05/02/2013
A crise da leitura e
uma leitura da crise.
Como inserir a prática da
leitura em nossas aulas de História? Entre os grandes
desafios da educação no século da tecnologia, algumas
reflexões docentes.
Prof.
Carl Lima
Arte ou efeito de ler, decifrar ou decodificar um
texto, seguindo determinado critério. Essa é uma
definição tradicional, recorrente e clássica, acerca de
uma prática que se desenvolve e acompanha a humanidade
desde o momento em que o indivíduo conseguiu manter uma
relação racional com o real. Dessa forma, a leitura
confunde-se com a história do homem. No entanto, é
necessário enfatizar que ela não é um mero apêndice da
sociedade a qual pertence, mas, sim, tem uma vida
própria, fazendo parte de um processo de produção,
filiação, tensão e construção de sentidos.
Mesmo admitindo e compreendendo a amplitude conceitual
moderna da leitura, será imprescindível nesse artigo
estabelecer um limite, o que significará a restrição do
ato aos "muros" da escola e, especificamente, às
atividades desenvolvidas em sala de aula, onde o uso de
textos escritos e musicados serão os
instrumentos/recursos pedagógicos utilizados/analisados.
Baseado em observações do cotidiano escolar e na
experiência de professor/mediador da rede estadual da
Bahia, tanto no ensino regular, quanto na Educação de
Jovens e Adultos (EJA), somando a isso o interesse pela
pesquisa em educação, uma problemática inquietou-me:
como o profissional de História
(enquanto disciplina escolar) poderia trabalhar com a
leitura na sua prática de ensino, haja vista o
desinteresse do aluno, seja pela dificuldade de
decodificação textual, oriundo de uma má alfabetização;
seja pela falta de interação desses textos com a sua
realidade?
Se nesse
ensaio reduzimos o ato de ler ao espaço escolar, é por
concebermos a escola como a responsável formal pela
educação e alfabetização dos indivíduos. Sendo assim, a
leitura ganha status de instrumento e meio indispensável
para o sucesso da tarefa. Essa concepção de escola, como
também de leitura, advém do ideário iluminista e da
revolução cultural, que atingiram o ocidente no século
XVIII e foram responsáveis pela expansão das
oportunidades de acesso ao saber.
Partindo do
princípio que “saber é poder” esses dois vetores de
concepção – Iluminismo e a revolução cultural – admitiam
a leitura como responsável pela emancipação dos
espíritos e pela iniciação social. Como educadores,
deveremos ficar atentos para aquele momento histórico,
no qual uma classe urbana e detentora do capital
(burguesia) confrontava-se com uma classe que detinha o
poder político e mantinha privilégios baseados em
linhagem e nascimento (nobreza); assim, a escola e a
leitura, mais do que emancipar espíritos, funcionavam
como porta de entrada daquela sociedade aos ideais
liberais.
Não podemos
considerar a importância da leitura, na escola, sem
levarmos em consideração o seu viés ideológico e sua
inclinação para a reprodução e disseminação da cultura
dominante. No entanto, mesmo com a ocorrência dessas
relações hegemônicas de dominação, o ato da leitura
poderá contribuir para a transformação e democratização
do cotidiano escolar, bem como da própria sociedade,
numa reprodução inversa da estabelecida. Os métodos e
perspectivas a serem adotadas para construir o processo
de transformação serão trabalhados mais adiante.
Como foi
estabelecido no início do trabalho, optamos pelo texto
escrito em sala de aula, e aqui tentaremos explicar a
sua significação prática na interpretação e produção de
sentidos construídos pelos alunos.
Qual a
concepção de “texto” que está sendo admitida nas
escolas, principalmente nas aulas de História? Não é
preciso observar tantos, nem quantos professores,
recém-formados ou com experiência (permita-me a
generalizações), para perceber o sentido fechado e a
supervalorização da verdade nos discursos,
principalmente em se falando de autores de
credibilidades e reconhecidamente considerados
formadores de opinião. Quem é o aluno ou o próprio
professor para "discordar ou rebater" a idéias de um Karl
Marx, Max Webber, Elza Nadai, Gilberto Cotrim, ou até
mesmo Diogo Mainardi? O texto tem que ser compreendido
como uma reflexão da realidade/experiência, por isso
mesmo ele não é algo dado ou fechado, sendo passível de dúvidas, críticas e diversas
interpretações. Portanto, o leitor/aluno deve exercitar
a experiência de co-autor do texto lido.
Antes de
qualquer coisa, devemos fazer um esclarecimento: a
palavra “discurso” é usada, aqui, como algo que tem uma
historicidade e faz parte de um processo interpretativo,
derivando da língua e da sociedade que está inserido. Se
falarmos de discurso, falamos subliminarmente de uma de
suas matrizes, a interpretação, que deve ser
compreendida como construção de sentidos ou como feição
simbólica, tendo um caráter de apreciação e julgamento
individuais. Mas, devemos fazer uma ressalva: se
aparentemente a interpretação tem um caráter de
subjetividade, ao mesmo tempo não está reduzida apenas ao
indivíduo, está inserida na história.
Podemos criar uma equação que represente o que já foi
dito: escola+leitura+interpretação = sentidos. É a
criação de sentidos que contempla e exterioriza no
discurso do aluno/leitor o pragmatismo e a riqueza da
leitura.
Não é exagero acrescentar que, se a leitura é sempre
apropriação, interpretação, criação de significados e
sentidos, ou seja, liberdade do leitor em relação ao
autor, essa liberdade é limitada e deriva da capacidade,
convenções, hábitos e modos da prática de ler em
determinado momento da história e do grupo social.
Após o prelúdio teórico, voltemos a gastar nossas
energias, atenção e considerações em torno da
problemática em si – como o professor historiador
poderia trabalhar a leitura na sala de aula,
especificamente na Educação de Jovens e Adultos (EJA) –
levando em consideração os inúmeros problemas
pertinentes ao cotidiano escolar dessa modalidade.
A partir de observações sistemáticas em várias escolas e
principalmente em salas de aulas, onde é ministrado o
ensino de história, somada a experiência como
professor/educador, mais o contato com literatura
especifica sobre o tema, temos subsídios suficientes
para afirmar que a leitura está passando por uma crise
dentro do cotidiano escolar; é valido acrescentar que
esse problema não está localizado em áreas específicas
(partes), mas atingindo o todo. Torna-se imperativo uma
pergunta: Por que essa crise generalizada? Na nossa
avaliação, o problema se encontra na concepção que
atualmente se têm de escola, tanto por parte das
políticas educacionais, quanto da introjeção
que os profissionais da educação sofreram e
sofrem nas suas experiências pedagógicas. A escola está
e estará em crise enquanto negar a experimentação de
sentidos a seus alunos, enquanto continuar interditando
e proibindo a interpretação. Logo, se percebe que a crise
da escola confunde-se com a crise da leitura ou
vice-versa.
Constatada a crise na escola e nas suas práticas
pedagógicas, vamos nos ater nesta seção à modalidade
educacional observada, a Educação de Jovens e Adultos, a
qual dirigir-se-á uma possível intervenção. É
necessário, antes de tudo, trazer à tona uma história da
EJA. A preocupação com a alfabetização e a educação de
jovens e adultos, fora da idade padrão do ensino
regular, não é recente no Brasil. Podemos reconhecer que
a primeira medida legal tomada pelo Estado Brasileiro
foi na Constituição de 1824, que assegurava a educação
primária e gratuita para todos os cidadãos; as
ulteriores cartas magnas tiveram sempre preocupação de
contemplar e reafirmar a preocupação com esse tipo de
educação.
No entanto,
é apenas no século XX que as primeiras medidas
verdadeiramente práticas se apresentam, sendo a primeira
delas a conhecida lei Rocha Vaz – decreto nº16. 782 – um
marco importante que estabeleceu a criação das primeiras
escolas noturnas direcionadas ao adulto trabalhador.
Contudo, a década de 1940 pode ser considerada como a
de maior efervescência, tanto na parte das políticas
educacionais, quanto no funcionamento prático dessas
medidas, a exemplo da criação do Fundo Nacional de
Ensino Primário, Serviço de Educação de Adultos,
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – todas
elas eram gratuitas e da esfera nacional. A década de
1960 também se coloca como destaque na Educação de
Jovens e Adultos, seja pela difusão das idéias de
educação popular e a democratização da escolarização
básica – aqui podem ser englobados desde movimentos
regionais (Movimento de Educação de Base), até ações de
cunho estatal que visavam a educação maciça de jovens e
adultos (MOBRAL) – seja pela transformação no paradigma
teórico e pedagógico nos desdobramentos da EJA, baseada
nas concepções de Paulo Freire, onde o papel da
alfabetização e da educação seria importante no processo
de participação e conscientização das massas. É bom
acrescentar que essas mudanças de concepção não foram
trabalhadas de maneira satisfatória devido ao golpe
militar de 1964, que vetou o Plano Nacional de
Alfabetização.
Com o período de redemocratização do Brasil e a criação
de uma nova constituição (1988), é implantado no país a
Fundação Nacional para a Educação de Jovens e Adultos
que tinha a função de fomentar as séries iniciais, bem
como produzir materiais didático para essa modalidade de
ensino.
Após esse breve e (esperamos) elucidativo histórico,
podemos inferir que a Educação de Jovens e Adultos em
qualquer momento de sua existência, teve como principal
atividade alfabetizar e educar aqueles que, em meio a
injustiças e percalços da vida, deixaram a escola de
lado. A priori, a EJA é concebida como um
reparador de injustiças e promotor de uma nova chance
para esses cidadãos. Segundo a resolução CNE/CEB
nº.1/2000, que instituiu as diretrizes curriculares, a
sua principal função é assegurar a eqüidade (igualdade
de direito e oportunidade) e a diferença (valorização do
mérito de cada um) para com isso ter um efeito
reparador, equalizador e, acima de tudo, qualificador.
Se a EJA tem o objetivo de alfabetizar, educar e
qualificar um tipo específico de aluno, é conveniente
aos profissionais que trabalhem com esse público
considerarem suas características, interesses e
condições de vida.
O conhecimento das características desse público é
essencial, tanto para manter um bom relacionamento,
principio imperioso na relação professor/aluno, quanto
na eleição de materiais que servirão de instrumentos nas
práticas educacionais pedagógicas.
Tomando conhecimento da realidade desse aluno, o segundo
passo que os profissionais da área de educação (diretor,
coordenador, professor) devem tomar, é compreender os
problemas mais significativos que atingem esses
indivíduos: cansaço físico e mental oriundo da jornada
de trabalho, baixa auto-estima, o tempo afastado da
escola, dificuldade cognitivas, entre outras. Assim,
terão suporte para conceber uma organização curricular,
que fuja da forma tradicional – listagem de disciplina
obrigatória e formal – para privilegiar a
interdisciplinaridade, que serão base para buscar
capacidades, competências e habilidades, propostas num
objetivo a serem alcançados. A lógica dessa nova
concepção de currículo não deve ser inovadora, apenas na
eleição do que se ensina e aprende, sua revolução
precisa estar pautada no como se ensina e aprende.
No tocante à leitura – problemática desse trabalho – têm
que ser pensada como uma atividade com partilhada com
todos educadores, sendo necessário para isso
planejamento, organização e metas, nunca perdendo de
vista as dificuldades que são imanentes a esses alunos.
Na Educação de Jovens e Adultos, a leitura têm de ganhar
contornos de pragmatismo, os textos (didáticos,
paradidáticos ou adaptados) devem fazer interação e
parte da vida vivida do aluno. Como o professor será
capaz de fazer essas escolhas? Em partes, essa pergunta
já foi respondida, se o professor conhece a realidade e
o contexto socioeconômico que vive o discente, se
conhece a história e a perspectiva da EJA, ele
facilmente traçará um perfil e notará que uma grande
maioria, quiçá a totalidade, está inserida na parcela da
população economicamente ativa. Por isso, e não só, a
leitura deve ser conectada com os interesses
profissional e de qualificação dos indivíduos
No que diz
respeito, a leitura na disciplina História, o professor
têm que aproveitar o potencial transformador,
libertador, mutável e atual da mesma, para criar um
método que contemple o perfil do estudante. Esse ensaio,
não se caracteriza por ser um manual, nem tampouco
trazer no seu bojo uma fórmula perfeita, que funcionará
em quaisquer realidade ou ambiente escolar, feita essa
ressalva podemos elencar, alguns passos que podem ser
seguidos: 1º-escolher o texto junto com o aluno;
2º-criar uma atmosfera descontraída, mas que ao mesmo
tempo aguce a curiosidade 3º-trabalhar de preferência
com textos que falem de atualidades , mas que façam uma
digressão histórica, para com isso o aluno perceber que
a história é feita de processos e teias e não de simples
acontecimentos isolados.
Para finalizar, devemos deixar claro que o aluno só se
tornará um verdadeiro leitor, se a instituição escolar,
bem como o professor, lhe estimular a capacidade de
interpretar e atribuir sentidos aos textos, levando em
consideração suas experiências e vivências. O ato de ler
deve ser percebido como mais um gesto da vida, trazendo
consigo uma “naturalidade”, que só será possível, a
partir do momento que o hábito da leitura seja uma
realidade em nossas escolas e não apenas como parte
integrante da disciplina de língua portuguesa.
Ler também:
CAVALCANTE,
Meire. O que dá certo na Educação de Jovens e Adultos,
In: Revista Nova Escola, Agosto de 2005, nª184
BAMBERGER,
Richard. Como incentivar o hábito de leitura. São Paulo:
Ática, 2004.
(Texto do prof. Carlos Alberto A. Lima, da redação d'O
Historiante)
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