alá), o Criador. E como demonstrar, dentro da sociedade islâmica, que você respeita e se submete ao ser supremo? Cinco são os comportamentos e ações principais, que regem a vida de um muçulmano, e que devem ser praticadas rigorosamente, como modo de realmente demonstrar toda a sua fé.

 

1 - Chahada (declaração de fé);

É a declaração necessária, para que um indivíduo pudesse ser inserido e aceito no Islamismo. A frase, simples, consistia em duas afirmações: Achadu ala ilaha ila Allah. Achadu ana Mohammad Rassululah ("Testemunho que não há outra divindade senão Deus. Testemunho que Maomé é seu profeta mensageiro"). Implicitamente, o indivíduo aceitava o Corão como palavra de Deus, os anjos enquanto instrumentos da vontade de Alá e a existência e breve chegada do Dia do Juízo Final para todos os homens.

 

2 - Salat (oração);

A prece é algo necessário na vida de um muçulmano. Orar conecta o fiel a Deus, rende as devidas homenagens ao Criador, renova os ânimos. O rigor quanto à frequência das preces também é algo bastante característico: a salat é dividida em 5 momentos ao longo do dia, da alvorada ao anoitecer. Ao chamado do muezim (encarregado de convocar do alto dos minaretes todos os fiéis para as preces), todo muçulmano deve parar o que está fazendo e voltar-se para Meca, realizando suas orações.

Em pé, com as mãos espalmadas para frente e erguidas ao lado da cabeça, o fiel sempre começa suas preces dizendo Allahu Akbar! ("Alá é grande!").

 

3- Zakat (contribuição caritativa);

A esmola é o terceiro pilar. Dando parte de seus pertences, acredita-se que o muçulmano pode purificar o resto de sua fortuna. O zakat é uma espécie de caridade compulsória, que deve ser feita sem sombra de dúvidas. Durante muito tempo, foi coletado pelo Estado, que empregava aquilo que fora arrecadado (cereais, metais preciosos, animais) no amparo a pobres, viúvas, órfãos, além de equipar soldados para guerras.

 

4- Saum (jejum no mês do Ramadan);

"Ó vós que crede! O jejum vos é prescrito, como foi prescrito para aqueles antes de vós, para que vós possais afastar todo mal". Assim diz o livro sagrado, o Corão, sobre o jejum, que acontece sempre no mês do Ramadã, período em que pela primeira vez a palavra de Deus fora revelada para Maomé, mesmo mês em que em que o Profeta e seus seguidores derrotaram os curaixitas em Badr, a primeira grande vitória que viria dar início ao triunfo de Maomé sobre seus inimigos em Meca, cidade que viria a ser conquistada pelo mensageiro de Alá.

O jejum ocorre nas horas do dia, quando há luz suficiente para enxergar e diferenciar "um fio branco de um preto". Dessa maneira, apenas depois do pôr-do-sol, já à noite, é que um fiel poderia se alimentar e ter relações sexuais.

 

5- Hajj (peregrinação)

Este último pilar é dos mais fundamentais. A importantíssima peregrinação à Meca, costume importado das antigas tradições árabes. Ao menos uma vez na vida, todo e qualquer muçulmano que tenha condições deve empreender uma viagem para a cidade onde Maomé recebeu suas primeiras revelações. E não em qualquer dia. Claro que muitos visitantes podiam e podem ir até a cidade santa quando bem quiserem. Mas a Hajj, a grande peregrinação obrigatória, deve acontecer no mês do Dhu'l Hidja, dois meses após o do Ramadã.

A peregrinação exerce um importante papel de unificador de todos os fiéis do Islamismo, uma vez que proporciona que muçulmanos de diversos lugares possam se encontrar, trocar ideias, confraternizar, e construir um sentimento de irmandade.

São esses cinco pilares que conduzem os atos dos muçulmanos, e são dogmas milenares, praticados desde o século VII até hoje.

 

CONFIRA TAMBÉM: 

- Vale a pena conferir o livroAntigo Islã, escrito pelo pesquisador Desmond Stewart, da coleção enciclopédica Biblioteca de História Universal.

- Recomendadíssima é a edição nº 86, ano VIII, da revista História Viva, com a matéria 30 homens que mudaram o mundo, com uma parte sobre Maomé, o Profeta.

- Não deixe de conferir a animação Grandes Civilizações - O Islã.