30/08/2013
Afinal, o que são
os Estudos Pós-coloniais?
Prof. Carl Lima
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Pós-estruturalismo, Estudos culturais, Antropologia
interpretativa, Nova História Cultural: são todas facetas
consequentes da revolução científica que movimentou a
humanidade no segundo pós-guerra. Todas essas
transformações juntas atacaram e foram responsáveis por
desconstruir o já cambaleante Paradigma Dominante
Moderno. Nesse processo lógico de desconstrução,
ergueu-se, ou pelos menos tentou erguer-se – desde aquele
momento até os dias de hoje –, um novo edifício de
construção de conhecimento.
É no bojo desta edificação que continuadamente vem sendo
construída uma tendência cientifica que se
auto-reconhece enquanto pós-colonial e se adjetiva como
descolonizadora. Segundo o intelectual caribenho Nelson
Maldonado-Torres, essa ciência pós-colonial representa a
terceira revolução humanística e tem por objetivo
desenvolver relações intersubjetivas entre os indivíduos
colonizados, de quaisquer partes do globo, e que isso
possa propiciar as suas respectivas libertações.
Nelson Maldonado-Torres, expoente caribenho dos Estudos
Pós-coloniais
Como o próprio significante da flexão de número
representa, a expressão é complexa e advêm de um
processo plural e complexo. Analisar os estudos
pós-coloniais é tentar compreender uma ciência que se
forja numa pós-modernidade, com objetivos claros de
ultrapassar e revolucionar o sistema científico, então
existente e dominante. Na conjuntura de formação não
podemos perder de vista os fatos e acontecimentos
históricos que impulsionaram o movimento com destaque
para as lutas de independências das colônias africanas e
asiáticas em geral, e as guerras do Vietnã, Argélia,
Coréias, em particular. Assim, o segundo pós-guerra tem
importância insofismável, pois o desenvolvimento de uma
nova faceta do capitalismo, e seus interesses globalizantes, bem como a rivalidade declarada destes
com o bloco comunista soviético, criaram condições
objetivas para a fermentação de outras possibilidades
epistemológicas.
É pertinente esclarecer que os Estudos pós-coloniais não
ficam apenas reduzidos a esses fenômenos sociais e a
essa esfera espaço-temporal explicitada – África e Ásia,
muito pelo contrário, desde seu início até os dias de
hoje, vive um processo contínuo de formação, de ressignificação do seu cabedal teórico e metodológico.
Podemos afirmar que é uma ciência cambiante e instável
que está sempre em busca de responder às demandas
existentes.
Guerra da Argélia
Mesmo nessa diversidade e pluralidade, alguns pontos são
caros aos Estudos pós-coloniais, e eles se apresentam
como um misto de definição e caracterização. Sendo
assim, destacam-se: a negação às narrativas
totalitárias; crítica revelada ao Eurocentrismo;
repúdio ao essencialismo e à estereotipia dos sujeitos, bem
como um posicionamento contrário às identidades fixas. Se
afirmei anteriormente serem os estudos anticoloniais
precursores e motivadores do rompimento com o paradigma
moderno e, consequentemente, com as ciências
colonizadoras, da mesma forma defendo que os Estudos
pós-coloniais tiveram seu início, de fato, no final da
década de 1970, ou seja, só reconheço sua fundação
propriamente dita quando estiverem reunidas em torno de uma
pesquisa as características supracitadas e sempre numa
relação de complementaridade
Acrescenta-se que muitos dos grandes expoentes dos
Estudos pós-coloniais são de origem indiana, fato
explicado possivelmente pelo desenvolvimento e
conseqüências trazidas pelo colonialismo àquela nação.
Assim, são representantes legítimos das ciências descoloniais: Homi Bhabha, Gayatri Spivak e Ranajit
Gurhun.
Homi Bhabha, intelectual Indiano
Nesse processo de formação das Ciências Pós-coloniais,
não podemos negar a importância dos Étnicos
estadunidenses. Parte integrante dos chamados studies
(estudos) que se formaram nos Estados Unidos, a partir da
década de 1950, têm sua origem epistemológica imbricada
entre os Estudos de área e as demandas sociais dos
grupos racializados intra-território. A sua existência
pode e deve ser concebida enquanto uma conquista dos
grupos subalternos – negros, latinos, indígenas,
orientais – que vivenciavam o estigma e a discriminação
por parte das classes hegemônicas. Mesmo sendo uma
experiência tipicamente americana, os Estudos Étnicos se
encaixam no modelo paradigmático pós-colonial; mais que
isso, eles o influenciaram na sua formação ao oferecer a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade como
perspectiva a ser seguida.
Para Maldonado-Torres, ainda que os estudos Étnicos
tenham sido tomados como exemplo, por alguns, de uma
aventura interdisciplinar, suas origens apontam para
algo mais radical ainda, que sugere a transgressão e a
transcendência das disciplinas, isto é, uma perspectiva transdisciplinar orientada, por uma perspectiva
descolonizadora e desracializadora (...) uma maquina de
conhecimento que desmonte as estruturas epistemológicas
postas pelo racismo e pelo colonialismo. Portanto, os
Estudos Étnicos americanos, muito além de apenas ficar
circunscrito ao seu próprio território e de tentar
responder às demandas dos grupos marginalizados, devem ser
compreendidos como um movimento que conseguiu subverter
de alguma forma a episteme moderna.
Outro ponto chave em torno dos Estudos Descoloniais, e,
com efeito, da construção do novo paradigma que contempla
as necessidades e vicissitudes do colonizado, é a busca
por uma representatividade de si, por si e para
si. Esse processo corresponde à transformação do
outrora indivíduo racializado/colonizado/objeto, em
sujeito e acima de quaisquer coisas portadoras de
conhecimento.
Se numa perspectiva marxista – baseada no paradigma
tradicional – a luta de classes é o motor da história, a
máxima da ciência pós-colonial é a luta pelas alegorias,
pelas representações, tornando-se pontos fundamentais
para se delinear identidades fluidas e não fixas,
objetivando de fato uma libertação. Dessa forma, a
teoria passa a ser localizada em sujeitos que partilham
de uma situação específica de vivências, inalcançável
para aqueles intelectuais do primeiro mundo, conformando
uma experiência da subalternidade representacional
que, aliado ao conhecimento profundo dos tropeços do
conhecimento ocidental, garante aos intelectuais
subalternos uma visão privilegiada.
Da mesma forma que Frantz Fanon, grande germinador das
ideias descolonizadoras, afirmou a existência de dois
momentos complementares e distintos na relação entre
colonizado e colonizador – primeiro marcado pela busca
de uma assimilação e o segundo por uma revolta aberta
ante a sua condição de subjugado – Lewis Gordon e Du
Bois analisam essas mesmas fases, não apenas na
perspectiva dos indivíduos ordinários, mas através dos
intelectuais e suas produções. Será esse movimento que
irá formar uma ciência contextualizada e descolonizada,
pois se no primeiro momento ocorre o engano e a
alienação, o segundo é o da crítica e da construção do
pensamento anticolonial, no vácuo desses dois momentos,
surge a unidade científica capaz de superar a hegemonia eurocêntrica.
Considero os Estudos pós-coloniais uma vanguarda
epistemológica, principalmente por oferecer à humanidade
um novo conjunto de estratégias de interpretação da
realidade nas ex-colônias, levando em consideração os
efeitos do colonialismo nos respectivos cotidianos. Esses
estudos subvertem a episteme existente, instaurando um
processo de descolonização, não apenas científico, mas
também material.
Portanto, os objetivos dos intelectuais subalternos, não
se restringem a esfera epistemológica, por isso não
merecem sofrer acusação de fazerem parte de uma ciência
desencarnada ou entreguista, antes de tudo, essa
apresenta uma proposta bem definida: revolucionar a
episteme para proporcionar uma revolução nas relações
sociais intra e inter colônias. Assim, ante uma
realidade desumanizadora, os Estudos pós-coloniais são
ao mesmo tempo alento e instrumento, capazes de
interpretar e, com efeito, romper as amarras racialistas
preconceituosas.
Reconheço os limites da teoria e da epistemologia
pós-moderna e, por conseguinte, descolonizadora – como
quaisquer paradigmas –, mas não a acusarei de atrelada ao
capitalismo contemporâneo, tampouco de mistificadora das
novas relações de poder, pois jamais cobrarei de uma
ciência ou de um corpus teórico, o que ela não pode
oferecer, dito de outra maneira, jamais poderia
criticá-la sobre uma temática na qual ela não versa.
Abaixo às críticas difamadoras e incoerentes!
(Texto do prof. Carl Lima, da redação d'O
Historiante)
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